sábado, 25 de setembro de 2010

ROSACRUZES5

Sexta parte.

Ainda na manhã do dia 06/09, realizou-se a 3ª mesa redonda: “religare: em busca da reintegração dos saberes”. O objetivo era mostrar o enlace da ciência, da literatura e do rosacrucianismo. Foram expositores: um professor de Física e uma professora de Literatura, ambos com excelente qualificação acadêmica e membros da Ordem R+C. A explanação do professor foi uma síntese do anterior e intensivo curso de física quântica. Referiu-se aos fundamentos quânticos da transdisciplinaridade e às possibilidades de diálogo com a tradição esotérica. Destacou o confronto entre o determinismo causal newtoniano e os conceitos quânticos de probabilidade e incerteza, bem como, a oposição entre a interpretação da causalidade restrita a eventos individuais e a interpretação fundamentalmente estatística. Mencionou a crítica formulada na primeira metade do século XX, pelo cientista francês Louis de Broglie, à teoria estatística de Niels Bohr e Werner Heisenberg. O príncipe francês discorda da extrapolação cometida pelos plebeus, quando estes afirmam que a incerteza e o caráter incompleto do conhecimento resultam da real indeterminação dos estados físicos e sua evolução. Concorda, entretanto, quanto ao estado atual do conhecimento ser provisório, pois sempre haverá novas regiões a descobrir. O professor Ferrari cita a dualidade da luz (onda/partícula) e o princípio da complementaridade que Bohr formulou com base na teoria de Broglie sobre a existência de ondas de matéria. Fundado nesse princípio, Bohr estabeleceu correlação entre a Física, a Sociologia e a Política.

No que concerne à extensão desse princípio para fora das ciências exatas, trago à colação as lições do jurista e filósofo paulista, Miguel Reale, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, contidas no capítulo da analítica e dialética, do ensaio sobre as estruturas fundamentais do conhecimento jurídico (“O Direito como Experiência”, São Paulo, Saraiva, 1968). Após afirmar que as dialéticas de Hegel e de Marx não são as únicas, Reale cita a dialética da complementaridade, comum às ciências morais e às ciências físicas, necessária para explicar problemas insuscetíveis de solução em termos de lógica axiomática. Nesta passagem, Reale menciona os cientistas Niels Bohr, Louis de Broglie e Philipp Frank. Mais adiante, no ensaio sobre filosofia, teoria e dogmática jurídica, no capítulo sobre a teoria geral das formas da experiência jurídica, ele menciona princípio da Física teórica aplicável na esfera histórica e cultural: “o universo forma um todo solidário”. A unidade de todas as coisas vem exposta pelo cientista austríaco Fritjof Capra, em linguagem acessível, no livro “O Tao da Física” (São Paulo, Cultrix, 1984). De modo notável e pioneiro, o autor traça um paralelo entre a Física moderna (teorias da relatividade e quântica) e o misticismo oriental (hinduísmo, budismo, taoísmo, zen), mostrando a confluência das visões científica e mística do universo. O autor cita o novo paradigma da ciência: superação dos opostos pela complementaridade; compara-o com a dinâmica das forças polares yin e yang, fulcro do pensamento chinês, exibindo o diagrama T´aichi T´u que figurativamente a representa.

O professor Ferrari diz que cabe à filosofia interpretar os padrões dos eventos descobertos pela ciência. Conceitua transdisciplinaridade como fluxo de informação entre os diversos ramos do conhecimento, ou como diálogo polifônico entre racional e irracional, sagrado e profano, simples e complexo, servindo-se da definição de Basarab Nicolescu, cientista romeno (físico teórico) que resgatou a cosmologia de Jacob Boheme. Para esse resgate, o cientista romeno aproveitou os conceitos da mecânica quântica e propôs a existência de vários níveis da realidade ao invés de um só. O ilustre expositor menciona dois níveis: (i) o da objetiva percepção pelo ser humano; (ii) o que transcende a essa percepção. Isto lembra: (i) as lições contidas nas monografias da Ordem R+C, sobre escala vibratória, faixa de percepção pelos sentidos humanos, realidade e atualidade; (ii) a distinção aristotélica entre ato e potência. Além disto, observo que enquanto no campo da Ética a exceção confirma a regra, no campo da Ciência a exceção derruba a teoria. O rigor científico seria atenuado se o paradigma da Ética fosse transposto para a Ciência.

A professora de literatura, Elisa Fernandes de Souza Rocha, mestre em educação, graduada em letras, psicanalista clínica, discorreu sobre os elementos místicos das obras literárias. A ilustre expositora afirma que a arte, a literatura e a transdisciplinaridade, em suas relações recíprocas, tornam-se elementos do diálogo com o leitor e dão um novo sentido à Ética, pois a característica comum é o respeito à alteridade. Centrou o foco na obra do escritor argentino Jorge Luis Borges. Informa que o dito escritor utiliza metáforas do tempo, do labirinto e do espelho, além das linguagens imaginárias, na tentativa de impedir que o caos do real se transfira para o pensamento. Esta última afirmação inquietou-me, à vista da preponderância da ordem no sistema solar, ainda que tal sistema seja apenas um enclave de ordem na aparente desordem da galáxia. Em nosso planeta, eu vejo a ordem como regra e a desordem como exceção, tanto na natureza como na sociedade. Percebe-se ordem nos seres da natureza. A estrutura e o funcionamento do corpo humano exemplificam essa ordem. Operando com a inteligência, o ser humano busca entender e explicar a ordem natural. Além disto, coloca ordem no pensamento, na ação e nas coisas. Sem a prevalência da ordem, a convivência humana seria intolerável. A sociedade não sobreviveria à guerra de todos contra todos, conforme expressão do filósofo inglês Thomas Hobbes (Leviatán. Madri, Editora Nacional, 1979). Se aceitarmos a máxima “assim como em cima é embaixo”, teremos de admitir que a ordem e a desordem (entropia) do mundo material existem no mundo espiritual. Platão ilustrou isto com o exemplo da caverna: o mundo espiritual se projeta no mundo material; este é sombra daquele. Esta máxima foi o paradigma de quem desenhou o modelo do átomo. Colocar o visível como imagem do invisível é procedimento postulatório. Pretensiosos e sacrílegos, os fiéis aos livros religiosos (judeus, cristãos, islâmicos) se consideram a imagem e semelhança de Deus! Podemos, sob censura dos adeptos da mecânica quântica, circunscrever a citada máxima ao mundo material: “assim como em nível macroscópico, é em nível microscópico”.
A ilustre expositora diz, ainda, que ao intercalar mágica e realidade, Borges mostra relações de transdisciplinaridade. Ela cita os contos Tlön, Oqbar, Orbis Tertius e Aleph, como os mais vigorosamente esotéricos e cabalísticos escritos por Borges. A narrativa de Borges sobre o teólogo alemão que no século XVII descreveu imaginária comunidade rosacruz, depois convertida em realidade, revela que a Ordem R+C nasceu de uma ficção. Os conteúdos dos folhetos divulgados na Europa naquele século eram frutos da imaginação de um teólogo sonhador, levados a sério por algumas pessoas que se reuniram e organizaram uma sociedade secreta. As utopias provêm da imaginação de idealistas desencantados com a dura realidade do mundo material. Sonham com lugares em que as pessoas vivem em paz, felizes, livres do infortúnio. Filmes como “Horizonte Perdido” que exibe o paradisíaco reino de Shangrilá e livros como “Utopia” de Thomas Morus e “Nova Atlântida” de Francis Bacon, resultam de tais sonhos. A cabala, os criptogramas, a simbologia, a numerologia e tantos outros procedimentos obscuros supostamente destinados a revelar aos iniciados a existência de um mundo espiritual e suas leis, na verdade são fantasias, alucinações, idealizações que não se compadecem com o estágio atual do conhecimento místico e científico, mormente após o advento da transdisciplinaridade na reinante atmosfera de liberdade e publicidade do mundo ocidental. Aquele rançoso material alimenta a imaginação de artistas e escritores, daí sua importância cultural. Todavia, atente-se para a outra face da moeda: aquele material enseja aos maliciosos, a exploração da ignorância e da boa fé das pessoas. As sociedades secretas perderam a sua razão de ser. As organizações esotéricas zelam pela ética e privacidade dos seus ensinamentos e rituais. A AMORC mantém o seu elevado propósito de propagar a luz maior, de trabalhar pela expansão da consciência humana e pelo progresso da humanidade na senda da espiritualidade. A digna expositora afirmou que a AMORC se preocupa com a vitalidade e a integridade do planeta. Isto insere a Ordem R+C no movimento ecológico mundial em defesa do meio ambiente visando à sadia qualidade de vida.

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