Paz de criança dormindo, poetava Dolores Duran. Paz de espírito
para bem viver neste mundo. Devaneio poético. A civilização gerou modelos de
convivência refratários à paz sonhada por Dolores. A paz entre os seres humanos
implica defesa contra os estímulos que provocam ações e pensamentos
destrutivos; que despertam sentimentos de inveja, raiva e ódio; que geram
inquietação, horror e desespero. Nas relações humanas, a paz se obtém mediante
respeito mútuo, moderação, altruísmo, controle do egocentrismo e do impulso de
dominação. Exige atitudes positivas: reagir à exploração de uma pessoa por
outra, ou de um povo por outro; opor a liberdade à servidão; submeter
interesses ao crivo da razão; combater a criminalidade; apear do poder governante
que atua contra o bem comum. Suprema arte: assumir essas atitudes positivas sem
violência.
Problemas políticos, sociais e
econômicos assediam a humanidade através dos séculos. São entraves à paz.
Exigem constantes esforços para solução adequada. Não são insolúveis, mas se
renovam. Vontade, capacidade, oportunidade e meios para resolvê-los sempre
faltam. Problemas e paz não combinam embora um clima de paz ajude a
solucioná-los. Superar dificuldades requer arte, paciência e reflexão. No
indivíduo, restam em potência os recursos para superá-las (conhece-te a ti mesmo). Nos folguedos da comunidade, a paz é
subtraída por pessoas que sentem prazer em tumultuar, atemorizar, ferir e
matar. Parlamentares, chefes de governo, magistrados, funcionários de qualquer
escalão, abusam do poder, criam dificuldades, causam sobressaltos e embaraços
aos governados.
No campo espiritual, há
necessidade de permanente e sincera busca do reino de Deus para alcançar a paz.
Ao ser invadido por uma paz profunda, o indivíduo sente que se aproximou do
reino divino. Nessa experiência extática, ele vivencia a paz. Segundo os
evangelhos, Jesus dizia estreita a porta que leva ao Pai e poucos seriam os
escolhidos. Portanto, ele não veio salvar e sim selecionar, constituir uma comunidade
de santos. A multidão excluída vai queimar no inferno. Os crentes, ainda que
não sigam à risca os mandamentos, serão perdoados desde que não pequem contra o
espírito santo. Ricos, remediados e pobres, desde que misericordiosos,
ingressarão na morada celeste, ainda que não pertençam à comunidade dos santos.
Segundo essa doutrina, os incrédulos, os hipócritas e os que zombam do espírito
santo são parceiros do demônio.
Na realidade, jamais houve comunidade de santos aqui
na Terra. A razão é simples: a doutrina de Jesus é impraticável por ser
incompatível com a natureza bipolar do ser humano: angelical + demoníaca. Na
farsa da exeqüibilidade do que é inexeqüível, a organização eclesial serve-se
do terror para convencer e formar o rebanho. Mais fácil: conduzir quem se acha
nas trevas da ignorância, colocá-lo em servidão, ditar-lhe regras e lhe tirar
parte dos bens e dos ganhos mediante chantagem emocional. Mais difícil:
conduzir quem cultiva a razão e a intuição; quem alarga o conhecimento de si,
do outro e do mundo; quem busca aproximar-se de Deus com a mente e o coração
abertos, escorado em conduta ilibada, com firme e sincera disposição de ânimo.
Os iluminados – não só pelo cultivo do intelecto, mas que o são na quietude das
suas almas, como Akenaton, Sócrates, Sidarta, Jesus, Gandhi, portadores da luz
da razão divinamente inspirada – constituem ameaça às oligarquias políticas e
religiosas. Daí, serem eles odiados, traídos e até privados da liberdade e da
vida. A ojeriza dos oligarcas contra os ensinamentos desses mestres é óbice à
celebração da paz.
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