Existe um rio amargo / banhando
as terras do Sul / Anos a fio tive o gosto / de suas águas na boca / Existe um
rio amargo / pardo de sujeira e lama / anos a fio seu veneno mau / me corrompeu
o sangue/ De suas águas amargas bebi / e o fel ainda me azinhava a língua /
misturado aos anseios que lá se afogaram / e suspensos à sua ponte de ferro /
misturado aos anseios que lá se afogaram / na correnteza de silvos da serpente
/ de suas águas amargas bebi / e elas afogaram os meus sonhos todos / o livro
lido – mas inútil / o instrumento empunhado – mas não usado / a lição aprendida
– e perdida / a ambição solapada e partida.
Ó águas do rio amargo / com esse
gosto de sangue e terra / por certo já não espelhai nem estrelas à noite / nem o sol ao meio-dia / O rio
amargo não reflete as estrelas / apenas devolve o brilho das grades de aço / e
dos rostos negros atrás das grades de aço / dos rapazes de Scottsboro atrás das
grades de aço / de Lewis Jones atrás das grades de aço / dos mineiros
indiferentes atrás das grades de aço / do líder trabalhista atrás das grades de
aço / do soldado arrancado do ônibus de negros atrás das grades de aço / do fotógrafo
ambulante atrás das grades de aço / da rapariga que faz negócio do seu corpo
atrás das grades de aço / das costas do meu avô com degraus de cicatrizes / Há
muitos e muitos anos – açoites e grades de aço - / o amargo rio já não reflete
as estrelas.
“Tenham paciência”, diziam vocês
/ “Sua gente verá dias melhores” / Mas o redemoinho do rio amargo / engole
vossas palavras / “Trabalho, educação, paciência / trarão dias melhores” / o
redemoinho do rio amargo / arrasta as palavras ao fundo / “Miseráveis!
Agitadores! Desordeiros!”, dizem vocês / mas os redemoinhos do rio amargo /
arrastam as palavras ao fundo / “Miseráveis! Agitadores! Desordeiros!” dizem
vocês / mas os redemoinhos do rio amargo / tragam as mentiras também.
Não fui eu quem procurou nesse
rio / o gosto de sua espuma amarga / Essas águas me foram dadas / como um
presente por vocês / Vocês com seu poder é que me encostaram à parede / me
obrigaram a beber a bebida amarga / feita de fel e de sangue / Vocês, com seu
poder, lincharam meus camaradas / debaixo da ponte que cruza a correnteza /
menosprezaram o meu trabalho / e cuspiram na cara do meu sonho / Vocês é que me
empurraram para o rio amargo / cujas águas silvam como serpentes / Agora, as
palavras não têm mais sentido / anos a fio bebi estas águas.
Sonhador de sonhos inúteis /
construtor de esperanças condenadas / perdedor de salários miseráveis /
carregador amargo de amarguras / e cantor de canções soluçantes / Anos a fio
bebi as águas do rio amargo / pardas de sujeira e de lama / Estou farto agora
do rio amargo / Estou farto das humilhações / estou farto agora das grades de
aço / só porque negro é o meu rosto / Estou farto de segregação / farto de
sujeira e de lama / Bebi as águas do rio amargo / e se fizeram aço no meu
sangue.
Ó trágico rio amargo / onde bóiam
os rapazes linchados / o fel de tua água amarga / não reflete nenhuma estrela /
Estou farto do rio amargo / cansado das grades de aço.
(“O Rio Amargo”. Langston HUGHES.
Traduzido por Sérgio Milliet).
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