terça-feira, 22 de maio de 2012

DIREITO2


Marido que abandona mulher e filhos é fato comum a sociedades em que vige a instituição do casamento. Nos anos 40 do século XX (1901-2000) filme intitulado “Seu Único Pecado”, exibido no Cine Império, na cidade de Ponta Grossa/PR, retratava esse drama da vida real. O chefe da família simulou sua morte por atropelamento de trem. Fugiu em busca de vida nova. Alguns anos depois, alquebrado, volta em nevoenta noite de natal e espia a família pela vidraça. A filha, sem imaginar que ali estava o seu pai, traz-lhe um pedaço de bolo. Comovida, a platéia chora. Na mesma época, fazia sucesso canção intitulada “O Ébrio”, interpretada pelo tenor Vicente Celestino. Virou filme nacional. O marido, traído pela mulher, perdeu a família e os bens. Decadente, viu os amigos se afastarem. Acusou-os de ladrões e falsos amigos. Buscava consolo na bebida e amizade junto aos ébrios. Filmes, canções e outras artes, mostram as diferentes faces da vida humana nas relações pessoais, de família, de negócios e profissionais.         

Cientista e literato do século XVII (1601-1700), Blaise Pascal assevera: o coração tem razões que a razão desconhece; intuição e raciocínio coexistem; o homem experimenta Deus pelo coração e não pela razão (in “Pensamentos”). Os cuidados da prole são ditados pelo instinto, pelo coração e pela razão legislada. Somente esta última gera dever jurídico. Na ação judicial em foco, a filha reclama apenas da falta de amor, sinal de que os cuidados consistentes na assistência material, moral e intelectual não lhe faltaram. No entanto, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desloca o amor, artificiosamente, da esfera sentimental para a esfera moral, do determinismo natural para o livre arbítrio. Desse modo, inclui o amor como dever de assistência moral; cria para a filha o direito de ser amada pelo pai e cria para o pai a obrigação de amar a filha. O descumprimento dessa obrigação acarreta penalidade civil (indenizar).

Na sentença judicial, a subsunção do fato à norma implica: (1) valoração da prova; (2) ponderação dos interesses em jogo; (3) apreciação do que é e do que deve ser sob o critério da razoabilidade; (4) comparação entre a realidade social e a realidade emanada do processo; (5) consideração dos valores vigentes na sociedade. Na base dessas operações está a arquitetura mental do juiz: (I) concepções jurídicas, sociológicas, ideológicas, filosóficas; (II) formação moral, religiosa e mística; (III) senso de proporção. Entram também nesse arcabouço intelectual, emocional e volitivo, as idiossincrasias do juiz provocadas por diversas causas: (i) vaidade; (ii) períodos críticos no campo psicossomático [como a tensão pré-menstrual], no campo doméstico [como os desajustes conjugais], no campo econômico [como o acúmulo de dívidas]; (iii) frustrações amorosas; (iv) discriminações sofridas em face da sua origem social, ou cor da pele; (v) rejeições por sua feiúra, bastardice, ou casmurrice.

Os diferentes modos, voluntários e involuntários, de se combinarem esses fatores, a presença ou ausência de virtudes {independência, imparcialidade, coragem, serenidade, eficiência} e a pressão externa {imprensa, movimentos sociais, solicitações individuais, tráfico de influência, suborno} influem no pensamento, no sentimento, na vontade e na conduta do juiz e geram decisões justas e injustas, jurídicas e antijurídicas, corretas e incorretas. Daí a cautela do legislador brasileiro ao colocar vários recursos à disposição do povo, desde o primeiro até o último grau de jurisdição. Após decisão do Supremo Tribunal Federal, a fieira de recursos chega ao fim. Essa cautela, entretanto, não significa que os magistrados dos tribunais superiores estejam infensos aos fatores positivos e negativos da prestação jurisdicional. Para controle disciplinar dos membros dos tribunais foi criado o Conselho Nacional de Justiça. 

Nenhum comentário: