quinta-feira, 22 de março de 2012

POESIA


Ouvem-se gritar cem pássaros: dois ou três sabem cantar. / Todos os outros palram, vibram ou guincham num ranger de eixo sem graxa. / Isso, para os ouvidos! Para os olhos, ante a alvorada de um róseo e azul estirados por pinceladas tímidas / erguem-se – entre palmeiras e araucárias, entre as primeiras fumaradas das usinas, algodão e café – a grande poeira rubra do dia / a cor soberana que vai penetrar tudo / avermelhando as árvores do caminho, os postes telegráficos / a grande cerca de “bougainvillers” / e até mesmo as bestas, jungidas de seis em seis às carroças / conduzidas por negros, japoneses e escandinavos / as bestas brancas que ela retoca / vestidos escarlates, cabeças azuis. / Nas usinas, a prensa de algodão “feita em Burlington, Alabama, USA” / mandíbulas terríveis, cerradas, o ponteiro marcando no quadrante os décimos de atmosfera / trabalha já, soltando fardos sobre fardos. / Cada fardo vestido de estopa grossa e atado por cintas de aço, cúbico e enorme como um armário / teus futuros armários de roupa branca, velha Europa! / lençóis e lenços, ceroulas e toalhas. / E os grãos de café atrás do vidro, à ventania do catador / “feito em São Paulo” desta vez. / Orgulhoso São Paulo! Com seus homens ásperos, suas mulheres finas, seus algarismos, suas usinas, seus rancores. / São Paulo que, do golfo a Mato Grosso, pesa como um bloco de aço. / É ele que parece puxar para baixo toda a América / puxar para o Brasil, para os pensamentos frios expostos ao contato do Pólo. / Porque é em vão que o continente arfa sob o Equador / e que os trópicos incham como velas. / São Paulo pesa, mantendo o Brasil como uma âncora. / No entanto, uma vaca muge, à moda européia, no cercado de eucaliptos. / E os periquitos e as rolas esvoaçam entre as palmeiras e os cipós / enquanto as colinas perfilam por milhões seus cafeeiros / e o beija-flor vibra e se vai rodopiando como uma alma / e para o céu, como uma estrela, antecipando o Cruzeiro do Sul / sobe o sol altivo de São Paulo. (“Alvorada Paulista” – Luc Durtain = André Robert Gustave Nepveu).   

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