sexta-feira, 9 de setembro de 2022

PISO SALARIAL

Na sociedade e no estado há questões sociais, econômicas e políticas mescladas que exigem a coordenação e a intervenção dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Disto, há exemplo recente no Brasil: a celeuma provocada por lei de iniciativa do legislativo, sancionada pelo executivo e questionada no judiciário. 

O Congresso Nacional elaborou e o Presidente da República sancionou lei fixando piso salarial aos profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos, auxiliares, parteira). Entidade da área da saúde arguiu perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade dessa lei. “Ad cautelam”, o relator da arguição suspendeu liminarmente os efeitos da lei até que o tribunal, na sua composição regimental, conheça e julgue em definitivo o caso. 

Entre outros argumentos, alega-se que (i) a iniciativa dessa lei especial cabia ao presidente da república e não ao legislador (ii) faltou especificar as fontes de custeio diante do impacto financeiro dessa lei federal (iii) violou-se a autonomia dos estados e municípios e o modelo federativo de estado adotado pela Constituição da República. 

O que se questiona, portanto, não é o merecimento dos profissionais de enfermagem ao piso salarial e sim a violação de norma orçamentária para a sua concessão. A modalidade de remuneração básica por serviços prestados foi instituída no século XX como (i) valorização do trabalho assalariado (ii) proteção do empregado contra a exploração do empregador (iii) garantia de padrão de vida digna da pessoa e da família do trabalhador. Para o setor privado, a lei estabelece: (i) salário-mínimo geral para todos os trabalhadores (ii) salário-mínimo especial para determinada categoria de trabalhadores (piso salarial). No setor público, o tratamento jurídico da remuneração básica é específico tendo em vista que os recursos financeiros saem do erário. 

Como estamos em ano eleitoral, a questão jurídica assumiu contornos políticos partidários ao sabor do oportunismo e dos interesses dos candidatos ao Senado, à Câmara dos Deputados e à Presidência da República. Todos apresentam-se como defensores da remuneração dos profissionais de enfermagem, exibem solidariedade à classe, tudo visando a conquista do voto desse eleitorado. 

Ao STF coube as antipatias quando, na verdade, esse tribunal foi provocado para, no devido processo legal, exercer a sua função precípua: dizer se a lei está ou não está em harmonia com a Constituição. O tribunal somente agiu depois que alguém pediu que agisse. O relator despachou a petição, como era do seu dever, com a devida cautela, de modo a evitar lesão de difícil reparação aos cofres públicos decorrente da aplicação de lei provavelmente inconstitucional por contornar normas orçamentárias. O relator, na sua decisão monocrática, não retirou a vigência da lei, mas tão só e provisoriamente a sua eficácia. A lei permanece na ordem jurídica. O plenário do tribunal decidirá se retira ou não retira o vigor da lei impugnada.  

Na administração pública de qualquer dos poderes do estado, o equilíbrio entre receita e despesa é fundamental. A obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade é obrigatória e inafastável. Nenhuma despesa deve ser autorizada sem a correspondente previsão da receita. No que tange à remuneração do funcionário público, qualquer aumento só pode ser concedido se houver prévia dotação orçamentária. [CR 37 + 165: §8º + 169: §1º, I]. 


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