domingo, 25 de abril de 2010

FELICIDADE8

Oitava parte

O desejo, as apetências carnais, emocionais e intelectuais fazem parte da natureza humana. O indivíduo necessita de ar, água, alimento, abrigo, intimidade, privacidade, trabalho, repouso, lazer, relacionamento social. Almeja riqueza, fama, poder, conhecimento, participação nos bens da civilização. Procura os meios adequados para satisfazer tais necessidades e aspirações e quando consegue sente prazer e alegria. A insatisfação gera frustração e tristeza. Sob esse prisma, a felicidade seria a plena satisfação dos desejos.

Lição da experiência: satisfeito um desejo, outro desponta; prazer sentido, desejo renovado. Os produtos da civilização despertam no indivíduo o desejo de consumo; da insatisfação desse desejo resultam ansiedade, sofrimento, rebeldia e ações ilícitas. À medida que aumentamos as coisas que estimulam o desejo, complicamos o acesso à felicidade. Sob esse prisma, felicidade seria ausência do desejo. A eliminação do desejo levaria o indivíduo a um estado de beatitude que Sidarta Gautama, o primeiro Buda, chamou de nirvana. Livre do desejo, o indivíduo pode trilhar o caminho da iluminação cósmica, alcançar a sabedoria e a felicidade perene.

Eliminado o desejo, o ser humano eleva-se ao mundo divino ou se torna um vegetal. A redução da intensidade do desejo e o seu direcionamento são possíveis pelo autodomínio. A satisfação do desejo tanto pode causar o bem como causar o mal. Satisfaz-se o desejo cujos efeitos se mostram benéficos e imprime-se outro rumo quando forem perniciosos. Essa escolha nem sempre é fácil. Além das falhas de percepção e de avaliação, a pessoa está sujeita ao bombardeio dos estímulos internos e externos que induzem à satisfação do desejo. Essencial é a moderação na conduta. Nesse particular, atingir a maestria é abrir portas à felicidade.

Estado, Escola, Igreja, Empresa, Sindicato e demais instituições do mundo cultural não têm consciência nem vontade próprias. A essas entidades são emprestados atributos do seu criador: o ser humano. Recebem tratamento no meio civilizado como se fossem pessoas dotadas de vida própria, corpo, consciência, vontade, propósito, titulares de direitos e obrigações. Essas entidades são vistas como dimensão social da pessoa natural, com existência autônoma. Denominam-se pessoas jurídicas.

A nação e a família, comunidades constituídas de seres humanos, aspiram à felicidade como as pessoas naturais, o que não acontece com o espólio e a massa falida, universalidades constituídas apenas de coisas. Documentos políticos se referem à felicidade geral da nação partindo desse artifício da inteligência humana. O caráter coletivo da consciência não tem suporte no indivíduo isolado e sim na coleção de indivíduos. A consciência coletiva, entretanto, não é algo distinto e separado do indivíduo e sim um nível da consciência individual onde se opera a síntese das idéias, sentimentos e aspirações dos membros da comunidade.

A felicidade geral da nação está na paz social, no bem-estar de todos ou da maioria dos seus membros. Contribuem para essa felicidade: (i) a busca metódica e sistemática do conhecimento para ilustração do espírito (ii) a transmissão e aplicação do saber visando ao bem geral, em harmonia com o meio ambiente e sem finalidade exclusivamente econômica (iii) a supremacia da cooperação sobre a competição (iv) a participação na produção dos bens materiais e imateriais (v) a equitativa distribuição desses bens entre os membros da comunidade (vi) o governo exercido por pessoas bem qualificadas do ponto de vista social, moral e intelectual, eleitas pelo povo em clima de liberdade (vii) a vigência e eficácia das normas que valorizam a vida, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a amizade entre os povos e a elevação moral e espiritual da humanidade.

No mundo atual ainda permanecem certos óbices à felicidade, embora a selvagem competição entre indivíduos e entre nações esteja atenuada nesta primeira década do século XXI. Todavia, ainda se vê milhões de crianças, adultos e idosos famintos e doentes; milhares morrem vítimas da guerra, de atentados a bomba, de conflitos internos, da violência nas ruas, nos presídios e em campos de prisioneiros ou de refugiados. Às pessoas sensíveis e bem situadas na sociedade, essa realidade pode ser perturbadora. Como ser feliz cercado de infelicidade? A pessoa educada na doutrina cristã pode se sentir culpada de ser feliz no meio de tanto sofrimento. Ainda que ausente o sentimento de culpa, a solidariedade e a compaixão impedem a pessoa de ser plenamente feliz ao tomar consciência dessa circunstância.
O exame de consciência de cada pessoa e a idéia que forma do mundo, respondem ao questionamento da legitimidade da felicidade. A pessoa feliz pode ter sido submetida a provas no curso da sua existência: buscou a disciplina correta para a sua conduta; sacrificou desejos, renunciou a prazeres ilusórios, resistiu ao chamado mundano e evitou as portas largas da dissipação, da luxúria, da corrupção; houve-se com paciência e moderação; contribuiu com sua experiência, seu trabalho e suas idéias para o bem da comunidade. Essa pessoa sente-se no direito de ser feliz onde predomina a infelicidade. Já outra pessoa que passou pelas mesmas provações não consegue desfrutar o direito de ser feliz em tal circunstância, porque gostaria que os demais também o desfrutassem.

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