sábado, 2 de maio de 2015

LAVA-JATO II



Nada surpreendente a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de devolver a liberdade aos presos da operação apelidada “lava-jato”. Inquéritos policiais e ações penais utilizados como teatro de vaidades, politicamente coloridos, cercados de sensacionalismo e conduzidos de forma açodada, atropelando direitos fundamentais, dificilmente encontram respaldo no STF. No meio forense criou-se o vocábulo juizite para designar uma disfunção que se observa em alguns juízes no início da carreira. Trata-se do ego do neófito inflado pelo poder adquirido e por seu novo status social. O mesmo ocorre com aqueles que, não sendo juizes de carreira, são nomeados para os tribunais ordinários e superiores (TJ, TRF, STJ, STF). Com o exercício da judicatura por algum tempo, vem o equilíbrio, a serenidade e a normalidade funcional. Todavia, há casos em que a juizite se torna crônica; o perfil inquisitorial do juiz se torna definitivo; as arbitrariedades se sucedem. Em conseqüência, o juiz poderá responder tanto a procedimento disciplinar como a processo de impeachment, nos termos da Constituição e da lei.

Os juízes do STF foram cautelosos ante a natureza da persecução criminal no caso concreto (Petrobrás: corrupção, lavagem de dinheiro). Estabeleceram restrição à liberdade de locomoção. Os indiciados e réus devem permanecer em seus domicílios, usar tornozeleiras, visitar quinzenalmente a autoridade pública, entregar seus passaportes, sendo-lhes permitido o trabalho externo. Estas determinações são constrangedoras. O tribunal as entendeu recomendáveis no momento. A restrição poderá ser levantada após o encerramento da instrução criminal. O levantamento pode ocorrer a qualquer momento se garantias constitucionais dos acusados forem violadas. Se responderem ao processo em plena liberdade, os réus que forem condenados serão presos após o trânsito em julgado da sentença (depois que não mais houver recurso a ser interposto validamente). Do primeiro grau de jurisdição (vara federal) os autos do processo da ação penal seguem para o segundo grau (tribunal regional) e depois para o terceiro (tribunal superior). No terceiro grau são apreciados recurso especial (Superior Tribunal de Justiça - STJ) e recurso extraordinário (Supremo Tribunal Federal - STF).

No artigo intitulado “A Petrobrás e o Domínio do Boato”, publicado em 26/04/2015, sítio do Jornal do Brasil na rede de computadores, de autoria do jornalista Mauro Santayana, há dados que comprometem a lisura da firma estadunidense Pricewaterhouse Coopers na auditoria realizada na Petrobrás. O citado artigo arrola inúmeros casos de desonestidade da mencionada firma na execução das suas tarefas nos EUA e em outros países. Isto significa que a direção da Petrobrás contratou uma empresa sem idoneidade moral cujo trabalho carece de credibilidade. O fato de essa firma ter matriz estrangeira não significa superioridade técnica e moral em relação às firmas nativas de auditoria contábil e financeira. É possível que, até prova em contrário, matrizes nacionais sejam idôneas e não estejam comprometidas com os interesses de tucanos e petistas; firmas capazes de trabalhar honesta e eficientemente e, quiçá, a um custo menor.

O título do artigo acima citado é uma facécia com a teoria do domínio do fato exposta pelo jurista alemão Claus Roxin. Essa teoria foi ventilada pelo Procurador-Geral da República e pelo relator da ação penal 470, no STF (caso apelidado de “mensalão”).

No entendimento geral, considera-se fato: (1) qualquer modificação operada na natureza, na sociedade, na pessoa ou no patrimônio; (2) qualquer ação, omissão, seus efeitos e circunstâncias; (3) a coisa objeto de exame ou sobre a qual há disputa ou referência; (4) tudo o que realmente acontece, com ou sem o conhecimento do sujeito. 

O fato criminoso vem descrito na lei (CR 5º, XXXIX + CP 1º). A teoria do domínio do fato cuida da questão da autoria do crime, que inclui o executor, o mandante, e todo aquele que, direta ou indiretamente, contribui para a ação ou a omissão criminosa. A superior posição hierárquica em relação ao executor do crime é insuficiente para, por si só, enquadrar alguém na autoria. Tal enquadramento depende de prova da efetiva participação do superior hierárquico na ação criminosa, prova de que ele a planejou ou de que dela tinha conhecimento e dispunha de poder para impedi-la. Indícios e presunções não bastam. Quaisquer que sejam as teorias nacional e estrangeira sobre esse tema, há lei pátria que o regula. Nos termos do direito brasileiro em vigor, a participação do sujeito deve ser dolosa ou culposa; a responsabilidade penal é subjetiva, quer do executor, quer do mandante, quer do partícipe (CR 5º, LVII + CP 18).

 “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa” + “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade” (CP 13 + 29). Se, o superior hierárquico, de qualquer modo, concorreu para o crime, estará sujeito à punição. O domínio do fato se extrai da expressão legal “de qualquer modo”. Sem o fato (resultado) não há crime. Ainda que provado, não haverá crime se o agente praticou o ato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (CP 23). Sem prova da autoria, da materialidade, da culpabilidade, ou se a prova for insuficiente, não haverá condenação (CPP 157 + 386). A prova é inerente ao processo penal. A processualística brasileira disciplina minuciosamente a prova (CPP 155 a 250; CPC 130/131 + 332 a 443 + 446, II). Tanto dentro como fora do mundo jurídico, a prova é o meio idôneo pelo qual se verifica a existência das ações, omissões e coisas (móveis, imóveis, fungíveis, consumíveis, divisíveis, singulares, coletivas, públicas, privadas) e se demonstra a verdade das palavras (proposições, postulados, teses, teorias, doutrinas, afirmações, negações). No processo judicial, compete às partes apresentar ao juiz a prova das suas alegações. Em havendo dúvida sobre ponto relevante, o juiz, por iniciativa própria, poderá determinar diligências para dirimi-la. Há provas: documental, pericial, testemunhal. Acareação, inspeção, reconhecimento de pessoas e coisas, são procedimentos complementares. A prova tem que ser direta para cumprir a sua função primordial: trazer clareza e certeza à matéria em exame. A prova indireta pode servir à Física e à Astronomia, mas não ao processo penal. Neste se lida com a liberdade das pessoas, bem precioso constitucionalmente protegido.           

Na opinião do jornalista acima mencionado, no que tange à corrupção na Petrobrás, prevaleceu o boato e não o fato, posto que: (1) não há prova da existência dos seis bilhões de reais, montante do alegado prejuízo; (2) cuida-se de número fictício; (3) as quantias referidas pelos delatores se mantêm na casa dos milhões; (4) não há prova do superfaturamento de contratos e aditivos; (5) com base nas delações premiadas, toma-se, de modo genérico, a taxa de 3% como sendo a cota das propinas. O jornalista conclui: o balanço da empresa é um factóide.

Assim é, se lhe parece, como diria Pirandello (cosi è, se vi pare). Se assim é, então os auditores se valeram de presunção – e não de prova idônea – para elaborar o balanço da empresa estatal. Confirmada a hipótese, o caso escabroso será acrescido de um novo complicador. Os auditores teriam se comportado à semelhança daqueles juristas que respondem as consultas por escrito sempre de modo favorável aos interesses do cliente que paga os honorários.

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