quarta-feira, 17 de março de 2021

PODER - IV

A supremacia da Constituição decorre da soberania do poder constituinte e acarreta o escalonamento das normas do ordenamento jurídico a partir da mais geral até a mais especial: leis orgânicas e ordinárias, decretos legislativos e executivos, regimentos, resoluções. As decisões judiciais podem ser normativas quando preenchem lacunas ou interpretam as leis ao aplica-las nos casos submetidos à apreciação dos tribunais. Princípios e normas hierarquizados formam uma pirâmide de diferentes níveis no ordenamento jurídico do estado. [Hans Kelsen].
Princípios constitucionais são proposições calcadas em ideias fundamentais da ordem estatal: soberania, independência nacional, autodeterminação dos povos, defesa da paz, democracia, separação dos poderes, cidadania, pluralismo político, dignidade da pessoa humana, direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança. Os princípios enredam a ordem política, econômica e social, informam e sustentam as normas constitucionais, administrativas, financeiras, orçamentárias, civis, comerciais, industriais, trabalhistas, eleitorais, militares, ambientais, penais, processuais.
Normas são comandos humanos inspirados em valores materiais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos; estabelecem formas de estado e de governo; disciplinam a conduta dos governantes e governados; distribuem competências; declaram direitos e deveres. Da natureza ética do direito decorre a bipolaridade que caracteriza as normas. Assim, o justo opõe-se ao injusto, o lícito opõe-se ao ilícito; aos crimes impõe-se penas; aos direitos correspondem os deveres. Na eficácia, a norma revela a sua força. Sem eficácia, a vigência da norma é inútil. Os fins que motivam a norma importam à convivência social: garantir a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade, a segurança, o bem comum, o interesse público, o desenvolvimento da nação. As normas postas pelo costume e pelo legislador formam o direito objetivo. O estudo lógico e sistemático dessas normas caracteriza a ciência e a filosofia do direito.
A liberdade humana encontra a sua disciplina e o seu limite nas convenções sociais e nas regras da religião, da moral e do direito. Aquele que, sem justa causa, ultrapassa o limite, fica sujeito às sanções convencionais (expulsão da escola, da igreja, do clube, da corporação), à rejeição pela comunidade (ostracismo) e às sanções previstas no ordenamento jurídico do estado (reparação dos danos causados, prisão, morte, multa, prestação de serviços não remunerados). A aplicação das penas previstas nas leis estatais compete à autoridade pública, vedado ao indivíduo fazer justiça pelas próprias mãos.
Autoridade é poder revestido de juridicidade, autenticidade e legitimidade cujo fundamento pode ser empírico, ético e lógico. A autoridade está alicerçada (i) empiricamente, no carisma, na vivência pessoal e na convivência social (ii) eticamente, na religião, na moral e no direito (iii) logicamente, no conhecimento técnico, científico e filosófico. Sob ângulo jurídico, autoridade significa o poder de mandar e ser obedecido, traçar os parâmetros da conduta alheia, fazer prevalecer a sua vontade, dispor de força para que suas ordens sejam cumpridas. “Poder sem autoridade é tirania”. [(Jacques Maritain].
Em sendo direito encampado pelo poder do estado, a autoridade personificada abusa ocasionalmente. O abuso de direito ocorre tanto no setor privado como no setor público; inclui o abuso de autoridade por indevido excesso no uso do poder; merece a repulsa da sociedade e sanções legais. O agente do abuso pode ser legislador, chefe de governo, ministro, membro do sistema de justiça (polícia + ministério público + magistratura), funcionário público em geral.
O direito natural concorre com o direito positivo. Sustenta-se na essência da razão humana, a mesma para todos os homens. Da natureza do homem e da vida social experimentada, a razão saca os princípios jurídicos válidos para todos os tempos e para todos os homens: dignidade da pessoa natural, justiça social, soberania popular, liberdade, igualdade, propriedade. Se não corresponder a esses princípios do direito natural, o direito positivo poderá ser substituído de modo pacífico ou por força das armas. Fundados nesse direito natural [I] os revolucionários de 1789 na França e os revolucionários de 1917 na Rússia, substituíram a ordem jurídica autocrática pela ordem jurídica democrática (lá, burguesa; cá, proletária) [II] os juízes do tribunal de Nuremberg, organizado em 1945 pelos vencedores da segunda guerra mundial: (i) negaram vigência à ordem jurídica da Alemanha nazista (ii) afastaram a incidência do universal princípio nullum crimen nulla poena sine lege {os crimes narrados na peça acusatória não estavam tipificados na lei nacional dos acusados} (iii) julgaram e condenaram os nazistas acusados da prática de crimes contra a humanidade. 

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