terça-feira, 21 de dezembro de 2010

DIREITO

Problemas internos da magistratura.

O Supremo Tribunal Federal, na sessão de 15/12/2010, apreciou mandado de segurança impetrado pela associação dos magistrados paulistas contra decisão do Conselho Nacional de Justiça. A questão versava indenização por férias não gozadas. O direito a férias anuais por 60 dias está previsto na lei complementar federal 35/1979. Se o julgamento da lei de imprensa for tomado como paradigma, a lei orgânica da magistratura nacional - LOMAN (LC 35/79) terá o mesmo destino, pois também lhe falta eficácia por não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988. Assim como a lei de imprensa, a LOMAN foi gerada dentro da mentalidade autocrática, incompatível com a mentalidade democrática que permeia o posterior texto constitucional. Perceptível a hostilidade da oligarquia militar em relação aos juízes quando elaborou o projeto pelas mãos do seu ministro da justiça, submeteu-o aos trâmites ligeiros de um congresso nacional coarctado e o promulgou como lei após vetar as poucas modificações introduzidas pelos legisladores ordinários.

O caráter constrangedor e punitivo da LOMAN não se compadece com as prerrogativas necessárias ao desempenho da função judicante. Livrar o juiz de amarras políticas, de ameaças aos subsídios, ao bem estar de sua família, à estabilidade no cargo, representa segurança aos jurisdicionados e maior probabilidade de decisões justas, proferidas sem receio de represálias dos poderosos, sentenças brotadas da consciência, da boa aplicação do direito, da verdade obtida no devido processo legal em que são permitidos o contraditório, a ampla defesa, a investigação plena e a larga apreciação das provas.

O período de férias poderá ser discutido na elaboração da nova lei orgânica prevista na vigente Constituição (art. 93). Possivelmente, entre outros fatores, levar-se-á em conta: (i) o desgaste mental e emocional decorrente da atividade judicante, agudo nos juízes que trabalham nos cinco dias úteis da semana, mais aos sábados e domingos no lar, para manter o serviço em dia; (ii) o contexto social e as diferenças regionais do imenso território brasileiro.

Ao juiz devem ser pagas as férias não gozadas quando o tribunal não as concede por necessidade do serviço. O Estado não tem o direito de se locupletar com o sacrifício das férias do magistrado. Quando não houver óbice ao gozo das férias, não há falar em indenização. Ao juiz cabe gozá-las e não negociá-las, sob pena de frustrar o objetivo fundamental desse direito: recuperar energias, descanso, lazer, desfrutar maior tempo junto à família. As férias também interessam aos jurisdicionados que esperam uma prestação jurisdicional ágil, lúcida e justa. Ao jurisdicionado não interessa ver o seu caso apreciado por um juiz cansado, nervoso, impaciente, irritadiço. O descanso do juiz significa maior probabilidade de decisões equilibradas.

A ministra Ellen Gracie abordou questão nevrálgica: as férias não seriam negadas por necessidade de serviço se todas as vagas da magistratura fossem preenchidas. A observação foi contestada: são realizados concursos públicos anualmente e assim mesmo as vagas não são preenchidas. A réplica da ministra foi pertinente e sensata: então, algo está errado, porque há candidatos aos milhares. Realmente, na esfera estatal, os subsídios dos magistrados estão entre os mais altos da república e isto atrai milhares de candidatos. Improvável, pois, que entre esses milhares não haja 20% preparados para exercer a judicatura.

A ministra acenou com o despreparo das bancas examinadoras como uma das possíveis causas da falta de preenchimento das vagas. Há outras, entre as quais, a reserva de vagas aos apadrinhados que estão por chegar (filhos, genros, noras, esposas, amantes, parentes, amigos). Astúcia para beneficiar os apadrinhados não falta. Os outros candidatos estudam anos a fio, atualizam-se com os códigos, a jurisprudência e a doutrina. Certamente, a maioria desses candidatos é moral e intelectualmente idônea. Perante essa maioria qualificada é possível que os examinadores se sintam inferiorizados.
Os magistrados que se beneficiaram do censurável esquema gostam de participar das bancas examinadoras. Corrigem as provas com superior espírito de magíster, embora a sua inteligência possa não superar a de um asno. Correção às pressas para eliminar o maior número possível. Ganham com isso: (i) os tribunais com as taxas de inscrição pagas por milhares de candidatos a cada concurso; (ii) os cursos preparatórios montados por juízes; (iii) os padrinhos que pouco se importam com a qualificação dos futuros juízes, desde que os seus afilhados ingressem na carreira. Questões de provas mal redigidas e estranhas ao objetivo de avaliar a experiência e o conhecimento dos candidatos e selecionar os melhores. Questões formuladas de modo extravagante com destinatários certos e que sabem a resposta desejada pela banca. Preenchidas as vagas reservadas, as sobras ficam para os sem padrinhos. Desse contexto resultam: mediocridade da magistratura, piora na qualidade da prestação jurisdicional, descontentamento da população, desmoralização da Justiça, repercussão internacional negativa.

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