quinta-feira, 4 de junho de 2015

DIÁLOGO II.



- Deixemos de lado as provincianas questões sobre o frontal e o retal e retomemos a nossa discussão. Acho que respondi ao teu questionamento sobre a maturidade das nações.
- Sim, Eduardo, embora me pareça inadequada a terminologia usada por você. Mas, deixe pra lá. Você ainda me deve a explicação sobre a nação brasileira não estar madura para a democracia. Você fala como se a nação estivesse madura para outras coisas como, por exemplo, os desafios econômicos e ecológicos. Você falou também no controle da sociedade civil pelo Estado, como se Estado e Sociedade fossem coisas diferentes.
- Há divergências acadêmicas: de um lado os que defendem a unidade: Estado = Sociedade; e de outro, os que defendem a distinção: Estado # Sociedade. Ferdinand Tönnies, o sociólogo alemão que citei antes do jogo, distingue comunidade e sociedade. A nação se encaixa na primeira, onde os membros estão vinculados mutuamente de maneira organizada e por vontade própria, enquanto na segunda, os membros estão divididos. Na comunidade há bens cuja posse e gozo são comuns; na sociedade há mercado, troca de dinheiro (e de balas, acrescento). Penso que a divisão no Estado é evidente: de um lado, os governantes com o monopólio da força, como diria o sociólogo alemão Max Weber, e de outro, os governados com o dever de submissão. Pairando sobre esses dois pólos há um sentimento coletivo de unidade nacional. Segundo a visão de mundo de cada pensador, o Estado é definido ora como organização do poder político na sociedade; ora como nação politicamente organizada; ora como aparelho de dominação de uma classe sobre outra na sociedade; e assim por diante. Quanto à imaturidade da nação brasileira para a democracia, os números falam por si. Dos 193 anos como nação independente, 113 anos foram de autocracia e 80 de democracia. O período democrático mais longo foi o de 1895 a 1930, interrompido pela revolução civil; o mais curto foi o de 1946 a 1963, interrompido pelo golpe civil/militar de 1964. No período de 1988 a 2015, a direita tenta golpear. Quanto ao preparo ou despreparo da nação brasileira para enfrentar outros desafios é assunto mais amplo e complexo para ser resumido numa conversa informal.    
- Pois então, vamos nos ocupar um pouquinho mais do aspecto político. Noto que durante a república os períodos democráticos foram mais longos do que os autocráticos, a indicar que a falta de maturidade não é da nação e sim de parcela do povo que derruba governos legítimos.
- Márcio, meu estimado hóspede e amigo, a parcela do povo que você menciona não é sempre a mesma; ora é verde, ora é azul, ora é vermelha, se me permite ilustrar o pensamento com essas cores. Considerado como um só corpo social, o povo nunca tomou a iniciativa das revoluções brasileiras. Eclodida a revolução, a comunidade nacional fica dividida em revolucionários, contra-revolucionários e espectadores neutros. A monarquia caiu por um golpe desferido pelos militares em 1889, para espanto das pessoas comuns. A ruptura da primeira república em 1930 resultou do confronto entre lideranças políticas. Os vícios no processo eleitoral foram o agente catalisador. A segunda república, constituída em 1946, foi golpeada em 1964 por lideranças civis e militares posicionadas ao lado dos EUA na guerra fria em defesa do sistema econômico capitalista. A ameaça comunista foi o agente catalisador. A terceira república, constituída em 1988, está ameaçada pela relação de ódio e intolerância entre lideranças políticas opostas. Destarte, consideradas as facções, verifica-se que a imaturidade é da nação, “sim senhor”.
- Pensando bem, Eduardo, você tem razão. Veja: se o povo fosse maduro, o voto seria um direito e não uma obrigação. Só a imaturidade e a falta de consciência política do povo justificam essa obrigatoriedade. O legislador constatou que seria mínimo o comparecimento às urnas se o voto fosse facultativo. Por outro lado, a virulenta reação dos vencidos no pleito eleitoral, o ódio ao vencedor, o ímpeto de destruí-lo, o boicote ao governo por mero despeito, indicam indigência moral e espiritual e ausência de espírito democrático.
- De fato, Márcio, além da pouca idade e da prática eleitoral desvirtuada, há outros ingredientes na falta de maturidade da nação brasileira, tais como: (1) educação deficiente e negligenciada; (2) licenciosidade dos costumes; (3) corrupção, esperteza malandra, mentalidade do jeitinho, a propina ao guarda ou ao fiscal para evitar a multa, as pequenas e freqüentes estocadas na lei; (4) caráter gelatinoso, amoralidade que inspirou Mário de Andrade a criar Macunaíma; (5) consciência política frágil, tradição oligárquica, domínio privado do bem público, nepotismo; (6) condescendência com as safadezas dos poderosos, comodismo; (7) mentalidade colonizada, imprensa a serviço do estrangeiro. Esses fatores mostram a imaturidade do povo brasileiro e justificam a frase cunhada por Charles de Gaulle: “O Brasil não é um país sério”.
- Poxa, Eduardo, os dedos das mãos foram poucos para você flexionar durante a enumeração dos ingredientes! Pelo que acaba de dizer, faltam atributos culturais, éticos e espirituais que qualificariam de madura a nação brasileira. Quando, no século XX, Pelé afirmou que “brasileiro não sabe votar”, caíram de pau em cima dele. No entanto, ele disse de forma sintética o que você disse agora de forma analítica. O eleitor brasileiro sabe ir à urna depositar o voto, mas não sabe escolher bons representantes. Há eleitor que troca o voto por dinheiro, por tênis, por quinquilharias e promessas de emprego. Os candidatos postos pelos partidos são, na maioria, desonestos, monturo da sociedade. O Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras municipais estão repletos de pilantras que lá chegaram graças ao voto popular. A recente crônica policial do nosso país evidenciou essa triste e vergonhosa realidade.
- Realmente, Márcio, os partidos políticos são usinas de corrupção. O sistema eleitoral proporcional para escolha de deputados e vereadores pode ser interessante do ponto de vista acadêmico e ideológico, mas a sua aplicação entre nós tem sido uma desgraça! Na mesma eleição, candidato com 500 votos é eleito e candidato com 50 mil votos não é eleito! Suplente de senador, sem voto algum, assume o mandato! Como essas e outras distorções foram inseridas na ordem jurídica?
- Artifício do legislador, Eduardo, sob pretexto de garantir representação à minoria, como se a democracia não fosse o governo da maioria. O artificioso sistema eleitoral referido por você dá muita força às quadrilhas de bandidos e oportunistas acoitados nos partidos políticos. O voto devia ser majoritário também para eleição de deputados e vereadores, pois o eleitor brasileiro vota em pessoas naturais e não em partidos. Assim como o país tem senadores da direita, do centro e da esquerda do espectro político eleitos pelo voto majoritário, teríamos também deputados e vereadores da direita, do centro e da esquerda eleitos pelo voto majoritário. Quem exerce o mandato político é a pessoa natural e não a pessoa jurídica. A candidatura avulsa faz-se necessária a uma nação onde pessoas de bem que pretendam representar o povo são obrigadas a ingressar nessas pocilgas que são os partidos políticos. 
- As tuas palavras Márcio, evocam a imensa roubalheira nestes 27 anos de governo civil. Apesar disto, a república brasileira controlou a inflação, pagou a dívida com o FMI, ajudou outras nações e ainda se mantém solvente. Este é o verdadeiro milagre brasileiro! A honra, valor acalentado pelo militar, é considerada coisa de otário pelo político brasileiro e coisa de pouca valia pelo eleitor. A política partidária é muito suja em nosso país. Toda essa podridão moral e espiritual evidencia a imaturidade da qual falei. 
- Sei não, Eduardo. A podridão moral me parece mais acentuada nas camadas média e alta da sociedade. Isto vem atestado pelos escândalos financeiros e pelo baixo nível das manifestações nas ruas, nas redes sociais, nas emissoras de TV. Quanto ao aspecto espiritual, prefiro falar de atraso e não de podridão. Espiritualmente, a humanidade está na Idade da Pedra. 
- Rapaziada! O jantar está servido.
- “Rapaziada”? Dois velhos como nós? A Leonora está de brincadeira!
- Ainda não somos velhos, Eduardo. O nosso caminhar está um pouco lento, sentimos dores nas juntas, enxergamos e ouvimos com alguma dificuldade, a voz enfraqueceu, a gula aumentou, o apetite sexual e a paciência diminuíram, a farmácia é nossa parceira, repetimos contos, às vezes há um hiato entre o pensamento e a palavra, mas, apesar disto, ainda não chegamos à casa dos 90 anos de idade. Portanto, somos apenas homens maduros.
- A valer essa tua otimista expectativa, meu prezado e maduro amigo, ainda dispomos de algum tempo antes de nos desprendermos da árvore da vida. Então, vamos alimentar a carcaça, pois conforme o ditado popular, saco vazio não para em pé.

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