terça-feira, 5 de maio de 2015

TRABALHO E INJÚRIA



Do ponto de vista natural, trabalho é todo movimento de um corpo no espaço/tempo com dispêndio de energia. Esse movimento pode ser um deslocamento, como o do pássaro em seu vôo; um construir, como a abelha sua colméia; um pulsar, como o coração no corpo humano; um vibrar, como o elétron no átomo.

Sob o prisma social, trabalho é atividade humana, com ou sem fim econômico. A arte pela arte e a atividade no lar são exemplos de trabalho sem fim lucrativo. A pregação religiosa não entra mais nesta categoria desde a primeira fase da Idade Média no mundo ocidental, transformada que foi em mega operação mercantil. O trabalho humano implica esforço físico e mental. Dependendo do objetivo, o esforço físico é maior do que o mental, como no caso do lavrador, ou o esforço mental é maior do que o físico, como no caso do cientista.

Na fábrica, no escritório, na escola, no laboratório, no quartel, na cúria, tanto o chefe como o subordinado são trabalhadores. Na economia capitalista, tanto o dono do capital como o servidor são trabalhadores. O primeiro visa ao lucro e o segundo ao salário. A tensão entre ambos gerou o sentimento de classe. Ao primeiro foi reservado o nome de patrão e ao segundo o nome de trabalhador no sentido classista. Ao conjunto de trabalhadores foi atribuído o nome de classe trabalhadora. Integrada inicialmente por operários, a classe trabalhadora aumentou seus quadros com a inclusão dos ferroviários, mineiros, comerciários, bancários e autônomos. Posteriormente, os servidores públicos também foram incluídos, embora não pertencessem ao setor produtivo da economia privada. Na zona rural, a tensão entre o dono da terra de um lado e o lavrador e peão de outro, também gerou sentimento classista. O primeiro se organizou em associações ruralistas e os dois outros em sindicatos e ligas camponesas.

Das reivindicações da classe trabalhadora e do choque de interesses entre os pólos opostos, nasceram direitos: a uma limitada jornada de trabalho, a repouso semanal, férias, licenças, aposentadoria, piso salarial, participação nos lucros e na administração da empresa. O reconhecimento e a eficácia desses direitos dependem do regime político e do grau de desenvolvimento econômico e cultural de cada país. Do citado confronto, surgiu data comemorativa: 1º de Maio, da qual se aproveitam políticos profissionais ligados ao trabalhismo para tecer loas aos trabalhadores e manter ou ampliar o seu eleitorado.  

No Brasil, no dia 1º de maio de 2015, um senador da república, dandi aristocrata, sem vínculo algum com o trabalhismo, que jamais se importou com a classe trabalhadora, membro de um partido elitista, faz um discurso violento contra a Presidente da República no comício promovido por uma organização sindical de trabalhadores. Frustrado por perder as eleições presidenciais de 2014, vertendo ódio pelos poros, o senador Aécio Neves ofendeu a honra da Presidente da República chamando-a de covarde, porque ela não se apresentara em rede de televisão para comemorar aquela data. Evidentes a intenção de ofender e a futilidade do motivo. O senador incidiu no delito tipificado sob o artigo 140, combinado com o artigo 141, I, ambos do Código Penal (CP). A injúria contra Chefe de Estado e de Governo, representante da nação, equivale a uma bofetada em todos os cidadãos. O senador poderá responder a processo parlamentar perante o Senado e a processo judicial perante o Supremo Tribunal Federal.

Ao cometer o crime, o senador não estava ao abrigo da imunidade parlamentar, eis que a sua conduta não tinha pertinência alguma com o mandato. A indecência e a demagogia emanavam da sua logorréia, dos gestos que colocavam à mostra a barriga, da roupa simples para impressionar os trabalhadores, posto ser habitualmente um janota. Para um senador da república, Aécio Neves portou-se de maneira indecorosa, no traje e no ultraje. A ofensa contra a Presidente da República foi irrogada em praça pública e divulgada por emissoras de televisão, o que torna evidente e notória a prática delituosa. O senador revelou-se um criminoso pelo menos em duas ocasiões: (1) como cidadão comum no episódio de 1º de Maio; (2) como autoridade quando governava o Estado de Minas Gerais (CP 317: corrupção).

A Constituição da República dispõe: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Esta norma pressupõe a existência de um processo judicial e de um juízo condenatório. Para efeito jurídico, a sociedade não deve considerar culpado alguém processado judicialmente e ainda não condenado em definitivo pelo Estado. Para efeito moral e religioso, a sociedade pode considerar criminoso todo aquele que comete crime, ainda que não seja processado judicialmente. Para emitir juízo sobre fatos públicos e notórios, a sociedade não depende da opinião ou da decisão dos poderes do Estado.

Em Londres, na segunda metade do século XIX, mais de uma dezena de mulheres foram assassinadas em série. O assassino jamais foi identificado. Recebeu o pseudônimo de Jack, O Estripador. Apesar de nunca ter sido preso, processado e condenado pelo Estado inglês, Jack sempre foi considerado criminoso pela sociedade britânica.

No Brasil, há fatos delituosos que nunca foram esclarecidos e seus autores jamais punidos pelo Estado. Há milhares de inquéritos policiais arquivados. Por outro lado, basta visitar as penitenciárias ou lembrar dos recentes casos apelidados de “mensalão” e “lava-jato”, para constatar a punição de delinqüentes e a prisão de indiciados confessos. Ainda assim, há criminosos que ficam impunes. Basicamente, as razões disto são: (1) estrutura policial precária; (2) frouxidão dos costumes; (3) tráfico de influência; (4) domínio do sistema de segurança do Estado pelo poder econômico.   

Sob os ângulos semântico, social e moral, criminoso é quem comete crime. Se o Estado processa o criminoso ou se nada apura, isto não altera necessariamente o juízo de reprovação formulado pela sociedade sobre a ação delituosa e o seu agente. Ainda que o citado senador da república brasileira não seja processado e condenado pelo crime que praticou, nem por isto perderá o status de criminoso; será mais um entre os muitos casos de impunidade. 

A Presidente da República é pessoa dotada de inteligência, dignidade e bravura, conforme o testemunho do seu histórico de vida. Deve ser respeitada não só em razão do seu valor pessoal como também pela excelência e representatividade do seu cargo. Presidente algum está juridicamente obrigado a se pronunciar em ocasiões festivas. Cuida-se, quando muito e conforme o caso, de dever cívico. A escolha da hora, da forma e do meio de se comunicar cabe-lhe com exclusividade, segundo a sua conveniência e o seu senso de oportunidade. Podemos discordar da escolha, porém, isto não significa que a autoridade presidencial esteja errada e nós estejamos certos. Tampouco é licito aproveitar-se da decisão da presidente para, com base em suposições, atribuir-lhe motivos desonrosos. Somente ela própria tem condições idôneas para expor, com certeza e clareza, as razões da sua escolha. Inventar motivos para denegrir a honra da presidente ou de qualquer outra pessoa, revela caráter mal formado e leviandade do difamador.

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