terça-feira, 3 de julho de 2012

VERDADE SAGRADA


No âmbito religioso e místico, verdade é conceito sagrado. Nesse âmbito, a idéia verdade é vista como algo existente por si mesmo, substancial, que pode ser buscado em certo endereço no mundo material e no mundo espiritual. Entendida desse modo, a verdade é miragem produzida pela imaginação. A verdade pressupõe relação cognitiva entre o sujeito e o objeto; correspondência entre o pensamento e a coisa pensada; representação exata do objeto na mente do sujeito; sintonia com a realidade apreendida pelos sentidos físicos e pela intuição e ordenada pela razão. O objeto de conhecimento pode ser o próprio sujeito, o outro, a natureza, a sociedade, o mundo espiritual, Deus. Cada indivíduo percebe a realidade material e espiritual de acordo com seu aparelho sensorial e a interpreta com sua faculdade mental. A representação pode ser boa ou má, conforme a eficiência ou deficiência desse aparelho e a maior ou menor lucidez da mente. A capacidade de apreender a realidade varia de pessoa a pessoa. O conhecimento apreendido se amplia no tempo e varia no espaço: ontem, verdade, hoje erro; verdade no oriente, erro no ocidente; verdade para o socialista, falsidade para o capitalista e vice versa. Daí, o caráter problemático da verdade e a busca de consenso.

A fim de impressionar e orientar apóstolos e seguidores, Jesus havia dito com laivo pretensioso: eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. Posteriormente, no pretório, interrogado se era rei, Jesus respondeu que sim, mas que seu reino não era deste mundo e acrescentou: é para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo; tudo o que é da verdade ouve a minha voz. (Bíblia, Novo Testamento, João, 14: 6 + 18: 37/38).

Pôncio Pilatos replicou ironicamente: que é a verdade? Sem esperar resposta, pois formulara a pergunta apenas por ceticismo e finalidade retórica, deu as costas a Jesus e se dirigiu ao público. A ironia do general romano tinha base lógica: não há verdade isolada a ser buscada aqui ou ali, no céu ou na terra. A verdade é problema humano relativo a um objeto de conhecimento material ou imaterial. Do ponto de vista ontológico, todo objeto é autêntico – é o que é – independe do que dele pensa o sujeito. O objeto pode ser de difícil compreensão; cunhado verdadeiro ou falso segundo o grau de lucidez, a perspectiva, o propósito e a tábua de valores do sujeito. Um anel de vidro não deixa de ser de vidro porque o sujeito diz que é de diamante. O cientista explica os fenômenos da natureza. O técnico e o empreendedor aplicam o conhecimento científico com propósito econômico e geram progresso material. Por ser metafísica a realidade do objeto espiritual, o acesso se faz pela via intuitiva e não pela via racional (pelo coração e não pela razão, como disse Pascal). A verdade intuitiva é singular. Há convicção pessoal que terceiros podem rejeitar como certeza universal. Há opinião, imaginação e fé. O sonho preenche o vácuo. Nas escrituras sagradas dos judeus e cristãos há especulação religiosa e espertezas clericais que visam a explorar e dominar as massas. Na vida dos humanos, o sonho embevece, mas facilita a fraude.

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