domingo, 17 de setembro de 2023

ÉTICA NO FUTEBOL

O agir humano rege-se por impulsos instintivos e por normas convencionais. A origem dos impulsos é irracional. O pensamento, o sentimento, a vontade e a experiência dos humanos estão na origem das normas convencionais de natureza moral (obediência livre) e de natureza jurídica (obediência obrigatória). Desobedecer às regras morais enseja censura pela família e pela sociedade. Desobedecer às normas jurídicas enseja punição pelo estado. A desobediência também pode ser reprovada pelo tribunal da consciência. As normas jurídicas produzidas pelo estado são de maior extensão e estão contidas nas leis. As normas jurídicas produzidas pela sociedade são de menor extensão e estão contidas nos contratos. Inato, o senso moral está presente tanto na produção das normas jurídicas como na produção das normas éticas.

O refinamento intelectual distingue Ética e Moral. No entanto, a real distinção limita-se à origem das palavras. Ética vem do grego ethos. Moral vem do latim mores. Ambas têm o mesmo significado: costume, conjunto das regras de conduta obedecidas constante e historicamente como se fossem escritas e obrigatórias. Em nível prático, Ética ou Moral compõe-se dessas regras que orientam o comportamento humano. Em nível teórico, Moral ou Ética é a ciência do bem e do mal, estudo metódico e sistemático desse fenômeno cultural normativo.

A universal lei do movimento atua não só no mundo da natureza como também no mundo da cultura. Os costumes mudam conforme as vicissitudes sociais, econômicas e políticas das diversas nações no curso dos anos e séculos. Na cultura ocidental, valores morais como justiça, bondade, veracidade, honestidade, estão dominados pelo utilitarismo. O bem e o mal são vistos através da lente econômica e mudam de posição conforme mudam os interesses. Disto, resultou um pragmatismo divorciado dos preceitos morais que, de um modo geral, inseriu-se no lar, na escola, na empresa, no clube, enfim, nas instituições civis, militares e religiosas.

No setor esportivo, ocorrências publicadas na imprensa revelam a fraqueza moral de atletas, treinadores e dirigentes. Recentemente (2023), um jogador acusado de agredir a namorada foi excluído da seleção brasileira enquanto outro jogador, acusado de estuprar a namorada, foi incluído na seleção brasileira. O critério moral do treinador e dos dirigentes mostrou-se flutuante. Certamente, a pecúnia é brisa que sopra nessa biruta. Provavelmente, por constatar essa realidade, o apresentador do programa “Os Donos da Bola”, da TV Bandeirantes, distinguiu a seleção da CBF da seleção idealizada por ele, notável craque do passado que, no presente, afoito e mal-educado, interrompe os convidados quando estão falando e opinando. A distinção permite os acréscimos: [1] Na seleção da CBF pesa mais o dinheiro no preenchimento das vagas [2] Na seleção do povo pesam mais o bom caráter, a honestidade, o talento, o refinamento técnico e a eficiência dos jogadores [3] A seleção da CBF é real [4] A seleção do povo é virtual.

Nas competições eliminatórias para a Copa do Mundo/2026, partida Brasil x Bolívia, por haver tirado doce das mãos de criança, o artilheiro foi considerado gigante pelo treinador. Com base em petulante enganação, o jogador recebeu – sem merecer – placa de maior artilheiro da seleção brasileira por ter supostamente superado a marca de Pelé. Na ocasião, o jogador disse que a placa não significava ser ele melhor do que Pelé. Isto nem precisava ser dito, salvo por falsa modéstia. Ele nunca foi melhor do que Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho. Isto sem falar de outros notáveis como Domingos da Guia, Djalma Santos, Nílton Santos, Carlos Alberto, Gérson, Júnior, Falcão, Sócrates, Ademir da Guia, Didi, Zizinho, Ademir Menezes e Leônidas. Perto destes, quer como pessoa, quer como atleta e cidadão, o emplacado é nanico.

No que tange à artilharia da seleção, o trono ainda é de Pelé com 95 gols. Seguem-se: Neymar com 79 gols, Ronaldo Nazário com 67, Zico com 66, Romário com 56. Outro é o cenário que resulta do cálculo proporcional [mais adequado para esse tipo de classificação] quando é considerada a quantidade de jogos dos quais cada jogador participou. A lista dos maiores artilheiros da seleção tem as seguintes médias: Pelé 0,93; Romário 0,77; Zico 0,68; Ronaldo 0,63; Neymar 0,62.

A lógica matemática não mente, porém, os falsificadores manipulam os números segundo os seus interesses. Eles surrupiaram 18 gols feitos por Pelé em jogos da seleção a fim de que o “gigante” deles pudesse ultrapassá-lo. Argumentaram que gols feitos em jogos da seleção contra clube ou contra selecionado de clubes não podem ser computados na artilharia. Tal vedação não consta do código do futebol e nem dos bons costumes. No futebol, artilharia é arma de ataque. O artilheiro toca na bola (chute, cabeceio) imprime força e velocidade à bola (projétil) arremessando-a contra o gol adversário (alvo). O êxito desse movimento (passagem da bola para o espaço interior das traves) entra para o cabedal do artilheiro, pouco importando se aconteceu em jogo amistoso ou de campeonato, se o adversário era um clube, um selecionado de clubes ou uma seleção nacional. 

Retirar, em proveito próprio ou de terceiros, gol da conta do artilheiro, tipifica ato ilícito sob o prisma moral e jurídico. O “gigante” deles escorou-se no prestígio de Pelé. Na carreira, o “gigante” também está longe de alcançar a marca de Pelé (1.282). Antes de pendurar as chuteiras, jogando mais deitado do que em pé [royalties para Casagrande], mais andando do que correndo, o “gigante” talvez chegue à marca do Romário. Ao sair da Europa, o “gigante” causou alívio aos europeus. Isto indica que o patrimônio material ainda não aniquilou o patrimônio moral de uma parcela da humanidade. Isto também lembra que Gulliver só era gigante no país dos liliputianos.

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