quarta-feira, 2 de maio de 2012

FUTEBOL


Repercutiu muito no mundo do futebol o exemplo de responsabilidade que a gandula (Fernanda Maia) mostrou no jogo do Botafogo contra o Vasco, na domingueira partida semifinal do campeonato estadual (29/04/2012). Em sintonia com a finalidade do seu trabalho de devolver a bola ao jogo dentro do menor tempo possível, sem discriminar equipe alguma, apesar de nutrir simpatia pelo Botafogo, a jovem e bonita professora de educação física lançou a bola reserva ao jogador e foi logo buscar a outra mais distante, exibindo bom preparo físico, dedicação e competência. Enquanto isto, o jogador cobrou o arremesso lateral com eficiência. O receptor, por sua vez, deu um passe açucarado ao companheiro na pequena área. A finalização foi um sucesso.  

A palavra gandula – que pode ser usada no masculino (gandulo) – comporta diferentes significados. Entre os mais primitivos constam: gabiru (sujeito velhaco, finório); garoto (criança ou adolescente do sexo masculino); parasito (sujeito que vive do alheio); pedinchão (quer para si tudo o que vê); tratante (trampolineiro ou embusteiro); vadio (vive ocioso embora saudável para o trabalho). Alguns desses significados aplicam-se a indivíduos do governo: gandulos da administração pública. Acepções recentes estão ligadas ao esporte: (i) garoto que busca a bola do jogo fora das linhas do campo de futebol e a devolve aos jogadores; (ii) pessoa adolescente ou adulta do sexo masculino ou feminino que trabalha à margem do campo ou da quadra de esportes coletivos na busca da bola para imediata devolução às equipes em confronto.      

A evolução do vocábulo acompanhou a evolução dos costumes. Outrora, nos primórdios da história do esporte bretão no Brasil, adultos, jovens e crianças assistiam às partidas ao rés do chão. Raras e precárias arquibancadas de madeira eram construídas em campo fechado. Quando a bola ultrapassava as linhas do campo e não era apanhada e devolvida pelos assistentes, os jogadores, por comodidade, pediam aos garotos que a buscassem. O trabalho era executado ora de boa vontade, ora por submissão à atitude mandona do jogador e rendia, eventualmente, moeda fracionária ao buscador, por benevolência da equipe vencedora. Esse costume permaneceu após a prática do esporte se tornar profissão nos anos 30, do século XX. Garotos, com suas próprias roupas (às vezes descalços) faziam esse trabalho quando os jogadores não se dispunham a fazê-lo pessoal e diretamente. Não havia contrato, nem salário. Os garotos prestavam o serviço pelo prazer de participar a latere do jogo, embora sem afastar a expectativa de gorjeta. A busca da bola diretamente pelo jogador, fora das linhas do campo, era rápida ou lenta, conforme o placar estivesse desfavorável ou favorável à sua equipe. Assim também o garoto dosava a velocidade e favorecia a equipe da sua simpatia ou a que o gratificasse.

No futebol profissional, a função de pegador de bola fora dos limites do campo por quem não é jogador de qualquer das equipes em confronto passou de voluntária a obrigatória, de gratuita a remunerada. Os gandulas passaram a trabalhar com uniformes. O objetivo da atuação dos gandulas não mais se restringe à comodidade do jogador, nem ao específico interesse do clube; inclui a dinâmica do jogo, o interesse no menor tempo para a reposição da bola em benefício do espetáculo e em atenção ao público. Inicialmente e por longo tempo, árbitros e gandulas eram exclusivamente do sexo masculino, heterossexuais e homossexuais. Posteriormente, as mulheres passaram a exercer as funções de árbitro, de auxiliar da arbitragem e de gandula. Atualmente, a função é disciplinada por entidades responsáveis pelo esporte no país. A preferência recai sobre homens e mulheres formados em educação física. A experiência mostra que os homens tendem a favorecer o time da sua simpatia, o time da casa, ou o time que lhes dá propina. As mulheres mostram, até o momento, conviver melhor com a neutralidade.  

Apesar do progresso, permanece o antigo vício de favorecer uma equipe, como se viu do recente episódio em Porto Alegre envolvendo treinador e gandula (29/04/2012). Jogador e gandula têm atribuições distintas. Tarefa do gandula é buscar a bola que está fora do campo e lançá-la, sem perda de tempo, com as mãos, para o time ao qual cabe o arremesso lateral, a cobrança da falta, do escanteio ou do pênalti. Se nenhum jogador se apresentar, o gandula deve lançá-la, imediatamente, com as mãos, para dentro das linhas do campo em direção ao local apontado pelo árbitro. Ajeitar a bola no gramado faz parte do jogo. Cuida-se do ponto de inércia do qual parte o chute. Essa tarefa cabe ao jogador e não ao gandula. A presença de gandula não obsta o jogador de buscar a bola diretamente por iniciativa própria. O jogador pode executar a tarefa do gandula, mas o gandula não pode executar a tarefa do jogador. Nada impede que a devolução da bola seja feita ocasional e fortuitamente pela torcida e por pessoas que se encontrem nas margens do campo, como os treinadores e jogadores reservas.   

Mesmo com os vícios individuais de alguns jogadores e gandulas, essa linha evolutiva melhorou o futebol como espetáculo. Mais uma vez, o Brasil, de modo racional e criativo, se põe na vanguarda deste esporte. A escolha e a disciplina dos gandulas devem ser compartilhadas entre federações estaduais e confederação nacional.

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