A ética e o direito podem ser
defendidos com recato e firmeza, sem alarde. Quando o agente público freqüenta
os meios de comunicação social como paladino da lei e da moral, convém ao povo
colocar as barbas de molho. Delegados de polícia, membros do ministério
público, legisladores, chefes de governo, ministros, juízes, quando se postam
como paladinos e se envaidecem com as loas que os incensam, provavelmente
ocultam outra face pouco lisonjeira. Firmes na imagem de herói dos bons
costumes, eles sentem-se autorizados a contornar a lei. Acreditam-se novos
Midas. Soberbos, carimbam de lícitas as suas ações e omissões, inclusive
aquelas que o ingênuo infante percebe como crimes previstos na lei penal.
Descerrada a cortina, colocados ao nível das pessoas comuns, ficam aturdidos
ante a outrora inimaginável probabilidade de também eles sofrerem as penas da
lei. A igualdade perante a lei, em condições adversas, se lhes afigura preceito
injusto. Tais pessoas consideram-se merecedoras de tratamento especial e de
absolvição compensadora de efetivos ou imaginários serviços prestados à
sociedade e ao Estado.
Ao depor no conselho de ética do
Senado Federal (29/05/2012), o senador Demóstenes Torres, membro do ministério
público estadual goiano, acusado de participar do esquema de corrupção
apelidado “Cachoeira”, equivocou-se ao afirmar que o processo político é
espécie do processo administrativo. Inverteu gênero e espécie. O processo
político é a dinâmica do Estado. Os fins desse processo estão umbilicalmente
ligados aos fins do Estado. As regras desse processo estão contidas na
Constituição, nas leis e nos costumes. As autoridades que o presidem são do
Estado, dispõem do poder discricionário na extensão que o direito autoriza e
nem sempre são punidas pelos abusos que praticam. Há três tipos básicos de
processo político: parlamentar, administrativo e judicial. Esses tipos seguem
as regras estabelecidas na ordem jurídica (garantia do devido processo legal);
admitem as garantias do contraditório (ação versus
exceção), da ampla defesa e do juiz natural. A diferença está nas causas que os
instauram e na decisão que os encerra. A decisão final no processo parlamentar é política, sem laços necessários com
a lógica jurídica, pois inclui circunstâncias que transcendem o âmbito da lei.
No processo administrativo a decisão
é legal, vinculada aos estritos termos da lei. No processo judicial a decisão é jurídica, segundo o direito
interpretado pelos juízes.
O processo parlamentar compreende as vertentes: (1) legislativa, no que se refere à produção
de emendas à Constituição, de leis, decretos legislativos e resoluções; (2) fiscal e de controle, no que concerne
aos atos e contas da administração pública; (3) investigativa, quanto a fato de relevante interesse público; (4) disciplinadora, quanto à conduta de
senadores e deputados. Cabe à comissão parlamentar de inquérito, órgão interno
do Poder Legislativo com função temporária e investigativa, apurar fato
determinado, como no caso Cachoeira. A comissão dispõe de plenos poderes de
investigação. No final dos trabalhos, elabora relatório com propostas e
indicações. Encaminha-o à Mesa (órgão diretor), ao Ministério Público, à
Advocacia-Geral da União e ao Executivo, conforme o caso, para as providências
cabíveis. Se na apuração do fato ficar constatado envolvimento de algum
parlamentar, a comissão poderá sugerir à Mesa instauração de processo
disciplinar, cujos trâmites acontecem no conselho de ética da Casa (Senado ou
Câmara dos Deputados). Partido político também pode requerer a atuação desse
conselho, como aconteceu no caso do senador Demóstenes Torres, denunciado por
conduta incompatível com o decoro. Instaurado o processo disciplinar,
completada a instrução após ampla defesa do acusado, o conselho decidirá pelo
arquivamento ou pelo julgamento. Se for a julgamento, o parlamentar só perderá
o mandato se assim decidir, em sessão plenária, a maioria absoluta dos membros
da Casa. Decisão política e soberana, livre das algemas jurídicas quanto ao
mérito. O Judiciário só poderá anular tal decisão se a Casa a proferir sem
respeitar a garantia do devido processo legal.
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