quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

REVISÃO JUDICIAL

Na reunião com empresários e jornalistas (29/01/2018) Carmen Lúcia, ministra presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) teria dito, conforme noticiado na imprensa e na rede de computadores, que o tribunal apequenar-se-ia caso tornasse a discutir a tese de que a sentença penal condenatória de segundo grau de jurisdição pode ser executada antes do trânsito em julgado; que seria casuísmo o tribunal atuar motivado pela condenação de Lula. 
Da opinião da ministra podem discordar os seus 10 colegas, os membros da família forense e a opinião pública.
O casuísmo assombra a ministra desde que ela era presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Até hoje, ela não compreendeu (talvez por não ter sido juíza de direito) que a judicatura é casuística por natureza. Trata-se de função estatal exercida por juízes e tribunais destinada a solucionar controvérsias à luz da Constituição e das leis, caso a caso, com decisões específicas, no devido processo jurídico. Daí, o humor forense: “cada caso é um caso”.
Casuísmo significa exame de casos pela autoridade leiga ou eclesiástica. Esse procedimento não se confunde necessariamente com oportunismo tendencioso, indecoroso, antijurídico. A oportunidade pode ser adequada e conveniente. A revisão periódica da jurisprudência pelos tribunais é procedimento normal, desejável e aconselhável, que evidencia a preocupação dos juízes com a justa aplicação do direito, fato que desperta a confiança dos jurisdicionados nas instituições judiciárias. A revisão periódica denota a seriedade dos juízes na busca do equilíbrio entre a estática e a dinâmica dos conceitos no campo jurídico. A vontade e a disposição de corrigir provável erro judicial num segundo ou terceiro exame da matéria, longe de apequenar, engrandece o tribunal. A necessidade de atualizar a jurisprudência ante mudanças ocorridas na sociedade, ou como resposta à provocação dos operadores do direito, motivam e justificam a revisão.
No presente cenário brasileiro, a revisão judicial pode ser provocada tanto pelo caso Lula, como pelo caso de qualquer outro postulante qualificado e legitimado para estar em juízo.
A nação brasileira aguarda nova análise da questão, pois a tese recente do STF (2016) – vencedora por mínima diferença de votos (6 x 5) – conflita com norma da Constituição da República: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5°, LVII). Destarte, enquanto não afastada a presunção de inocência em definitivo, a sentença penal condenatória não pode ser executada. Podemos não gostar disto e preferir a técnica anterior a 1988: o réu condenado em primeiro grau não podia apelar para o tribunal de segundo grau sem antes recolher-se à prisão. O STF, após respeitar por 20 anos a norma da Constituição de 1988, repristinou a norma ordinária antiga com pequena alteração: a execução da sentença penal condenatória dar-se-á depois de confirmada no segundo grau.
(?) Esse retorno à antiga regra ordinária que discrepa da regra constitucional posterior não pode ser interpretado como “casuístico” (no sentido indecoroso) se considerarmos que naquele ano (2016) a condenação de Lula já era anunciada pelo juiz inquisidor? Tal retorno não pode ser interpretado como intenção premeditada de permitir a prisão de Lula e assim tirá-lo da disputa pelo cargo de presidente da república em 2018? Não se há de esquecer que os magistrados têm visão política e nem sempre conseguem afastar da função judicante as suas preferências partidária e ideológica.
Por mais interessante que o recente entendimento do STF possa parecer, a verdade é que ele esbarra na garantia constitucional. Somente o legislador constituinte originário poderá, com legitimidade, retirar essa garantia e permitir a execução da sentença antes do trânsito em julgado. Nesta hipótese, a presunção de inocência cessaria no primeiro ou no segundo grau de jurisdição, conforme decidisse o legislador constituinte. Obedecido estaria o princípio democrático. 
Rediscutir matéria de suma relevância para a eficácia das garantias fundamentais dos cidadãos não representa capitis deminutio para a corte suprema. Ademais, sob o prisma da mensuração, impossível apequenar o que amiudado está. O prestígio nacional e internacional do STF, o seu nível ético, as suas ações e omissões, nunca estiveram tão baixo como agora. O tribunal que devia ser o “guardião da Constituição” tem atuado como o “guardinha do quarteirão”.        

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