quinta-feira, 29 de abril de 2010

FELICIDADE9

Nona parte.

A questão da legitimidade da minoria ao desfrute da felicidade, sendo a maioria infeliz, envolve a questão da responsabilidade de um grupo pelo outro. Os países ricos (minoria no mundo) têm o dever moral de ajudar os países pobres (maioria no mundo) para que a humanidade seja mais feliz. Países como a Inglaterra, França, Holanda, devem sua riqueza aos recursos naturais dos países periféricos: ouro, prata, diamantes, madeira, carvão, petróleo, plantas, especiarias.

Nas colônias instaladas na América a partir do século XVI (1501-1600), indígenas e negros constituíram força de trabalho escravo. Os nativos perderam a liberdade e a posse da terra. Sob tratamento cruel e condições existenciais desumanas, índios e negros foram mutilados, perderam a saúde e a vida aos milhares, nas minas, na lavoura, nos engenhos, na prestação de variados serviços, tudo para o conforto e a prosperidade dos colonizadores europeus. No século XX (1901-2000) EUA e URSS participaram da imperial exploração. A posse do petróleo motivou a invasão das potências em diversos países. A posse da água poderá motivar invasões nas regiões mais bem aquinhoadas pela natureza, pois a escassez tem preocupado as nações.

Os países explorados acham-se no direito de reclamar indenização dos exploradores, como de fato reclamou o atual presidente do México (2010). Há vários modos de os exploradores indenizarem os explorados: dinheiro, alimentos, vestuário, escolas, tecnologia, medicamentos, equipamentos, pessoal especializado, material bélico e soldados. A ajuda militar pode ser boa quando se destina à defesa de um povo ameaçado por outro mais poderoso; será má quando tiver por finalidade apoiar ditaduras opressoras do povo ou explorar as riquezas da nação destinatária da ajuda.

Os países exploradores poderão alegar que na América ao tempo da colonização não havia Estado algum, mas apenas tribos. Como colonizadores, os europeus tinham o jus imperii e o jus domini derivados da conquista da terra; tinham, pois, o direito de explorar as riquezas da colônia que lhes pertencia. Além disso, os produtos extraídos da terra não tinham, para os nativos, o mesmo valor que tinham para os colonizadores. Bens de significativo valor para a cultura européia, não o eram para a cultura indígena. Quanto ao genocídio dos nativos, embora injustificável do ponto de vista moral e religioso, explica-se como destino dos vencidos, por sua resistência aos vencedores. A terra é dos conquistadores.

A responsabilidade pela infelicidade alheia pode ser recusada sob o argumento de que o indivíduo ao nascer já encontra o mundo perverso; ao crescer, constata que sempre foi assim; portanto, nenhuma culpa lhe cabe pelas maldades e injustiças desse mundo. A cada indivíduo ou grupo cabe vencer obstáculos na luta pela existência e pelo direito.

Enquanto a infelicidade geral derivar da carência de bens materiais, a política da justiça social poderá resolver o problema mediante parceria entre governo e sociedade civil, acoplada a um sistema econômico que permita a todos o acesso às fontes de energia e às riquezas naturais e culturais. O governo deve prover a sociedade dos meios necessários ao desenvolvimento social e econômico sempre que a iniciativa privada for insuficiente. O regime político deve favorecer a busca da felicidade pelo cidadão e o mútuo controle entre governantes e governados.

Se a infelicidade geral derivar da carência ou do relaxamento dos princípios morais, religiosos e místicos, a solução está na educação, na catequese, na mudança de hábitos e de mentalidade. Conduta harmônica com os referidos princípios ameniza a infelicidade. Lei do carma: aqueles que trilham o bom caminho merecem a felicidade; aqueles que se desviam da honradez e dos bons costumes merecem a infelicidade. O esforço pessoal na substituição de hábitos, pensamentos e sentimentos negativos por outros positivos, há de receber apoio das instituições sociais e governamentais, como acontece com o problema ambiental.

Felicidade geral distingue-se da felicidade total. Neste planeta não se encontra felicidade total em nação alguma. Há sempre a parcela dos infelizes. Apesar dos dissabores e dos obstáculos, a busca da felicidade geral anima governantes e governados. Os deveres éticos servem de bússola. No que tange aos governantes, a animação democrática em tornar efetiva a felicidade às vezes provém da hipocrisia: obter votos e garantir a permanência no poder. Quanto aos governados, a animação às vezes provém da esperteza: obter do eleito algum tipo de vantagem privativa. A Constituição do Brasil (1988) não menciona a felicidade.

Para Kant (Crítica da Razão Prática) a busca da felicidade no mundo sensível e material é equívoca: moral e imoral ao mesmo tempo. O gozo da felicidade é privilégio de poucos e ninguém desfruta o tempo todo, por toda a sua individual existência. Apesar disso, a ética compreende regras que orientam a ação humana para melhor forma de existência, aquela existência considerada preferível a qualquer outra, uma existência que proporcione prazer e alegria, informada nos princípios da justiça, bondade, verdade, beleza, fraternidade e de amor ao próximo.

A violência e o conflito, presentes ordinariamente nas relações humanas, opõem-se à felicidade, pois esta resulta da conduta pacífica, alegre e venturosa. A superação dar-se-á pela reflexão sobre aspectos éticos, religiosos e místicos da existência. A legitimidade da felicidade situa-se na esfera da consciência.

A prática de atos virtuosos pode conduzir à felicidade, assim como a escolha de um modo de vida construtivo, segundo uma concepção de mundo positiva aliada à firme determinação de domesticar a índole negativa da personalidade. As pessoas podem se amar acima do nível das sensações, dos apetites carnais, dos conflitos, da violência. Nesse nível superior, a pessoa amante não sufoca a amada, não lhe retira a liberdade para realizar suas potencialidades. Na relação bilateral ordinária, a felicidade da pessoa amante será ilegítima se a pessoa amada for infeliz.

Encerra-se aqui a série “Felicidade”. A seguir, algumas poesias.

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