terça-feira, 30 de janeiro de 2018

TOGA BORRADA

Honra, honestidade, decência, virtudes ausentes nos poderes legislativo, executivo e judiciário da república brasileira. A ideia de justiça paira no céu da cultura sem efetivar-se na solução dos conflitos humanos. O sentimento de justiça vibra no coração humano quando se depara com situações contrárias aos princípios da ética e do direito.
Tendo em vista as costumeiras trocas de favores regadas com propinas nos negócios públicos com o setor privado, as autoridades brasileiras (municipais, estaduais e federais) arriscavam-se a ser processadas judicialmente, o que acabou acontecendo na primeira década do século XXI, de modo contundente, a partir da ação penal 470 (“mensalão”). Diante da febre moralista da justiça federal (polícia + ministério público + magistratura) basta que as autoridades tenham celebrado contratos ou nomeado pessoas a cargos da administração pública, para ingressarem no campo da suspeição.
A escolha de algumas dessas autoridades para serem investigadas e processadas e a blindagem de outras, tipificam violação da isonomia e colocam os agentes da polícia, do ministério público e do judiciário, no papel de corruptores que seduzem os investigados com os favores legais para que delatem e mintam, quando antes não os constrangem mediante prisão e ameaças a cônjuges e filhos. A responsabilidade penal de todos há de ser apurada. Se um ex-presidente da república é condenado sob a acusação de ser proprietário de fato de apartamento no Brasil, outro ex-presidente também deve ser condenado sob a acusação de ser proprietário de fato de fazenda no Brasil e de apartamento na França. A heresia que serviu para condenar o governante da esquerda há de servir também para condenar o governante da direita.
Propriedade de fato de imóvel só existe na cabeça de quem atua de má-fé ou é deficiente cultural. Na ordem jurídica brasileira, propriedade de imóvel é instituto de direito fundado em documento legítimo (escritura de compra e venda, escritura de doação, formal de partilha, sentença judicial de usucapião). Enquanto o documento não for registrado no cartório de registro de imóveis, o proprietário continua a ser o alienante e não o adquirente. Segundo definição do código civil, proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa. Sem o registro do título o adquirente não pode dispor do imóvel como proprietário, embora possa usá-lo como possuidor. O código civil considera possuidor aquele que tem, de fato, o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade. O adquirente só é possuidor se ocupar o bem imóvel, dele usar e gozar.       
No plano dos fatos, houve corrupção na Petrobras tanto no governo Cardoso como nos governos Silva, Rousseff e Temer. Por esse fato genérico, ou todos os presidentes são responsáveis ou nenhum deles. O que se afigura moral e juridicamente ilegítimo é só um deles ser processado por esse fato e os outros não. Considerando que o governo Cardoso terminou em 2002; considerando a pena aplicada ao ex-presidente Lula; conclui-se que os crimes praticados por Fernando Henrique Cardoso só prescreverão em 2022. Logo, ainda há tempo suficiente para processá-lo e condená-lo, o que os paladinos da moral e do direito certamente providenciarão sem demora.    
Domínio do fato, teoria cuja desviante aplicação tem servido ao lawfare, supõe os seguintes elementos: (i) fato tipificado como crime na lei penal (ii) ato do executor (iii) ordem do mandante. Não há dispensa de prova. Confissão, testemunho, documento, laudo pericial, são meios legítimos para provar: (i) a relação de subordinação entre mandante e executor (ii) a ordem para execução do crime. À falta desses tipos de prova bastarão indícios, presunções e delações? Para investigar, sim. Para condenar, não. Agride a consciência jurídica dos povos civilizados a convicção dos juízes estribada exclusivamente em indícios, delações e presunções.
A tribuna da defesa nos tribunais brasileiros é ocupada para cumprir ritual, posto que os juízes togados já trazem à sessão de julgamento os seus votos por escrito. Presume-se que eles examinam bem a questão sub judice, os seus limites, a argumentação das partes, a prova produzida e comparecem à sessão já convictos. A palavra lançada daquela tribuna nada influi na decisão dos julgadores. Daí o alívio dos magistrados quando não há sustentação oral. Na década de 90, no tribunal do trabalho do Rio de Janeiro, um dos juízes literalmente rasgou o seu voto depois da sustentação oral feita pelo advogado. Exceção raríssima. Mais comum é os juízes de uma câmara, ou turma, combinarem o resultado para evitar embargos infringentes. Todos acompanham o voto do relator. Justiça? Não vem ao caso.   

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