quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O MAL PERENE

Mulheres e homens em suas comunidades buscam: (i) o bem em tudo o que lhes conforta a alma: justiça, verdade, bondade, beleza, santidade (ii) o bom em tudo o que lhes for necessário e útil: ar, água, alimento, agasalho, abrigo, fogo, parceria sexual. A natureza fornece-lhes matéria de subsistência e neles desperta apetites, desejos, vontades, sentimentos e pensamentos. O trabalho permite-lhes realizar os seus objetivos. Dessas vivências conexas, vistas como unidade psicossomática e consciência social, resultam normas de cunho religioso, ético e jurídico configuradoras do mundo da cultura. A violação dessas normas significa o mal na sociedade humana. Para o infrator, o castigo é um mal; para a sociedade, um bem. Há vários tipos de castigo: excomunhão, exoneração, exílio, expropriação, multa,  constrição, amputação, prisão, morte (veneno, fogueira, forca, fuzilamento, cadeira elétrica, injeção). 
A domesticação do animal humano pela educação e pelo castigo integra o mundo da cultura no interior do mundo da natureza. A doutrina religiosa nega – a teoria científica afirma – a natureza animal da espécie humana. O homem é um animal racional e político (Aristóteles). “O credo metafísico” [religioso, místico] “é uma consequência equivocada das emoções, embora essa emoção, colorindo e informando todos os outros pensamentos e sentimentos, seja inspirador do que há de melhor no Homem” (Bertrand Russell). 
Comum é atribuir o mal aos outros. Depois da guerra mundial (1939-1945) os EUA assumiram a postura de delegados de Deus e defensores do bem. Rotularam a URSS de império do mal. O capitalismo é o bem. O socialismo é o mal. A república é o bem. A monarquia é o mal. O cinema serviu de veículo da propaganda do poderio econômico e estratégico dos EUA. Nos filmes, o herói é americano branco e o vilão é russo, índio ou negro. Nos filmes israelenses da atualidade, o judeu é o herói e o árabe é o vilão. 
O bem e o mal são coetâneos do homem, companheiros inseparáveis da humanidade. A dualidade angelical/diabólica da natureza humana responde pela perenidade do bem e do mal. A humanidade melhora ou piora conforme a primazia seja dada (i) ao polo angelical, conjunto positivo de pensamentos, sentimentos e condutas ou (ii) ao polo demoníaco, conjunto negativo de pensamentos, sentimentos e condutas. 
Das leis, dos tratados internacionais, das declarações de direitos, constam o apreço pelo bem e o desprezo pelo mal. Textos religiosos e moralistas apostam na vitória do bem sobre o mal. Inventam (i) paraíso celestial como feliz destino dos praticantes do bem (ii) inferno como infeliz destino dos praticantes do mal. Absolutos no plano conceitual, bem e mal são relativos no plano empírico. O bem no passado pode ser o mal no presente. O mal no passado pode ser o bem no presente. Esse passado pode ser de milênios, de séculos, ou de anos, conforme a velocidade das mutações culturais em cada época e em cada região do planeta. O mal pode despertar a consciência para o bem.  
A colonização da América revestiu-se de maldade. Nativos e africanos escravizados receberam tratamento cruel. Os colonizadores castelhanos e portugueses tinham motivo mercantil e justificativa religiosa. 1. Explorar as riquezas minerais e vegetais das colônias em benefício da Espanha e Portugal. 2. Propagar a religião cristã. Jesuítas e franciscanos tinham por missão evangelizar os índios, salvar-lhes as almas, amoldá-los à civilização, livrá-los do mal. Tratavam os índios como bárbaros sem lhes reconhecer cultura e humanidade. 
Os navegantes europeus civis, militares e religiosos, invasores da terra do pau-brasil, estavam autorizados pelo rei e pela igreja a combater o mal. Isto implicava distribuir justiça, manter a ordem, domesticar os índios, preservar a vida dos submissos e tirar a vida dos insubmissos. Dentre os índios (i) submissos, muitos morreram em consequência das moléstias de que eram portadores os europeus (ii) insubmissos, muitos foram mortos pelas armas dos bandeirantes e dos mestiços. 
“Mal necessário em defesa de um bem maior”. Tal tem sido a justificativa para as atrocidades praticadas pelos donos do poder no curso da história.
Antes da descoberta da América, Dom Henrique de Avis (1394-1460), católico fervoroso, irmão do rei de Portugal, já apresentava essa justificativa salvacionista. As velas dos seus navios ostentavam a cruz de Cristo. Segundo ele, os tempos do Pai e do Filho haviam passado. Iniciava-se agora o milênio do Espírito Santo que traria amor e alegria. Para maior glória de Deus, seriam convertidos ao cristianismo os nativos e os muçulmanos que fossem encontrados nas terras a serem descobertas. A profecia para o milênio 1400-2400 ainda não se tornou realidade, ao contrário, os canais da maldade se multiplicaram e se universalizaram. Amor, paz, alegria, são momentos efêmeros nos intervalos dos conflitos. Ódio, hipocrisia, competição selvagem, guerra, são de usual constância. A eficácia das leis nacionais e dos tratados internacionais dura só enquanto atendem aos interesses do mais forte. Os direitos e interesses dos vulneráveis são negligenciados. 
No Brasil, a sociedade e o estado regurgitam maldade. Vitória do mal sobre o bem. Escuridão da alma brasileira. Frequentes abusos no exercício da autoridade e da liberdade. Nação debilitada. Cidadania manietada. Dignidade humana pisoteada. Extremas desigualdades nos campos econômico e social. Pessoas passando fome, aos milhões. Pessoas mortas por omissão do governo na pandemia, aos milhares. Poderes da república estremecidos. Militarismo. Legislação e jurisdição desvirtuadas. Sinais da certeza de impunidade: 1. Democracia desafiada abertamente no avanço do nazifascismo 2. Corrupção desenfreada nas esferas pública e privada 3. Explícita discriminação em razão da cor, raça e sexo das pessoas 4. Orçamentos públicos secretos 5. Mudança na Constituição a fim de proteger criminosos do colarinho branco.

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