terça-feira, 30 de março de 2021

PODER - VIII

Ordem constitucional e ordenamento constitucional embora inseparáveis no plano dos fatos, podem ser tratados distintamente com base na lição de Legaz y Lacambra que distingue ordem jurídica e ordenamento jurídico. Segundo esse jurista espanhol, ordem jurídica é o direito visto em função dos seus fins, abstraídos o sistema de legalidade e a dimensão de eficácia. Ordenamento jurídico é o direito visto como sistema normativo de uma comunidade política. Biscaretti di Ruffia qualifica de regime a ordem constitucional fundada em princípios. Diz, o jurista italiano, que inicialmente o regime é político, mas posteriormente, assume relevância jurídica quando a sua orientação programática se compenetra da mesma estrutura das diversas instituições estatais, traduzindo-se em claras diretrizes para a atividade de todos os órgãos do estado. Pinto Ferreira, jurista brasileiro, vê na ordem constitucional conteúdo filosófico ou ideal, espelho de um regime, reflexo de determinados postulados políticos. Karl Schmitt, jurista alemão, refere-se à ordem constitucional como constituição positiva cuja essência não está contida numa lei ou norma e sim na decisão política do titular do poder constituinte. [Essa postura doutrinária custou-lhe a pecha de “teórico do nazismo” porque através dela os líderes nazistas justificaram o seu poder. A valer esse critério, positivista algum escaparia à mesma sentença]. Heller trata a ordem constitucional como princípio ético do direito; tal ordem carece de concreção suficiente para encontrar aplicação como norma imediata; sua natureza é parcialmente apriorística, mas, também, historicamente variável, pois, depende do seu círculo cultural. 
A ordem constitucional resulta da vontade soberana do detentor do poder constituinte que a sustenta e expressa (i) em máximas = proposições universais aceitas no campo da moral e do direito (ii) em princípios = proposições singulares fundamentais que alicerçam o sistema normativo (iii) em ideias = conceitos fundamentais de determinada concepção de mundo. Essa vontade, a decisão que a acompanha e a ação que a realiza conformam as relações de domínio no âmbito do estado. Tais máximas, princípios e ideias, explícitas ou implícitas no texto constitucional, são os fundamentos das decisões sobre formas de estado e de governo, organização do poder e regime das liberdades públicas. Essas decisões são legítimas enquanto sintonizadas com o referencial de legitimidade acalentado pela nação. 
As máximas, os princípios e as ideias fundamentais constam do preâmbulo de algumas constituições. No preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, o legislador: [I] informou o objetivo da assembleia constituinte: instituir um estado democrático [II] declarou os valores supremos: liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, segurança, desenvolvimento, bem-estar, harmonia social e paz. No título primeiro, apontou princípios fundamentais: republicano, democrático, federativo, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, separação dos poderes. 
O preâmbulo da Constituição [1] dos EUA (1787) menciona a união federativa, justiça, paz, segurança, bem-estar e liberdade [2] da França (1791) reconhecia a declaração dos direitos do homem e do cidadão como fundamento da extinção das instituições que vulneravam a liberdade e a igualdade; declarava extintos os privilégios e instituições feudais e proclamava a laicidade do estado [3] da Alemanha (1919), consagrava os laços étnicos, o liberalismo, o ideal de justiça e paz [4] da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1977), arrolava os fundamentos do regime político socialista popular advindo da revolução: democracia, liberdade, direitos e deveres dos cidadãos [5] da Constituição da República Popular da China (1982) relata a passagem da ditadura do proletariado para a nova democracia socialista e expõe os seguintes fundamentos: [I] supremacia da Constituição [II] independência e segurança nacionais [III] estado unitário [IV] comunhão das diferentes nacionalidades que compõem o estado chinês [V] união de todas as forças sociais (frente patriótica) [VI] modernização cultural (indústria, agricultura, ciência, tecnologia, educação, formação ideológica socialista) [VII] intercâmbio cultural e econômico [VIII] governo autoritário centralizado (ditadura democrática popular) [IX] paz e progresso humano [X] deveres dos trabalhadores, dos camponeses e dos intelectuais.    
Do núcleo constituído de máximas, princípios e ideias componentes da pauta ordenadora do poder constituinte resulta hierarquização. Esse núcleo consubstancia a ordem constitucional à qual estão vinculadas as normas do ordenamento constitucional. A ordem constitucional do Brasil compõe-se: (i) das máximas: dignidade da pessoa humana, supremacia da Constituição, independência e segurança nacionais (ii) dos princípios: republicano, democrático, federativo, separação dos poderes, segurança jurídica, equivalência capital e trabalho como forças produtivas nacionais (iii) das ideias: justiça, paz, liberdade, igualdade, fraternidade.   
Legaz y Lacambra, Luis. Humanismo, Estado y Derecho. Barcelona. Casa Editorial Bosch. 1960, p. 144/160.
Biscaretti di Ruffia, Paolo. Derecho Constitucional. Madri. Tecnos. 1973, p. 53.
Pinto Ferreira, Luis. Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno. Vol. I. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1971, p. 74/75 + 69/170).
Schmitt, Karl. Teoria de la Constitucion. Madri. Revista de Derecho Privado. 1927, p. 28 +147.
Heller, Herman. Teoria do Estado. São Paulo. Mestre Jou. 1968, p. 303.


Nenhum comentário: