domingo, 4 de abril de 2010

FELICIDADE2

Segunda parte.

No período de regência de Pedro (abril de 1821 a setembro de 1822) as Cortes Portuguesas exigiram que o príncipe deixasse o Brasil. A ordem tinha o propósito de facilitar o retrocesso do Brasil, de reino a colônia. Livre da ameaça napoleônica, com seu rei de volta à terra lusitana, Portugal sentia-se no direito de restabelecer a colônia americana. Atendendo ao pedido do povo, com cerca de 8.000 assinaturas, o príncipe regente declarou que ficava no Brasil para o bem de todos e felicidade geral da nação. Mencionar o que ainda não existia foi artifício retórico; quando muito, havia uma incipiente e embrionária nacionalidade. O bem de todos equivale à felicidade geral; o bem de cada um ficou implícito.

Em junho de 1822, o príncipe convoca eleições à assembléia constituinte. O processo da independência galopava. A ruptura com Portugal se torna definitiva em 7/09/1822, quando o príncipe se rebela, mais uma vez, contra as ordens das Cortes Portuguesas. Pedro Américo imortalizou o grito do Ipiranga em quadro pintado com as tintas da sua imaginação e exposto no museu do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Na guerra da independência lutaram: de um lado, chefiados por um príncipe português (D. Pedro), brasileiros brancos, mestiços, negros além de portugueses leais ao príncipe e mercenários franceses e ingleses contratados pelo governo brasileiro; do outro lado, chefiados por um rei português (D. João VI), brasileiros e portugueses leais a Portugal. A guerra, com centenas de mortos e mutilados, só terminou em 1825, após assinatura do tratado de amizade e paz celebrado entre o pai (D. João VI, rei de Portugal) e o filho (D. Pedro I, Imperador do Brasil) sob as bênçãos do espírito santo (Trono da Inglaterra), amém. No ano anterior a esse tratado, D. Pedro já havia outorgado Constituição aos brasileiros, culminância jurídica do processo que tornava irreversível a independência política. Consta do preâmbulo da Constituição de 1824, que os súditos e povos do Império esperavam individual e geral felicidade política.

A felicidade geral foi o propósito da organização da sociedade civil em Estado, expressamente declarado por libertadores, líderes e assembléias populares do Ocidente, a partir das revoluções americana e francesa. A felicidade tornou-se um bem estimado oficialmente para ser vivenciado de modo individual e coletivo. Esse bem foi entendido como um estado de contentamento desfrutado pela comunidade, que permite aos indivíduos o pleno desenvolvimento das suas potencialidades físicas, morais e intelectuais. Esse estado exige uma organização que o torne possível, uma ordem essencial a qualquer tipo de sociedade. Constituída de regras de necessário e obrigatório cumprimento, informada por princípios éticos, jurídicos e religiosos, essa ordem disciplina as relações políticas, sociais e econômicas que se estabelecem na sociedade. Do ponto de vista dinâmico, essa ordem permite ações públicas e privadas que tornam efetivos os objetivos nacionais, asseguradas por um conjunto de órgãos que leva o nome genérico de Justiça: delegacia de polícia, instituto de criminalística, presídio, ministério público, juízo de direito, tribunal do júri, tribunal de recursos. A defesa da lei, da ordem e da pátria se faz por forças armadas regulares e permanentes.

A ordem social, política e econômica há de ser justa, segundo o sentimento da comunidade. O povo sente-se feliz quando percebe que há justiça nos negócios públicos e privados e que prevalece a honestidade; sente-se feliz quando essa ordem permite ampla liberdade e o desenvolvimento da nação. A experiência dos povos a partir do século XX mostrou que sem liberdade pode haver prosperidade fundada exclusivamente na igualdade social e econômica, ou na promessa de realizá-la, porém, que disso não resulta felicidade geral, necessariamente. Sem liberdade e apesar de potência mundial, a União Soviética implodiu. China e Cuba mantêm governos autocráticos pela relativa igualdade e algumas concessões à liberdade. As autocracias árabes se mantêm pela tradição dinástica e condicionamento religioso, sem que isto assegure felicidade, mormente às mulheres. As regras jurídicas devem ser o veículo do sentimento de justiça acalentado pelos membros da sociedade. A ordem instituída por essas regras vale e obriga – não só por consentânea com aquele sentimento – mas, também, porque posta pela autoridade competente ou por quem está investido de poder para garantir a sua eficácia. Esse fato da experiência revela outro: os detentores do poder baixam normas que os beneficiam, em detrimento da felicidade geral.

Justiça, valor moral gerado no sentimento, qualificado no pensamento, assentado na igualdade e na proporcionalidade. Os romanos diziam que justiça consiste em viver honestamente, não lesar o próximo e atribuir a cada um o seu direito. Aristóteles classificava a justiça em distributiva e equitativa. Justiça distributiva: os bens e as honras distribuídos de modo que cada um receba a porção adequada ao seu mérito. Justiça equitativa: igualdade das partes nas relações de troca. O filósofo grego classificava a justiça equitativa em comutativa e judicial. Justiça comutativa: implica certa medida nas relações de troca segundo a harmônica vontade das partes; as cláusulas contratuais são estabelecidas pelas próprias partes, dispensando a intervenção de juiz e árbitro. Justiça judicial: supõe controvérsia entre as partes; a medida nas relações de troca efetiva-se pela intervenção do juiz ou do árbitro. Ocasional na esfera civil por depender de provocação das partes, a justiça judicial intervém na esfera penal independentemente da vontade do jurisdicionado, por ter em mira a preservação da ordem pública e a felicidade geral.

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