sábado, 9 de maio de 2015

O MASSACRE DOS PROFESSORES



Parece título de filme, mas se trata de um fato real: a violência praticada pela força policial contra os professores em Curitiba no dia 29 de abril de 2015, quarta-feira à tarde. A pauta da Assembléia Legislativa do Paraná incluía projeto de lei que autorizava o governo a manipular o dinheiro da previdência social em oposição aos direitos e interesses do magistério estadual. Os professores para lá se dirigiram em massa e de mãos limpas a fim de pressionar os deputados, como é próprio da democracia. Foram impedidos de ingressar no prédio da Assembléia por enorme e bem armado contingente da polícia militar. Centenas de manifestantes sofreram ferimentos. O governo conseguiu aprovar o projeto com o voto de 60% dos deputados.

Custa acreditar que o filho de José Richa fosse capaz de tamanha crueldade e safadeza. Quiçá, na ânsia de se emancipar da aura do pai, Beto Richa liberou a face demoníaca da sua personalidade.

Ao tempo da Assembléia Nacional Constituinte (1987), José Richa e Bernardo Cabral, separadamente, acolheram o trabalho que lhes enviei contendo 16 propostas para serem incluídas na futura Constituição da República, acompanhado da sugestão de que no projeto já em estudo fosse substituída a expressão “juiz subordinado ao tribunal” por “juiz vinculado ao tribunal” em atenção à necessária independência do juiz na função jurisdicional. Bernardo respondeu de forma pessoal e bem educada, comunicando o recebimento do trabalho e agradecendo a colaboração. Quando a Constituição foi promulgada (1988), José, com palavras respeitosas, teve a gentileza de me enviar um exemplar da nova Constituição autografado. A maioria daquelas propostas constava do texto constitucional e a mencionada sugestão também fora acatada. Eu ainda morava no Leblon e exercia o cargo de Juiz de Direito da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Fiquei sabendo, por meus amigos do Paraná, que o senador José Richa era assim mesmo, homem educado, atencioso e de bons princípios. O mesmo não se pode dizer do filho Beto, hoje governador daquele Estado.  

Em sítio da média alternativa (www.viomundo.com.br), li artigo de um médico, ex-deputado do Paraná, Dr. Rosinha, que atribuía a culpa pelo massacre ao governador Richa e ao secretário de segurança Francischini. O articulista foi injusto com Adolf Hitler ao compará-lo com Beto Richa. Nada há de comum entre eles, salvo o fracasso final.   

O líder alemão não nasceu no seio de família rica. Bem ao contrário, era de origem pobre. O líder alemão não era insensível. Bem ao contrário, amava a pátria e a sua companheira; tinha senso estético, embora a sua pintura fosse mediana tal como a de Churchill. O líder alemão não era hipócrita. Bem ao contrário, defendia a doutrina nazista à luz do dia, plena e abertamente, e desejava que outros povos também a seguissem. O líder alemão não era covarde. Bem ao contrário, defendia as suas idéias com vigor. Na mocidade, participou da primeira guerra mundial, foi promovido de soldado raso a cabo do exército e condecorado por bravura. O líder alemão não massacrava o seu povo. Bem ao contrário, limitava-se a castigar minorias dentro e fora da Alemanha por motivo racial que ele achava justo e acreditava ter base científica. Adolf não era insidioso. Bem ao contrário, era carismático, venerado e apoiado pela maioria do povo alemão. Convicto e sem disfarce, ele acreditava piamente na pureza e superioridade da raça ariana e no destino glorioso do III Reich. Cuidava de modo especial e eficaz da educação, da ciência e da cultura; valorizava e apoiava decididamente os professores, cientistas, artistas e atletas. Adolf não governava uma província. Bem ao contrário, governava um país europeu em expansão. Sob o seu governo, a Alemanha controlou a inflação, teve um extraordinário desenvolvimento econômico e cultural e foi parceira comercial do Brasil (1934/1941). A euforia gerada pelo sucesso, a confiança excessiva e a desmedida ambição política e militar causaram a ruína de Adolf e do seu Reich (1942/1945).

Beto Richa (Carlos Alberto), londrinense, engenheiro, político, dandi aristocrata, nascido no seio de família rica, filiado a um partido político elitista, governa mal a sua província e a conduz à falência. A depressão gerada pelo fracasso e a arrogância do governador apontam para a ruína. Sobre ele paira a sombria nuvem da corrupção. À semelhança de Nero, que gargalhava ao som da lira enquanto Roma ardia em chamas, Beto gargalhava enquanto os professores eram massacrados no Centro Cívico. Neste local, projetado e construído na década de 1950 pelo governador Bento Munhoz da Rocha Neto (engenheiro, sociólogo, escritor, professor) estão sediados os três poderes do Estado do Paraná (Assembléia Legislativa, Palácio do Governo e Tribunal de Justiça). A ficção política e a demagogia foram desnudadas. A chamada casa do povo mostrou a sua cara: reduto dos pilantras que se consideram a elite daquele Estado.

O discurso de prioridade da educação revelou-se artifício retórico meramente eleitoreiro. Na vida real, o governo paranaense atua em sentido contrário ao da valorização dos profissionais da educação escolar, ou seja, desobedece ao comando do artigo 206, inciso V, da Constituição da República (CR). Cumpre lembrar, ainda, que o legislador constituinte nacional estabeleceu norma destinando à manutenção e ao desenvolvimento do ensino 25% da receita estadual proveniente dos impostos (CR 212). Caso o governador não esteja cumprindo esta e outras obrigações, poderá ser afastado do cargo mediante processo parlamentar de impeachment independente da ação judicial cabível.

A perversidade desse governador foi demonstrada pela ação traumática dos seus comandados. Os policiais atiçavam os cães contra as pessoas. Algumas foram mordidas. Contra os manifestantes foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo, disparadas balas de borracha, desferidas cacetadas. A imagem de um professor idoso, deitado no asfalto, retratava bem o episódio dantesco. Homens e mulheres foram tratados com extrema violência. O governador também foi aluno em escola pública e em colégio particular quando criança e adolescente. Aos professores ele deve a cultura que tem, ainda que estreita. Beto não aproveitou de forma digna e adequada a educação que lhe foi dada. Cuspiu no prato em que lhe foi servido o alimento do intelecto e da alma. São os professores que educam os filhos dos paranaenses. Esse fato não sensibiliza o governador porque a amoralidade está no DNA da casta política oligárquica a que ele pertence. 

O curioso e paradoxal é que, nas eleições de 2014, os curitibanos votaram maciçamente nos candidatos do PSDB à presidência da república e ao governo do Estado. Esperava-se, pois, que o governador eleito tratasse os curitibanos com deferência e respeito e não com tiros e bordoadas. 

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