quinta-feira, 6 de maio de 2010

POESIAS

Veio coleante essa mágoa / arrastas triste e submisso / também choro veio d´agua / sem que ninguém dê por isso... / soltas nos seixos de chofre / choras ... No mundo inclemente / só não chora quem não sofre / só não sofre quem não sente / procuras dentre os abrolhos / ver o céu que astros povoaram / eu também procuro uns olhos / que nunca me procuraram / os céus não vêem tua mágoa / nem estas ela advinha / veio d´agua veio d´agua / tua sorte é igual à minha / ora em bolhas vãs tu medras / eu em sonhos bem mesquinhos / teu leito é cheio de pedras / minha alma é cheia de espinhos / se uma rama se desfolha / sobre o teu dorso e resvala / corres doido atrás da folha / sem poder nunca alcançá-la / às vezes também risonho / um sonho minh´alma junca / corro doido atrás do sonho / sem poder tocá-lo nunca / ventura ... doida corrida / de uma folha sobre um veio / folha ... esperança perdida / de um bem que nunca me veio / assim vou sangrando mágoa / e doido para onde for / veio d´agua veio d´agua / corro atrás da minha dor! / (“A Serenata” – trecho de “Juca Mulato” – Menotti del Picchia).

Macunaíma, Maria / viajando por essas terras / com os dois manos, encontrou / uma cunha tão formosa / que era um pedaço de dia / na noite do mato-virgem. / Macunaíma, Maria / gostou da moça bonita. / Porém ela era casada. / E jamais não procedia / que nem as donas de agora / que vivem mais pelas ruas / do que na casa em que moram; / vivia só pro marido / e os filhos do seu amor / fiava, tecia o fio / pescava, e março chegado / mexendo o corpo gostoso / ela fazia a colheita / do milho de beira-rio. / Que bonita que ela é!...Bom. / Macunaíma, Maria / não pode seguir, ficou. / Quêque havia de fazer! / Amar não é desrespeito / falou pra ela e ela se riu. / Então lhe subiu do peito / a escureza da paixão / e o apaixonado cegou. / Pegou nela mas a moça / possuía essa grande força / que é a força de querer bem:/ forceja que mais forceja / até deu nele! Não doeu. / Macunaíma, Maria / largou a moça. / Ô, meu Deu! (...) (“Lenda das Mulheres de Peito Chato” – Mário de Andrade).

A tarde se deitava nos meus olhos/ e a fuga da hora me entregava abril / um sabor familiar de até-logo criava / um ar e, não sei por que, te percebi. / Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança. / Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade / o arcanjo forte do arranha-céu cor-de-rosa / mexendo asas azuis dentro da tarde. (“Poemas da Amiga” – Mário de Andrade).

Janaína vive no rio / vive no açude / vive no mar. / Lembrou-se de vir passear / nas ôndias passou dendê. / As ôndias se acomodaram / cavalo marino veio / para ela se amontar. / No cavalo se amontou / galopando descuidada / acordando os afogados / dando adeus à maré grande. / Botando nome nos peixes / ouvindo a fala dos búzios. / No ventre de Janaína / as escamas estão brilhando / nos olhos de Janaína / na cauda de Janaína / tem cem doninhas pulando. / Nos peitos de Janaína / tem dois langanhos babando. / Se Janaína sorri / as ôndias ficam banzeiras. / Se Janaína está triste / o mar começa a espumar / a pegar gente na praia / pra Janaína afundar / - Janaína dá licença / que eu me afogue no seu mar? (“Janaína” – Jorge de Lima).

Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que não compreendem os teus meios-dias voluptuosos / as tuas redes pesads de corpos eurrítmicos, que se balançam nas sombras úmidas / as tuas casas de adobe que dormem debaixo dos cardos / os teus canaviais que estalam e se derretem em pingos de mel / as tuas solidões, por onde o índio passa, coberto de ouro, entre rebanhos de cabras / as tuas matas que chiam, que trilam, que assobiam e fervem / os teus fios telegráficos que enervam a atmosfera de humores humanos / os martelos dos teus estaleiros / os ilvos das tuas turbinas / as torres dos teus altos fornos / o fumo de todas as tuas chaminés / e os teus silêncios silvestres que absorvem o espaço e o tempo?/ Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que se não debruçam sobre os trágicos suores das tuas sestas bárbaras? / No teu sangue mestiço crepitam fogos de queimadas / juízes, tribunais, leis, bolsas, congresso, escolas, bibliotecas / tudo se estilhaça em clarões, de repente, nos teus pesadelos irremediáveis / Ah! Como sabes queimar todos esses troncos da floresta humana / e refazer, como a Natureza, a tua ordem pela destruição! / Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que não vêem essas bocas marítimas que te alimentam de homens / que atulham de combustível as fornalhas dos teus caldeamentos / onde estão eles que não vêem todas essas proas entusiasmadas / e esses guindastes e essas gruas que se cruzam / e essas bandeiras que trazem a maresia dos fiordes e dos golfos / e essas quilhas e esses cascos veteranos que romperam ciclones e pampeiros / e esses mastros que se desarticulam / e essas cabeças nórdicas e mediterrânicas que os teus mormaços vão fundir em bronze / e esses olhos boreais encharcados de luz e de verdura / e esses cabelos muito finos que procriarão cabelos muito crespos / e todos esses pés que fecundarão os teus desertos! / Teus poetas não são dessa raça de servos que dançam no compasso de gregos e latinos / teus poetas devem ter as mãos sujas de terra, seiva e limo / as mãos da criação! / E a inocência para adivinhar os teus prodígios / a agilidade para correr por todo o teu corpo de ferro, de carvão, de cobre, de ouro, de trigais, milharais e cafezais! / Teu poeta será ágil e inocente, América! / A alegria será a sua sabedoria / a liberdade será a sua sabedoria / a sua poesia será o vagido da tua própria substância / América, da tua própria substância lírica e numerosa / do teu tumulto ele arrancará uma energia submissa / e no seu molde múltiplo todas as formas caberão / e tudo será poesia na força da sua inocência. / América, teus poetas não são dessa raça de servos que dançam no compasso de gregos e latinos! (“Toda a América” – Ronald de Carvalho).

Muro que hoje separa / os homens / em passado e futuro. / Muro do absurdo / que divide, agora / o coração em dois: / em oriente e ocidente. / Divide o sol em dois:/ em dois mistérios. / Divide o mundo em dois: / em dois hemisférios. / Ou em dois cemitérios? / No labirinto / do desentendimento humano / o anjo rebelde / se debate, em busca / de uma saída. / E, ao mesmo tempo, é expulso / de uma cor para outra / deixando os pés escritos / em areia e neve / na rude geografia / das injustiças. / (Só a dor e as estrelas / são universais) / Mas, como destruí-lo? / Com as velhas trombetas / de Jericó / já douradas de pó? / Recolocando, no ar / em seu lugar, agora / o novo arco celeste / de uma ponte pênsil? / Ou com a lira em flor / que Anfião tocou em Tebas? / Anfião, a quem possam / as pedras transformar-se / de novo, em pássaros? / Ou com o sol de hidrogênio / se só pelo consolo / de morrermos, todos / - todos, ao mesmo tempo - / e, assim, um ser irmão / do outro, por prêmio? / Ah! O herói obscuro / a quem – todos – pudéssemos / os que sofremos, dentro / e fora do muro / de um só mal, todos presa / ofertar, toda em ouro / a coroa mural. / Igual à que os romanos / num afresco antigo / estão oferecendo / sob um céus de turquesa / ao primeiro soldado / que escalou a muralha / de uma fortaleza. / O dia é geográfico / a noite é universal / mas, se Deus ouvir rádio / esteja onde estiver / ouvirá o meu grito: / por que a noite nos une / e o dia nos separa? ( “Coroa Mural” – Cassiano Ricardo).

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