sábado, 10 de fevereiro de 2018

AUXÍLIO-MORADIA

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) levantou, por escrito, questão de ordem perante o Supremo Tribunal Federal pedindo a retirada da pauta de julgamento do processo atinente ao auxílio-moradia dos magistrados e que lhe fosse aberto prazo para replicar a contestação e apresentar contrarrazões ao agravo regimental. A requerente penitencia-se por não haver provocado o tribunal no devido tempo. Atribui o lapso à “defesa técnica”. 
Causa espanto a falta de vergonha da magistratura nacional na atualidade. O relator, ministro Fux, foi juiz de direito. Portanto, sabe que ao receber contestação que junta documentos, deve ouvir o autor da demanda. O despacho usual é "em réplica" ou "diga o autor". A Ajufe, se bem intencionada estivesse, já teria apresentado a réplica e as contrarrazões simultaneamente com a “questão de ordem”. Ao interpor esse pedido esdrúxulo, a Ajufe demonstrou conhecimento inequívoco da contestação e do agravo regimental, o que dispensa intimação específica. A intempestividade seria apreciada pelo relator. Referir-se à “defesa técnica” como justificativa da demora para intervir no processo é um escárnio. A postulação da Ajufe tem um nome no vocabulário forense: chicana. Que autoridade moral têm agora os magistrados para censurar os advogados chicaneiros? Nenhuma. Segundo conhecido brocardo, o direito não socorre quem dorme. Se o postulante perdeu o prazo, não pode mais recuperá-lo. O processo judicial marcha para frente e não para trás. A penitência do postulante não tem o condão de mudar a marcha processual e de afastar a perempção (extinção do direito de praticar o ato por haver se esgotado o prazo).
Ao requerer a retirada do processo da pauta de julgamento, a Ajufe pretende protelar a solução do caso, o que renderá ganhos adicionais aos juízes por mais algum tempo. A questão já estava engavetada por alguns anos sob os cuidados do ministro Fux. Ainda insatisfeita, a Ajufe quer mais. Os juízes esperam não devolver o que receberam ilegalmente. Marcelo Alencar, então governador do Estado do Rio de Janeiro, pressionado pelo Tribunal de Justiça, dizia que os juízes são insaciáveis.      
A justiça federal adotou o lawfare com um descaramento sem precedentes na história do judiciário brasileiro. A magistratura tornou-se safardana. Os magistrados que recebem o vergonhoso benefício, muitos deles morando em casa própria nas capitais dos estados, alegam apoio na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Pura malandragem. A LOMAN foi publicada em março de 1979. A vigente Constituição da República é de 1988. O direito posterior revoga o direito anterior. Os artigos 61 a 65, da LOMAN que tratam dos vencimentos e das vantagens pecuniárias dos magistrados foram revogados pelo inciso V, do artigo 93, combinado com o § 4º, do artigo 39, ambos da Constituição. A nomenclatura mudou de “vencimentos” para “subsídio” fixado em parcela única, vedado acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, ou outra espécie de remuneração.
Os tribunais, para aumentar a remuneração dos magistrados acima do teto constitucional, valeram-se dos dispositivos da LOMAN não recepcionados pela Constituição, entre os quais, o artigo 65 da citada lei: “Além dos vencimentos, poderão ser outorgados, aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: I – ajuda de custo para despesas de transporte e mudança; II – ajuda de custo para moradia, nas comarcas em que não houver residência oficial para juiz, exceto nas capitais; III – salário-família; IV – diárias; V – representação; VI – gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral; VII – gratificação pela prestação de serviço à Justiça do Trabalho nas comarcas onde não forem instituídas Juntas de Conciliação e Julgamento; VIII – gratificação adicional de cinco por cento por quinquênio de serviço, até o máximo de sete; IX – gratificação de magistério por aula proferida em curso oficial de preparação para a magistratura ou em escola oficial de aperfeiçoamento de magistrados (...) exceto quando receba remuneração específica para esta atividade; X – gratificação pelo efetivo exercício em comarca de difícil provimento (...).
Aproveitaram-se da expressão “nos termos da lei” para obter vantagens pecuniárias estabelecidas em normas posteriores à Constituição de 1988. Tais normas, evidentemente, frutos da malícia, colidem com a vedação constitucional. Expedientes desse tipo desmoralizam a magistratura nacional.     
Em 1987, ainda no serviço ativo como juiz de direito do Estado do Rio de Janeiro, eu enviei à Assembleia Nacional Constituinte, 16 propostas, entre as quais, a que mudava vencimentos para um único subsídio e acabava com os penduricalhos. A proposta foi acolhida e lançada no texto da nova Constituição (1988). Os valores de todos os penduricalhos, tomados como referência os mais altos, foram incorporados ao subsídio único dos juízes fluminenses, evitando redução dos ganhos e até aumentando um pouco os ganhos daqueles magistrados que recebiam menos quinquênios. Portanto, além da inconstitucionalidade, afigura-se altamente imoral os magistrados receberem novamente as vantagens abolidas pelo legislador constituinte.    

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