Autoridades abusam mesmo dispondo
de amplo poder no Estado. Compulsão para situar-se acima das leis. Inclinação
para se mostrar superior aos demais cidadãos. A experiência mostra a proporção
direta: quanto mais alto o escalão, maior o abuso e mais extensos os seus
efeitos. No supremo tribunal campeia o arbítrio, pois não há órgão superior que
o controle. Prevalece a vontade do juiz e não a vontade da lei ou do
legislador. Charles Evans Hughes, político, presidente da Suprema Corte dos EUA
(1910-1916) criticava o arbítrio judicial: “Vivemos sob uma Constituição, mas a
Constituição é o que os juízes dizem que ela é”. A crítica
aplica-se à suprema corte brasileira com agravante. Lá, nos EUA, por ser
sintética a Constituição, há largo espaço à interpretação; cá, no Brasil, por
ser analítica a Constituição, o espaço para interpretar é estreito. Havia
necessidade de controlar a atividade dos tribunais brasileiros ordinários e
superiores. Os juízes de instância sempre foram controlados, mas
desembargadores e ministros estavam a salvo de qualquer controle. Os excessos e
desvios restavam sem punição por falta de mecanismos eficazes no ordenamento
jurídico. A lacuna começou a ser preenchida com o Conselho Nacional da
Magistratura criado pela emenda 7 à Carta Constitucional de 1967 e lei
complementar 35 de 1979. Esse conselho, competente para processar reclamações
contra membros dos tribunais, foi substituído pelo Conselho Nacional de Justiça
criado pela emenda 45 à vigente Constituição da República.
Da história européia posterior à
queda do império romano no século V (401–500) verifica-se que a judicatura
libertou-se paulatinamente do senhor feudal, do rei, da igreja, da burguesia e
do legislador. Apesar da progressiva liberdade de julgar, os juízes mantiveram
o vínculo atávico aos donos do poder, quer em regime autocrático, quer em
regime democrático, tanto em governos de centro como em governos de direita e
de esquerda. Legislador, chefe de governo e juiz, todos integrados no mesmo
Estado e sob a mesma ordem jurídica, são agentes daqueles que dominam de fato a
nação.
Na Europa moderna (1789–1939),
principalmente em França, onde era grande a desconfiança sobre a honestidade e
a imparcialidade dos juízes, movimento político tentou negar-lhes o poder de
interpretar as leis. O juiz devia ser apenas a boca que pronuncia as palavras
da lei. A interpretação era vista como a estrada pela qual trafegava a
injustiça. O movimento não vingou plenamente, mas regras de hermenêutica foram
positivadas na lei para obrigatório cumprimento pelos juízes. Na Europa e
América contemporâneas (1945–2012) o juiz, segundo o seu próprio entendimento e
as luzes da doutrina e da jurisprudência, interpreta e aplica a lei ao caso
concreto. Quando a lei não satisfaz {diferente das leis da natureza, as leis
humanas variam no tempo e no espaço} o juiz guia-se pelos princípios que
alicerçam a ordem jurídica. Quando os princípios do ordenamento jurídico não
satisfazem, o juiz guia-se por princípios éticos, como aconteceu, por exemplo,
no julgamento de alemães pelo tribunal de Nuremberg: ao invés de aplicar o
direito vigente na Alemanha nazista e absolver os réus, o tribunal aplicou o
direito natural e os condenou. Decisão dos vencedores.
O conceito de assistência moral no campo do direito
prescinde do amor. No recurso especial julgado pela terceira turma do STJ, o
vocábulo faculdade utilizado no
acórdão significa o poder subjetivo de agir ou de se omitir; supõe vontade e
escolha livres. Na relação bilateral humana, amor é sentimento e não faculdade; está sujeito ao determinismo e
não ao arbítrio; brota do sentir e não do querer; situa-se fora do comando
jurídico. O verbo cuidar, também
utilizado no acórdão (sentença do tribunal) significa alguém se ocupar ou tomar
conta de outrem ou de alguma coisa; ser diligente, ser atencioso, mas não
amoroso necessariamente. Como dever moral, o cuidado decorre da cultura
de um povo, pode revestir caráter religioso e incluir nota amorosa
eventualmente. Como dever jurídico, o cuidado é estabelecido pelo
Estado; a lei coloca os limites, sem a nota amorosa. O legislador constituinte
brasileiro estabeleceu o dever da família de assegurar direitos às crianças e adolescentes, entre os quais não
se encontra o de amar e ser amado (CR 227 caput).
Na esfera jurídica, assistência moral vincula-se aos bons costumes. A origem latina do
vocábulo indica a prática social humana: mores
= costumes. Em relação aos filhos, a assistência é prestada pelos pais, no
exercício do poder familiar, de várias maneiras, tais como: (1) dar bom
exemplo; (2) aconselhar; (3) orientar quanto a festas, espetáculos, filmes,
peças teatrais, programas de rádio, televisão e ao uso da rede de computadores;
(4) advertir contra o perigo das drogas e das más companhias; (5) exigir
respeito; (6) estimular a dignidade no lar, na escola e na comunidade. O
exercício da autoridade dos pais independe da bilateralidade afetiva e tem
finalidade prática. Se a conduta do filho não discrepa do padrão ético da
sociedade, não há motivo para acusar os pais de negligência. (Código Civil,
art. 1.630/1.634).
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