quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ROSACRUZES8

Parte final.

Os dois primeiros dias do congresso foram de calor. A partir do terceiro dia esfriou. Só, então, me senti em Curitiba. Sem frio e sem o acinzentado céu, Curitiba perde a sua identidade. A cidade dos pinheirais é assim durante grande parte do ano. As excelentes instalações da Grande Loja permitem circulação e boa acomodação das pessoas. Emocionei-me ao ver um salão com o nome do Luna e outro com o nome do Hermanito, merecida homenagem prestada pela GL a esses nossos dedicados e valorosos irmãos. A GL mostra-se bem equipada em móveis e aparelhos técnicos de som e imagem, telas grandes, uma central e duas laterais no auditório, tecnologia de recente geração. O pessoal de apoio atua com simpatia, competência, discrição, desde as tarefas mais simples até as mais complexas, dando exemplo concreto de espírito fraternal e engajamento nos propósitos da instituição. Os participantes do congresso mostravam-se alegres, afáveis e simpáticos. Nos intervalos das atividades, a conversa era animada. Nas mesas pequenas e circulares e nas duas grandes retangulares distribuídas no salão Tonio Luna havia doces, salgados, sucos em pacotes, recipientes de chá e café, adoçantes. Em torno das mesas, alguns participantes se fixavam marcando território, bebendo e comendo; outros mantinham distância; outros circulavam pelas diferentes mesas. Travei diálogos com irmãos da Bahia, do Mato Grosso, do Rio de Janeiro, do Paraná, de Santa Catarina, sobre os mais variados assuntos, esotéricos e exotéricos, tudo num clima fraternal e descontraído. Duas ou três vezes entrou na roda um idoso frater a nos interromper e corrigir em tom professoral. Ouvíamos com paciência e sem amargor. Aliás, há membros que por excesso de zelo, assumem essa postura de magíster e guardião severo, como se os demais irmãos fossem neófitos ou um bando de mentecaptos.

Em 1979, levei meu filho Rafael para a cerimônia de aposição de nome (batismo) na Loja Curitiba. O então mestre da loja, tipo germânico, tinha orelha direita diminuta, defeito de nascença. Aquela mini-orelha chamava minha atenção desde os tempos ginasiais; fomos contemporâneos no Colégio Estadual do Paraná. Com olhar duro, cinzento, metálico, ele me fita e me interpela em tom de reprimenda: por que morando no Rio de Janeiro, onde havia corpos afiliados, eu trazia meu filho para aposição de nome na Loja Curitiba? Respondi: motivo sentimental. Apenas isso. No entanto, eu podia ter dito que não havia norma alguma que impedisse um membro de levar o filho a qualquer corpo afiliado da GL. Na Loja Curitiba, assisti à minha primeira convocação ritualística, passei pela primeira iniciação e por outras iniciações ritualísticas, atuei inúmeras vezes como guardião, capelão, cantor, sonoplasta, e nela meus filhos Evandro e Gabriela haviam recebido o nome. Havia, pois, um vínculo afetivo com a citada Loja. As interações dos membros nos corpos afiliados servem para testar a nossa paciência, humildade, espírito de tolerância e a nossa perseverança na senda mística.

Mestres e doutores aplicaram metodologia adequada às conferências e às exposições nas mesas redondas, com seus laptops e projeções. Quiçá preocupados em descomplicar o assunto e dar um tom coloquial à palestra, alguns expositores divagavam ao abandonar o texto escrito em prejuízo da didática (repetições desnecessárias, redundâncias, embaraços com o controle remoto, insistentes referências a si próprios). As mesas eram redondas só no plano intelectual, porque no plano físico eram retangulares, cobertas com toalhas brancas e compostas de 2 expositores e 1 presidente. A 1ª mesa redonda foi exceção: 3 expositores. Além dos médicos, falou o frater Mario Lúcio de Lima Nogueira, mestre em educação, sobre o sagrado nos rituais rosacruzes, a tecnologia de comunicação e o ciberespaço como nível de realidade. O digno frater dissertou sobre os modos de transmissão dos conhecimentos tradicionais das escolas de mistérios, sobre o mito como expressão simbólica da realidade, a importância dos rituais e o espaço sagrado por eles estabelecido, a vasta conexão entre os seres humanos permitida pelo ciberespaço e a possibilidade de nele se realizarem rituais sagrados com a mesma carga emocional dos rituais presenciais. Nas mesas redondas, depois das exposições, o auditório formulava perguntas por escrito. As respostas eram simples e evitavam polêmica. Próprio da AMORC, esse respeito pelas diferenças, o primado da liberdade de crença e de pensamento, sem disputa por troféus. A mente aberta conjuga a verdade de ontem com a verdade de hoje e se prepara para a verdade de amanhã.

A orientação dada para o trabalho de grupo foi questionada. Foram solicitadas sugestões sobre o que devia ser mantido, o que precisava ser aprimorado e o que devia ser mudado na URCI. Para se manter, aprimorar ou mudar alguma coisa é necessário conhecer previamente essa coisa. Havia participantes que desconheciam a estrutura e o funcionamento da URCI, nela não haviam atuado como professores, estagiários ou funcionários. Destarte, não podiam, sensata e honestamente, apresentar propostas naquele sentido, mas tão somente propostas “ex ovo”, como se a universidade tivesse nascido naquele instante. Foi dito que a URCI só existia no papel e que precisava tornar-se realidade. A AMORC prima por sistema e ordem. Certamente daquele papel (estatuto ou manual administrativo) constam as regras com os objetivos e procedimentos da URCI e, por isso mesmo, o papel devia ser apresentado aos membros para estudo, o que os capacitaria a atender à solicitação de propostas de aprimoramento e mudança. Ficou a impressão de que fomos convidados apenas para nos engajarmos na revitalização da URCI e que não havia real interesse no conteúdo das propostas e no resultado dos trabalhos dos grupos. Essa impressão mais se acentuou diante dos textos do livro e dos folhetos distribuídos aos congressistas. Os anais, que registram atos e fatos ocorridos em um evento organizado, já estavam prontos antes do início do congresso, quando o normal seria redigi-los depois do encerramento (a própria raiz semântica da palavra indica que se trata de fim e não de começo). Tudo estava previamente definido pelos órgãos de direção: estrutura e funções da URCI, missão, finalidade, metodologia, disciplinas, público alvo, fonte de recursos. A atitude do reitor retirando-se do auditório antes da apresentação dos trabalhos pelos grupos deixou patente aquela estratégia e solidificou aquela impressão de que importava bem mais a presença e bem menos as propostas, idéias e opiniões dos congressistas.

Os momentos artísticos foram excelentes. O frater Cléber Gabriel da Silva apresentou um monólogo interessante sobre o valor do fazer, que combinou com a crítica à dicotomia entre o saber e o fazer formulada pelo professor D´Ambrósio na primeira conferência। O personagem da peça é um operário que toma consciência do valor do seu trabalho. O cenário é simples: um tijolo e uma escada. Houve momentos místicos de prece e meditação característicos dos rosacruzes. Em um desses momentos, precedidos de um pronunciamento do Grande Mestre sobre sua experiência pessoal, a música de fundo foi “De Tempore Meditatio”, da coleção “Antiphonarius Rosae + Crucis”. Quiçá pela duração (22 minutos), a música não favoreceu a minha meditação; causou-me desconforto. Após o início do período de meditação, com a música tocando, o ambiente às escuras e os congressistas acomodados, entraram alguns retardatários, abrindo passagem entre os assentos, perturbando o ambiente. Isto me causou estranheza, pois era costume os retardatários aguardarem na parte exterior do templo até o final do período de meditação. No último dia, o frater Raul Passos voltou a nos brindar com o seu talento quando executou o Hino Nacional Brasileiro ao piano.

A estrutura e o funcionamento da URCI não podem discrepar das congêneres rosacruzes da América do Norte e da Europa, tendo em vista a unidade da Ordem R+C e o seu modelo autocrático, hierarquizado, semelhante ao modelo da Igreja Católica. A Suprema Grande Loja (sediada em Quebec, no Canadá) traça as diretrizes de obrigatória observância pelas Grandes Lojas localizadas nos diversos continentes e seus corpos afiliados (lojas, capítulos, pronaoi). A universidade rosacruz integra essa organização. Na base da pirâmide estão os membros dos diversos países, cuja participação em assuntos da instituição não significa democracia. Aos membros falta o poder de escolha e decisão típico do modelo democrático. Cabe-lhes opinar, sugerir, compartilhar conhecimentos. A escolha e decisão competem aos órgãos de direção. A decisão final cabe ao Imperator, autoridade situada na cúspide da pirâmide (cargo vitalício). Portanto, a missão da URCI não pode ser outra senão a de propagar a luz maior em sintonia com a filosofia rosacruz e com a ética rosacruz. A finalidade da URCI não pode ser outra senão a de produzir e transmitir conhecimento em interface com a ciência, arte e filosofia. Metodologia transdisciplinar na pesquisa, no ensino e na aprendizagem. O paradigma que agita a ciência e as universidades já é realidade na AMORC. Inspirados na unidade básica do mundo natural e espiritual, na solidariedade entre os ramos do saber, na filosofia perene, os ensinamentos rosacruzes têm característica transdiciplinar, como se extrai das monografias. O recrutamento dos professores e conferencistas e a seleção do público alvo (homens, mulheres, jovens, adultos, membros e não membros, com ou sem formação acadêmica) dependerão do aval da GL. Ante o espírito de fraternidade e da tríade Luz, Vida e Amor, a filosofia rosacruz e a ética rosacruz afiguram-se refratárias à oposição amigo/inimigo e favoráveis ao saber compartilhado, à conciliação e à paz.

Nenhum comentário: