Repercutiu muito no mundo do
futebol o exemplo de responsabilidade que a gandula (Fernanda Maia) mostrou no
jogo do Botafogo contra o Vasco, na domingueira partida semifinal do campeonato
estadual (29/04/2012). Em sintonia com a finalidade do seu trabalho de devolver
a bola ao jogo dentro do menor tempo possível, sem discriminar equipe alguma,
apesar de nutrir simpatia pelo Botafogo, a jovem e bonita professora de
educação física lançou a bola reserva ao jogador e foi logo buscar a outra mais
distante, exibindo bom preparo físico, dedicação e competência. Enquanto isto,
o jogador cobrou o arremesso lateral com eficiência. O receptor, por sua vez,
deu um passe açucarado ao companheiro na pequena área. A finalização foi um
sucesso.
A palavra gandula – que pode ser usada no masculino (gandulo) – comporta diferentes
significados. Entre os mais primitivos constam: gabiru (sujeito velhaco,
finório); garoto (criança ou adolescente do sexo masculino); parasito (sujeito
que vive do alheio); pedinchão (quer para si tudo o que vê); tratante
(trampolineiro ou embusteiro); vadio (vive ocioso embora saudável para o
trabalho). Alguns desses significados aplicam-se a indivíduos do governo:
gandulos da administração pública. Acepções recentes estão ligadas ao esporte: (i)
garoto que busca a bola do jogo fora das linhas do campo de futebol e a devolve
aos jogadores; (ii) pessoa adolescente ou adulta do sexo masculino ou feminino
que trabalha à margem do campo ou da quadra de esportes coletivos na busca da
bola para imediata devolução às equipes em confronto.
A evolução do vocábulo acompanhou
a evolução dos costumes. Outrora, nos primórdios da história do esporte bretão
no Brasil, adultos, jovens e crianças assistiam às partidas ao rés do chão.
Raras e precárias arquibancadas de madeira eram construídas em campo fechado. Quando
a bola ultrapassava as linhas do campo e não era apanhada e devolvida pelos
assistentes, os jogadores, por comodidade, pediam aos garotos que a buscassem.
O trabalho era executado ora de boa vontade, ora por submissão à atitude
mandona do jogador e rendia, eventualmente, moeda fracionária ao buscador, por
benevolência da equipe vencedora. Esse costume permaneceu após a prática do
esporte se tornar profissão nos anos 30, do século XX. Garotos, com suas
próprias roupas (às vezes descalços) faziam esse trabalho quando os jogadores
não se dispunham a fazê-lo pessoal e diretamente. Não havia contrato, nem
salário. Os garotos prestavam o serviço pelo prazer de participar a latere do jogo, embora sem afastar a
expectativa de gorjeta. A busca da bola diretamente pelo jogador, fora das
linhas do campo, era rápida ou lenta, conforme o placar estivesse desfavorável
ou favorável à sua equipe. Assim também o garoto dosava a velocidade e
favorecia a equipe da sua simpatia ou a que o gratificasse.
No futebol profissional, a função
de pegador de bola fora dos limites do campo por quem não é jogador de qualquer
das equipes em confronto passou de voluntária a obrigatória, de gratuita a
remunerada. Os gandulas passaram a trabalhar com uniformes. O objetivo da
atuação dos gandulas não mais se restringe à comodidade do jogador, nem ao
específico interesse do clube; inclui a dinâmica do jogo, o interesse no menor
tempo para a reposição da bola em benefício do espetáculo e em atenção ao
público. Inicialmente e por longo tempo, árbitros e gandulas eram
exclusivamente do sexo masculino, heterossexuais e homossexuais.
Posteriormente, as mulheres passaram a exercer as funções de árbitro, de
auxiliar da arbitragem e de gandula. Atualmente, a função é disciplinada por
entidades responsáveis pelo esporte no país. A preferência recai sobre homens e
mulheres formados em educação física. A experiência mostra que os homens tendem
a favorecer o time da sua simpatia, o time da casa, ou o time que lhes dá
propina. As mulheres mostram, até o momento, conviver melhor com a
neutralidade.
Apesar do progresso, permanece o
antigo vício de favorecer uma equipe, como se viu do recente episódio em Porto Alegre
envolvendo treinador e gandula (29/04/2012). Jogador e gandula têm atribuições
distintas. Tarefa do gandula é buscar a bola que está fora do campo e lançá-la,
sem perda de tempo, com as mãos, para o time ao qual cabe o arremesso lateral,
a cobrança da falta, do escanteio ou do pênalti. Se nenhum jogador se
apresentar, o gandula deve lançá-la, imediatamente, com as mãos, para dentro
das linhas do campo em direção ao local apontado pelo árbitro. Ajeitar a bola
no gramado faz parte do jogo. Cuida-se do ponto de inércia do qual parte o chute.
Essa tarefa cabe ao jogador e não ao gandula. A presença de gandula não obsta o
jogador de buscar a bola diretamente por iniciativa própria. O jogador pode
executar a tarefa do gandula, mas o gandula não pode executar a tarefa do
jogador. Nada impede que a devolução da bola seja feita ocasional e
fortuitamente pela torcida e por pessoas que se encontrem nas margens do campo,
como os treinadores e jogadores reservas.
Mesmo com os vícios individuais de alguns jogadores e
gandulas, essa linha evolutiva melhorou o futebol como espetáculo. Mais uma
vez, o Brasil, de modo racional e criativo, se põe na vanguarda deste esporte.
A escolha e a disciplina dos gandulas devem ser compartilhadas entre federações
estaduais e confederação nacional.
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