sábado, 9 de junho de 2012

PALADINOS DA ÉTICA


A ética e o direito podem ser defendidos com recato e firmeza, sem alarde. Quando o agente público freqüenta os meios de comunicação social como paladino da lei e da moral, convém ao povo colocar as barbas de molho. Delegados de polícia, membros do ministério público, legisladores, chefes de governo, ministros, juízes, quando se postam como paladinos e se envaidecem com as loas que os incensam, provavelmente ocultam outra face pouco lisonjeira. Firmes na imagem de herói dos bons costumes, eles sentem-se autorizados a contornar a lei. Acreditam-se novos Midas. Soberbos, carimbam de lícitas as suas ações e omissões, inclusive aquelas que o ingênuo infante percebe como crimes previstos na lei penal. Descerrada a cortina, colocados ao nível das pessoas comuns, ficam aturdidos ante a outrora inimaginável probabilidade de também eles sofrerem as penas da lei. A igualdade perante a lei, em condições adversas, se lhes afigura preceito injusto. Tais pessoas consideram-se merecedoras de tratamento especial e de absolvição compensadora de efetivos ou imaginários serviços prestados à sociedade e ao Estado.     

Ao depor no conselho de ética do Senado Federal (29/05/2012), o senador Demóstenes Torres, membro do ministério público estadual goiano, acusado de participar do esquema de corrupção apelidado “Cachoeira”, equivocou-se ao afirmar que o processo político é espécie do processo administrativo. Inverteu gênero e espécie. O processo político é a dinâmica do Estado. Os fins desse processo estão umbilicalmente ligados aos fins do Estado. As regras desse processo estão contidas na Constituição, nas leis e nos costumes. As autoridades que o presidem são do Estado, dispõem do poder discricionário na extensão que o direito autoriza e nem sempre são punidas pelos abusos que praticam. Há três tipos básicos de processo político: parlamentar, administrativo e judicial. Esses tipos seguem as regras estabelecidas na ordem jurídica (garantia do devido processo legal); admitem as garantias do contraditório (ação versus exceção), da ampla defesa e do juiz natural. A diferença está nas causas que os instauram e na decisão que os encerra. A decisão final no processo parlamentar é política, sem laços necessários com a lógica jurídica, pois inclui circunstâncias que transcendem o âmbito da lei. No processo administrativo a decisão é legal, vinculada aos estritos termos da lei. No processo judicial a decisão é jurídica, segundo o direito interpretado pelos juízes.

O processo parlamentar compreende as vertentes: (1) legislativa, no que se refere à produção de emendas à Constituição, de leis, decretos legislativos e resoluções; (2) fiscal e de controle, no que concerne aos atos e contas da administração pública; (3) investigativa, quanto a fato de relevante interesse público; (4) disciplinadora, quanto à conduta de senadores e deputados. Cabe à comissão parlamentar de inquérito, órgão interno do Poder Legislativo com função temporária e investigativa, apurar fato determinado, como no caso Cachoeira. A comissão dispõe de plenos poderes de investigação. No final dos trabalhos, elabora relatório com propostas e indicações. Encaminha-o à Mesa (órgão diretor), ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União e ao Executivo, conforme o caso, para as providências cabíveis. Se na apuração do fato ficar constatado envolvimento de algum parlamentar, a comissão poderá sugerir à Mesa instauração de processo disciplinar, cujos trâmites acontecem no conselho de ética da Casa (Senado ou Câmara dos Deputados). Partido político também pode requerer a atuação desse conselho, como aconteceu no caso do senador Demóstenes Torres, denunciado por conduta incompatível com o decoro. Instaurado o processo disciplinar, completada a instrução após ampla defesa do acusado, o conselho decidirá pelo arquivamento ou pelo julgamento. Se for a julgamento, o parlamentar só perderá o mandato se assim decidir, em sessão plenária, a maioria absoluta dos membros da Casa. Decisão política e soberana, livre das algemas jurídicas quanto ao mérito. O Judiciário só poderá anular tal decisão se a Casa a proferir sem respeitar a garantia do devido processo legal.

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