terça-feira, 2 de novembro de 2010

POLÍTICA

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Resultado memorável para a história política e social do Brasil: mulher eleita presidente da república. Maria I, rainha de Portugal, Brasil e Algarves reinou, mas não governou, pois sofria de doença mental. O governo era exercido por seu filho João, príncipe regente. Acossada por Napoleão, na Europa, a família real trasladou-se para a América portuguesa (1808). O Brasil ainda era colônia; não existia como nação, nem como Estado soberano. Só em 1815, carta régia expedida pelo príncipe regente elevou a colônia à categoria política de reino, porém, unido ao de Portugal. No ano seguinte, a rainha faleceu. Durante o império, a titularidade do poder coube aos imperadores, com o interregno da regência masculina entre a abdicação de Pedro I (1831) e a maioridade antecipada de Pedro II (1840). Izabel, herdeira do trono, governou o Brasil em virtude do afastamento temporário do pai, imperador Pedro II. A escravatura foi abolida quando Izabel governava o país. A república sempre foi governada por homens, desde a sua proclamação, em 1889, até 2010.

Nestas eleições populares de 2010, o corpo eleitoral da república brasileira compõe-se de 135.804.433 cidadãos. Desse total, no segundo turno da eleição, em números redondos, 55.750.000 eleitores votaram em Dilma Rousseff, 43.710.000 em José Serra e 36.340.000 não escolheram candidato (votos brancos, nulos e abstenções). Em termos negativos: 80 milhões de eleitores não votaram em Dilma e 92 milhões de eleitores não votaram em Serra. Por outro lado, impressiona a quantidade de eleitores que não escolheu qualquer dos candidatos. Centenas de países no mundo não têm essa quantidade de habitantes. Cresceu a parcela do eleitorado brasileiro desencantada com a política partidária e que se nega a escolher entre as quadrilhas que disputam o governo. Essa parcela – que continuará a crescer até o ponto de saturação, se os maus costumes persistirem – exige ética na política, honestidade e competência dos agentes do poder público e dos agentes administrativos do Estado.

Em percentuais, verifica-se que 42% do eleitorado brasileiro votaram em Dilma, 32% em Serra e 26% não escolheram candidato. Em relação ao primeiro turno das eleições presidenciais, os votos negativos (brancos, nulos e abstenções) aumentaram de 25% para 26% no segundo turno. Isto revela que, dos eleitores de Marina Silva, aproximadamente 900.000 anularam o voto, 8.100.000 votaram em Dilma e 10.600.000 votaram em Serra.

Os eleitores do primeiro turno mantiveram os votos nos seus candidatos. Realmente, em números redondos, Dilma obteve 47.600.000 votos no primeiro turno, que somados aos 8.100.000 migrados de Marina, resultou os 55.700.000 do segundo turno; Serra obteve 33.100.000 no primeiro turno, que somados aos 10.600.000 migrados de Marina, resultou os 43.700.000 do segundo turno. Do mapa eleitoral, constata-se que na região desenvolvida do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste) o candidato Serra venceu. A exceção coube ao Estado do Rio de Janeiro, onde Serra foi superado por Dilma. Exceção de peso político, pois o Rio de Janeiro é o terceiro maior colégio eleitoral do país; quantitativamente, só fica atrás de São Paulo e Minas Gerais. Na região menos desenvolvida do Brasil (Norte e Nordeste), a candidata Dilma superou o adversário.

A candidata obteve êxito graças ao eleitorado de Luis Inácio, à fidelidade e à garra da militância petista, à colaboração dos partidos coligados, principalmente o PMDB, e ao empenho pessoal e pertinaz do presidente da república. Isto pode sugerir vínculo de subordinação da eleita. Hipótese improvável. Talvez aconteça nos primeiros meses ou no primeiro ano do mandato de Dilma, em homenagem e preito de agradecimento e lealdade ao seu criador e protetor. Depois desse período de incubação, o vírus governamental romperá a membrana que o envolve. A espada do poder cortará o cordão umbilical.

O perfil autoritário da futura presidente clama por autonomia, a indicar ausência de vocação para títere. Aliás, em país democrático como o Brasil, cuja frouxidão moral e costumes licenciosos são notórios internacionalmente, o autoritarismo do governante é necessário quando se busca eficiência; atitudes enérgicas devem ser tomadas para cumprimento das ordens e das metas governamentais; delicadeza e palavras doces na gestão da coisa pública geram roubalheira, desobediência, desrespeito e embromação.

O papel de camareira também não combina com a forte personalidade da candidata eleita. Em 2015, certamente, Luis Inácio não se deitará em cama preparada por Dilma. Ela tem dignidade e amor próprio. A comparação com o general Eurico Gaspar Dutra, que teria preparado a cama para Getúlio Vargas, não tem cabimento. Dutra exerceu a presidência com dignidade, autoridade e profundo respeito à Constituição. Tinha plena e amadurecida consciência de que a lei magna de 1946 fora votada pelos representantes do povo brasileiro em assembléia nacional constituinte e que respeitá-la equivalia a respeitar a nação brasileira. O retorno de Getúlio Vargas não se deve a Dutra e sim à força política do caudilho gaúcho e à tradição republicana que vedava a reeleição.

O panorama político, econômico e social do Brasil em 2010, difere do panorama de 1946. Caso Dilma faça um bom governo, será reeleita por seus próprios méritos, ainda que não consiga desbaratar a quadrilha incrustada no palácio, até por companheirismo e lealdade ao chefe. Espera-se que Dilma seja leal à nação brasileira; que execute o programa apresentado na campanha eleitoral; que honre o compromisso que prestará ao tomar posse no cargo de presidente da república: manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil (CF 78).

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