sábado, 30 de junho de 2012

SAGRADO


Sagrado significa algo que os humanos consideram santo, puro, venerável, intocável ou inviolável. O vocábulo tem sido aplicado a: (1) deuses, cultos, ritos, imagens; (2) idéias, princípios, números, palavras, ensinamentos, mandamentos, relações; (3) mestres, profetas, sacerdotes, monges; (4) animais, como o escaravelho e a vaca; (5) cidades, como Jerusalém e Meca; (6) objetos, como cálice, espada, livro, totem, cristais; (7) relíquias cristãs da crucifixão, tais como: fragmentos da cruz, cravo, espinho, sudário; (8) formas e lugares naturais como astros, árvores, pedras, montanhas, grutas, lagos.  

Sagrado é rótulo que os humanos colam em todas essas coisas. Exemplos: (1) Vida sagrada, rótulo de um tipo de existência implicado nas relações humanas com o mundo físico e espiritual. (2) Templo sagrado, rótulo da construção material e ideal dedicada a cultos e rituais religiosos e místicos. (3) Bíblia sagrada, rótulo de uma coleção de 73 livros distribuída em duas partes: a primeira, produzida pelos judeus (antigo testamento) e a segunda, produzida pelos cristãos (novo testamento). (4) Sagrada família, rótulo reducionista e estereotipado que o sacerdócio católico colou na família de José e Maria, sem mencionar os irmãos e as irmãs de Jesus. (5) Sagrado coração, rótulo católico ao sentimento de amor que havia em Jesus. (6) Hora sagrada, rótulo do momento do dia dedicado à prece e à meditação. (7) Palavra sagrada ou “palavra de Deus”, rótulo das mensagens contidas na bíblia. (8) Número sagrado, rótulo dos números com significado simbólico: 1 = unidade fundamental do universo: Deus; 2 = dualidade: ângulo, esquadro, pólos positivo e negativo, matéria e espírito; 3 = perfeição: tríade, trindade, triângulo; 4 = estabilidade: quadrado, ar + água + fogo + terra; 7 = duração: dias da criação do mundo, ciclos da vida humana, velas do candelabro; 10 = mandamentos, soma dos números perfeitos: 1 + 2 + 3 + 4; 12 = divisão: casas do zodíaco, meses do ano, tribos de Israel, colégio apostólico original; 40 = infinito: possibilidades múltiplas.

Lideranças espirituais da humanidade cobrem entes físicos e metafísicos com o manto da santidade, da inviolabilidade, da pureza; desse modo, criam a esfera do sagrado, repositório de temores, interesses, consolos e esperanças. O homem é a medida de todas as coisas afirmava Protágoras, filósofo grego. Como há diferentes visões de mundo, cada indivíduo ou grupo humano mede e valora as coisas segundo a sua própria visão e sagra o que lhe parece digno de cuidado especial. Conseqüência: o sagrado de um grupo pode ser o profano de outro. Deus não é sagrado nem profano; existe indiferente aos atributos com os quais os humanos o qualificam. Os ateus não acreditam na sua existência. Os cientistas dele prescindem quando estudam e explicam a origem, a estrutura e o funcionamento do universo. Coisas sagradas para membros de uma religião não têm valor para membros de outra religião. Templos sagrados de um povo são demolidos por outro. Conquistadores europeus pisoteiam o solo sagrado (cemitério) dos indígenas americanos. População assiste com reverencial respeito vacas sagradas transitarem e defecarem nas ruas das cidades indianas, enquanto os gaúchos fazem churrasco da carne bovina.

Infantilidades, fantasias, falsidades e contradições contidas nas escrituras rotuladas de sagradas são vistas como “verdades sagradas” por seus adeptos. A cegueira dos crentes convém aos mercadores da fé. Numinoso, o sagrado viceja no terreno da ignorância, imaginação, fragilidade, temor e esperança, genetrizes da crença religiosa. O ser humano recorre à ilusão para atenuar vicissitudes da sua fugaz existência neste planeta. Busca um sentido. Aspira eternidade. Disto se aproveitam os estelionatários da fé.

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