quinta-feira, 8 de março de 2012

PAZ


Paz de criança dormindo, poetava Dolores Duran. Paz de espírito para bem viver neste mundo. Devaneio poético. A civilização gerou modelos de convivência refratários à paz sonhada por Dolores. A paz entre os seres humanos implica defesa contra os estímulos que provocam ações e pensamentos destrutivos; que despertam sentimentos de inveja, raiva e ódio; que geram inquietação, horror e desespero. Nas relações humanas, a paz se obtém mediante respeito mútuo, moderação, altruísmo, controle do egocentrismo e do impulso de dominação. Exige atitudes positivas: reagir à exploração de uma pessoa por outra, ou de um povo por outro; opor a liberdade à servidão; submeter interesses ao crivo da razão; combater a criminalidade; apear do poder governante que atua contra o bem comum. Suprema arte: assumir essas atitudes positivas sem violência.

Problemas políticos, sociais e econômicos assediam a humanidade através dos séculos. São entraves à paz. Exigem constantes esforços para solução adequada. Não são insolúveis, mas se renovam. Vontade, capacidade, oportunidade e meios para resolvê-los sempre faltam. Problemas e paz não combinam embora um clima de paz ajude a solucioná-los. Superar dificuldades requer arte, paciência e reflexão. No indivíduo, restam em potência os recursos para superá-las (conhece-te a ti mesmo). Nos folguedos da comunidade, a paz é subtraída por pessoas que sentem prazer em tumultuar, atemorizar, ferir e matar. Parlamentares, chefes de governo, magistrados, funcionários de qualquer escalão, abusam do poder, criam dificuldades, causam sobressaltos e embaraços aos governados.         

No campo espiritual, há necessidade de permanente e sincera busca do reino de Deus para alcançar a paz. Ao ser invadido por uma paz profunda, o indivíduo sente que se aproximou do reino divino. Nessa experiência extática, ele vivencia a paz. Segundo os evangelhos, Jesus dizia estreita a porta que leva ao Pai e poucos seriam os escolhidos. Portanto, ele não veio salvar e sim selecionar, constituir uma comunidade de santos. A multidão excluída vai queimar no inferno. Os crentes, ainda que não sigam à risca os mandamentos, serão perdoados desde que não pequem contra o espírito santo. Ricos, remediados e pobres, desde que misericordiosos, ingressarão na morada celeste, ainda que não pertençam à comunidade dos santos. Segundo essa doutrina, os incrédulos, os hipócritas e os que zombam do espírito santo são parceiros do demônio.

Na realidade, jamais houve comunidade de santos aqui na Terra. A razão é simples: a doutrina de Jesus é impraticável por ser incompatível com a natureza bipolar do ser humano: angelical + demoníaca. Na farsa da exeqüibilidade do que é inexeqüível, a organização eclesial serve-se do terror para convencer e formar o rebanho. Mais fácil: conduzir quem se acha nas trevas da ignorância, colocá-lo em servidão, ditar-lhe regras e lhe tirar parte dos bens e dos ganhos mediante chantagem emocional. Mais difícil: conduzir quem cultiva a razão e a intuição; quem alarga o conhecimento de si, do outro e do mundo; quem busca aproximar-se de Deus com a mente e o coração abertos, escorado em conduta ilibada, com firme e sincera disposição de ânimo. Os iluminados – não só pelo cultivo do intelecto, mas que o são na quietude das suas almas, como Akenaton, Sócrates, Sidarta, Jesus, Gandhi, portadores da luz da razão divinamente inspirada – constituem ameaça às oligarquias políticas e religiosas. Daí, serem eles odiados, traídos e até privados da liberdade e da vida. A ojeriza dos oligarcas contra os ensinamentos desses mestres é óbice à celebração da paz.

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