sábado, 30 de maio de 2015

DIÁLOGO



- Vamos conversar na varanda enquanto o jogo não começa. Por enquanto, só veremos propaganda comercial e ouviremos dos comentaristas aquela conversa para encher lingüiça.
- Boa idéia, Eduardo. Gosto de apreciar a paisagem e sorver algumas gotas de uísque acomodado na varanda da tua casa, ainda mais com a temperatura amena, tarde ensolarada, nuvens brancas abrindo brechas para o azul celeste. O ar da fazenda me faz um bem danado.   
- “Gotas”? Quanta moderação! Eu dispenso o uísque. Estou sob dieta recomendada pelo médico. Diz ele que diabetes e bebida alcoólica não combinam. Sim, a tarde está bonita, mas eu só não entendo a graça que você acha na bosta de vaca, no cheiro de mato e na plantação. 
- Sou homem urbano, Eduardo, mas valorizo o ambiente rural. Noto o desenho circular da bosta de vaca semelhante ao desenho de um disco voador. Aprecio a sinfonia da natureza, o mugir do boi, o cocoricar do galo, o cacarejar das galinhas cercadas de pintinhos amarelinhos, o trinado dos passarinhos e seus nervosos movimentos, o chiar da cigarra. Ouço o grasnar de patos, gansos e marrecos a correr batendo as asas em direção ao lago. Escuto o grunhir dos porcos no chiqueiro e o relinchar dos cavalos na estrebaria, ariscos ao receber o pelego e a sela. Sinto a alma repousar quando contemplo a imagem das árvores refletida na superfície do lago e o vento brando a agitar suas folhas. Você teve o capricho de construir a casa principal na parte alta e seca do terreno. Daqui se descortina o verde do imenso cafezal a se confundir com o horizonte. Você dá pouca importância à beleza dessas coisas porque está morando aqui e faz parte da paisagem. Tudo isto lhe é familiar e a tudo isto você está integrado. O cotidiano amortece o senso estético.
- Baixou o santo ecológico em você, Márcio. Da minha caminhoneta e dos tratores, novos em folha e que custaram um dinheirão, você nada disse!  Parece ignorá-los por completo.
- Máquinas eu vejo todos os dias poluindo o ar da cidade. Para me acompanhar, você podia se permitir uma taça de vinho tinto. Creio que o seu médico compreenderia. 
- O meu dever de anfitrião assim recomenda. Leonora! Por favor, traga-me a taça, a garrafa de vinho, o abridor e gelo para o uísque do Márcio. Obrigado.
- Meu prezado anfitrião...
- Lá vem você com suas ironias. Eu sou o seu hospedeiro e você é meu hóspede na minha singela hospedaria desfrutando da minha hospitalidade. bom assim?
- . Falo sério. Ali na sala, depois de uma chamada feita pela TV para um programa político noturno, você disse que a nação brasileira não está madura para a democracia. Eu sei quando a banana está madura, mas não sei quando uma nação está madura.
- Meu caro hóspede, o que no mundo nasce, tende a crescer, amadurecer e morrer. Muitas nações surgiram e desapareceram desde a antiguidade até os nossos dias.   
- Eu não me refiro ao ciclo natural aplicado às instituições humanas, Eduardo. Considero o ser humano pertencente ao reino animal e não a um reino especial e próprio. No meu entender, o humano é um estágio racional na evolução geral e progressiva que ocorre na natureza.
- Já percebi tua filiação ao darwinismo, tua descrença na especial criação divina e a tua reserva em relação à Bíblia.
- Percebeste corretamente. O corpo do Adão era de barro e ao formatá-lo o deus Javé, ou Jeová, nem o colocou no forno! O sujeito que escreveu o Gênesis sentia-se um ser especial, diferente dos demais seres da natureza.Vaidade humana. E ignorância, porque ele não sabia explicar a origem dos seres humanos. O que me intrigou foi a referência à maturidade da nação. Quando podemos afirmar com segurança estar uma nação madura? Essa terminologia própria dos vegetais é adequada para qualificar as instituições humanas?
- Concordo com a tua opinião sobre a posição do ser humano no reino animal e sobre a Bíblia, livro que repercute a imensa ignorância em que está mergulhada a maior parte da humanidade no que tange ao reino espiritual. Maturidade é conceito temporal, meu prezado amigo, que significa certo estágio da existência do ser vivo entre o nascimento e a morte, como você bem sabe. Tal como o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, eu também vejo a nação como um organismo vivo. Lembro que o vocábulo nação provém do verbo nascer e do latim natio. 
- Sobre o latim e a raiz do vocábulo eu nada sei Eduardo. O bacharel em direito é você. Eu sou engenheiro. Segundo penso, nação é comunidade de pessoas que têm em comum – me perdoe o pleonasmo – certos costumes, crenças, tradições, linguagem, sentimentos, idéias e interesses. No seu viver comunitário essas pessoas acabam por criar um padrão cultural e têm o mesmo destino coletivo e histórico num determinado lugar do planeta. No território brasileiro há várias nações indígenas. Elas são verdes ou maduras?
- Se existirem há menos de 500 anos, elas serão verdes.
- Então, o que conta é o fator cronológico? A formação cultural pouco importa? Indiferente se a nação atingiu ou não o estágio de civilização? As nações civilizadas da América, como a nossa, não são nações maduras? São todas verdes porque nasceram há menos de 500 anos?
- A resposta ao teu questionamento, Márcio, exigirá o estabelecimento de paradigmas, com doses de subjetividade e arbitrariedade. Lembro a lição de Bluntschli – não sei se a pronúncia correta é esta mesmo – jurista e político alemão que considerava sintoma de imaturidade o Estado dominar ou vigiar constantemente a sociedade civil. Creio que ninguém gosta de ter os seus movimentos vigiados o tempo todo. Reconheço laços invisíveis de coesão entre as pessoas, certo clima de intimidade, de engajamento emocional, moral e ideal a exercer coerção no seio da comunidade. O grupo que se mantém íntegro por séculos produzindo a sua própria história pode ser verde ou maduro. Comparadas com as nações européias, as americanas são novas e estão verdes. Ao se emanciparem das metrópoles européias, as colônias americanas do norte, do centro e do sul, assumiram identidade política própria. Instaurou-se o processo social de formação da nação. Apesar de verde no que concerne ao tempo, a nação estadunidense, após 200 anos de formação, exporta para o mundo o seu modo de vida e o seu modelo econômico. Atualmente, a economia da nação estadunidense ocupa o primeiro lugar no mundo e a da nação brasileira, o sétimo, apesar da imaturidade de ambas do ponto de vista cronológico. Na América, há nações indígenas que não se integraram ao Estado e cujas culturas não atingiram o grau de civilização. A nação brasileira é mais nova do que as nações indígenas da América Portuguesa, tais como: Aimoré, Bororo, Caiapó, Caingang, Carijó, Goitacá, Guaicuru, Paresi, Pataxó, Potiguara, Tupinambá, Xavante, Yanomami. O Brasil reconhece aos índios: a organização social própria, os costumes, as diferentes línguas, crenças, tradições e os direitos sobre as terras que ocupam.
- O jogo vai começar Eduardo. Depois a gente termina a conversa. 
- Acabou. Quem perdeu, perdeu; quem ganhou, ganhou. Voltemos para a varanda, para o teu uísque e para a nossa conversa.
- Tudo bem Eduardo, porém não precisa estampar esse enorme sorriso só porque o Atlético venceu. Na próxima partida a vitória será do Coritiba. Aguarde.
- A propósito, você que é coritibano roxo, apesar da camisa alviverde, pode me explicar por que o teu clube chama-se Coritiba quando o nome da cidade é Curitiba?
- Na Escola de Aplicação, ainda criança, aprendi que o nome da cidade, na língua nativa, significa “muitos pinheiros” e se escrevia Curityba e Corityba. O governador Affonso Alves de Camargo, fiel à língua de origem, consolidou a grafia Curitiba por decreto de 1919. Desligado da Província de São Paulo em 1853, o Paraná se tornou província autônoma. Com a proclamação da república em 1889, a Província do Paraná se tornou Estado federado. Ao tempo da fundação do clube, em 1909, o povo se conservava provinciano. Curitiba era a capital. Ares soberbos, salamaleques, empáfia e preconceito. Habitavam-na cerca de 50 mil pessoas. Hoje, tem 1 milhão e 870 mil habitantes. Entre a abolição oficial da escravatura e a fundação do clube eram decorridos 20 anos. Os fundadores e diretores do clube não admitiam negros no quadro social e no elenco, daí o apelido de coxa branca. Além disto, entenderam que colocar o CU na frente, destoava da moral e dos bons costumes. Optaram por CO. Daí o nome: Coritiba Foot Ball Club.

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