Evocações das imagens de um programa naturalístico de
televisão: os pássaros grandes e pequenos, as aves grandes e pequenas,
disputando alimento. Em programa de televisão exibido no canal Discovery, sobre
o comportamento dos animais selvagens, no primeiro semestre de 1997, mostrava
algo que aparentemente violava as leis da natureza. Um bando de hienas atacou
uma zebra agonizante. Mal a zebra tombou, as hienas começaram a banquetear-se,
apressando a morte do animal. Nisto, aproximaram-se cautelosamente um leão, a
leoa e os filhotes, com o visível propósito (se é que animal irracional tem
intenções) de participar do banquete. As hienas ficaram apreensivas e arredias.
Afastaram-se do local, porém, permaneceram nas proximidades, em atitude hostil.
Os leões se acomodaram em uma das extremidades do corpo da zebra e começaram a
comer. As hienas voltaram, ocuparam a outra extremidade e fizeram o mesmo.
Quiçá, vencidos pela fome, os leões não se importaram com aquela companhia e
nem exigiram exclusividade. As hienas, também, preferiram satisfazer a fome ao
invés de pleitear prioridade sobre o alimento a que haviam chegado por
primeiro. A ferocidade cedeu lugar ao armistício. Todos os componentes de ambos
os lados se fartaram e se retiraram em paz. Bastou para isso que cada bando se limitasse
ao seu hemisfério, sem invadir o do outro. Respeitou-se o acordo tácito a
respeito da partilha do bem consumível.
As folhas das árvores que cercavam o parque começavam
amarelar. Em frente ao parque, no bairro Etobicoke, da cidade de Toronto, no
Canadá, onde passava as férias, em agosto de 1997, moravam minha cunhada, o
marido e a filha da qual eu e minha esposa somos padrinhos. Nas manhãs
ensolaradas eu atravessava a rua e sentava no banco do parque desfrutando
daquela atmosfera repousante. Apanhei e guardei uma folha caída ao chão. A
árvore é nativa daquele país e as suas folhas o simbolizam. Pássaros grandes e
pequenos desciam das árvores e comiam em conjunto. Quando
havia pouco alimento, os grandes afastavam os pequenos. Depois da revoada dos
grandes, os pequenos disputavam entre si as sobras.
No quintal da casa de minha infância havia galos e
galinhas. Todos comiam os grãos de milho lançados ao solo, cada qual buscando o
seu lugar e o seu quinhão, na medida do seu apetite. Quando havia um só galo, o
seu espaço era respeitado por todos. O galo, entretanto, não se atrevia a
invadir o espaço da galinha choca e de seus pintinhos, porque a reação desta
era imediata e violenta. Se havia mais de um galo, disputavam o domínio. O
vencedor ocupava o lugar escolhido, distante do outro, comendo a sua porção de
milho. Os frangos, na sua inexperiência, às vezes invadiam a área dos galos;
saíam escorraçados perdendo penas pelo caminho. Tinham de se contentar com o
que lhes era deixado pelos galos e galinhas. Aprendiam a aguardar a sua vez e a
respeitar a hierarquia.
Êpa! Hora de parar! Já começo a falar dos animais
irracionais como se fossem racionais.
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