Ouvem-se gritar cem pássaros:
dois ou três sabem cantar. / Todos os outros palram, vibram ou guincham num
ranger de eixo sem graxa. / Isso, para os ouvidos! Para os olhos, ante a
alvorada de um róseo e azul estirados por pinceladas tímidas / erguem-se –
entre palmeiras e araucárias, entre as primeiras fumaradas das usinas, algodão
e café – a grande poeira rubra do dia / a cor soberana que vai penetrar tudo /
avermelhando as árvores do caminho, os postes telegráficos / a grande cerca de
“bougainvillers” / e até mesmo as bestas, jungidas de seis em seis às carroças
/ conduzidas por negros, japoneses e escandinavos / as bestas brancas que ela
retoca / vestidos escarlates, cabeças azuis. / Nas usinas, a prensa de algodão
“feita em Burlington, Alabama, USA” / mandíbulas terríveis, cerradas, o
ponteiro marcando no quadrante os décimos de atmosfera / trabalha já, soltando
fardos sobre fardos. / Cada fardo vestido de estopa grossa e atado por cintas
de aço, cúbico e enorme como um armário / teus futuros armários de roupa
branca, velha Europa! / lençóis e lenços, ceroulas e toalhas. / E os grãos de
café atrás do vidro, à ventania do catador / “feito em São Paulo” desta vez. /
Orgulhoso São Paulo! Com seus homens ásperos, suas mulheres finas, seus
algarismos, suas usinas, seus rancores. / São Paulo que, do golfo a Mato Grosso,
pesa como um bloco de aço. / É ele que parece puxar para baixo toda a América /
puxar para o Brasil, para os pensamentos frios expostos ao contato do Pólo. /
Porque é em vão que o continente arfa sob o Equador / e que os trópicos incham
como velas. / São Paulo pesa, mantendo o Brasil como uma âncora. / No entanto,
uma vaca muge, à moda européia, no cercado de eucaliptos. / E os periquitos e
as rolas esvoaçam entre as palmeiras e os cipós / enquanto as colinas perfilam
por milhões seus cafeeiros / e o beija-flor vibra e se vai rodopiando como uma
alma / e para o céu, como uma estrela, antecipando o Cruzeiro do Sul / sobe o
sol altivo de São Paulo. (“Alvorada Paulista” – Luc Durtain = André Robert Gustave Nepveu).
quinta-feira, 22 de março de 2012
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