No âmbito religioso e místico, verdade é conceito sagrado. Nesse
âmbito, a idéia verdade é vista como
algo existente por si mesmo, substancial, que pode ser buscado em certo
endereço no mundo material e no mundo espiritual. Entendida desse modo, a
verdade é miragem produzida pela imaginação. A verdade pressupõe relação
cognitiva entre o sujeito e o objeto; correspondência entre o pensamento e a
coisa pensada; representação exata do objeto na mente do sujeito; sintonia com
a realidade apreendida pelos sentidos físicos e pela intuição e ordenada pela
razão. O objeto de conhecimento pode ser o próprio sujeito, o outro, a
natureza, a sociedade, o mundo espiritual, Deus. Cada indivíduo percebe a
realidade material e espiritual de acordo com seu aparelho sensorial e a
interpreta com sua faculdade mental. A representação pode ser boa ou má,
conforme a eficiência ou deficiência desse aparelho e a maior ou menor lucidez
da mente. A capacidade de apreender a realidade varia de pessoa a pessoa. O
conhecimento apreendido se amplia no tempo e varia no espaço: ontem, verdade, hoje
erro; verdade no oriente, erro no ocidente; verdade para o socialista, falsidade
para o capitalista e vice versa. Daí, o caráter problemático da verdade e a
busca de consenso.
A fim de impressionar e orientar
apóstolos e seguidores, Jesus havia dito com laivo pretensioso: eu sou o caminho, a verdade e a vida;
ninguém vem ao Pai senão por mim. Posteriormente, no pretório, interrogado se
era rei, Jesus respondeu que sim, mas que seu reino não era deste mundo e
acrescentou: é para dar testemunho da
verdade que nasci e vim ao mundo; tudo o que é da verdade ouve a minha voz.
(Bíblia, Novo Testamento, João, 14: 6 + 18: 37/38).
Pôncio Pilatos replicou ironicamente: que é a verdade? Sem esperar resposta,
pois formulara a pergunta apenas por ceticismo e finalidade retórica, deu as
costas a Jesus e se dirigiu ao público. A ironia do general romano tinha base
lógica: não há verdade isolada a ser buscada aqui ou ali, no céu ou na terra. A
verdade é problema humano relativo a um objeto de conhecimento material ou
imaterial. Do ponto de vista ontológico, todo objeto é autêntico – é o que é – independe
do que dele pensa o sujeito. O objeto pode ser de difícil compreensão; cunhado verdadeiro
ou falso segundo o grau de lucidez, a perspectiva, o propósito e a tábua de
valores do sujeito. Um anel de vidro não deixa de ser de vidro porque o sujeito
diz que é de diamante. O cientista explica os fenômenos da natureza. O técnico
e o empreendedor aplicam o conhecimento científico com propósito econômico e
geram progresso material. Por ser metafísica a realidade do objeto espiritual,
o acesso se faz pela via intuitiva e não pela via racional (pelo coração e não pela
razão, como disse Pascal). A verdade intuitiva é singular. Há convicção pessoal
que terceiros podem rejeitar como certeza universal. Há opinião, imaginação e
fé. O sonho preenche o vácuo. Nas escrituras sagradas dos judeus e cristãos há especulação religiosa e
espertezas clericais que visam a explorar e dominar as massas. Na vida dos
humanos, o sonho embevece, mas facilita a fraude.
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