quinta-feira, 11 de agosto de 2022

MANIFESTOS

No dia 11 de agosto de 1827, a fim de aparelhar a política e a administração pública com pessoal confiável, o imperador Pedro I, ainda no ardor da luta pela independência do Brasil, assinou a carta imperial de fundação dos dois primeiros cursos de ciências jurídicas e sociais do Brasil: o da cidade de Olinda, instalado no mosteiro de São Bento (Norte do Brasil) e o da cidade de São Paulo, instalado no convento de São Francisco (Sul do Brasil). Ambos passaram a funcionar no ano seguinte. Cinco anos depois, formaram os primeiros bacharéis em terra brasileira. Antes, só Coimbra oferecia o curso de direito. Poucas famílias podiam enviar os filhos a Portugal. O governo português só reconheceu a soberania do Brasil em 1825, ao celebrar a paz e ser indenizado.
No dia 11 de agosto de 1977, nas arcadas da vetusta Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, localizada no Largo de São Francisco, região central da capital paulista, foi lido publicamente um manifesto contra a ditadura militar e a favor da redemocratização do país. Intitulado Carta aos Brasileiros – Proclamação de Princípios, o manifesto escrito e lido pelo professor Goffredo Telles Junior, ao ensejo do sesquicentenário dos cursos jurídicos no Brasil, repercutiu nacionalmente e inspirou outros movimentos. 
No dia 11 de agosto de 2022 (hoje), na vetusta Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foram lidos publicamente dois manifestos em defesa da democracia: (i) um elaborado pela elite econômica e lido no salão nobre da faculdade, precedido de pronunciamentos do diretor e de representantes dos trabalhadores, estudantes, professores, artistas, juristas e movimentos sociais (ii) outro elaborado pela elite intelectual e lido a quatro vozes no pátio das arcadas, precedido de pronunciamentos do diretor da faculdade e da presidente do centro acadêmico e sucedido pela execução do hino nacional. Esses manifestos receberam apoio da massa popular. O da elite intelectual foi subscrito por quase 1 milhão de pessoas; o da elite econômica, por dezenas de entidades. Houve leituras no Distrito Federal e nos estados federados, dentro e fora de universidades, numa formidável comunhão nacional. 
Na faculdade paulistana de direito retro citada, eu frequentei, sem apresentar dissertação final, o curso de especialização em filosofia e sociologia jurídicas ministrado pelo professor Miguel Reale (1968). O conhecimento haurido nesse curso ampliou a minha compreensão do direito e muito contribuiu para minha aprovação em dois concursos públicos: um para a magistratura do Paraná (1970) e outro para a magistratura da Guanabara (1973). 
O atual presidente da república, obtuso líder do nazifascismo no Brasil, apelidou de “cartinha” o manifesto da elite intelectual gerado na faculdade de direito do Largo de São Francisco. O tratamento pejorativo é mais um dos elementos reveladores da ignorância e do despeito desse presidente por não ter o apoio das mais refinadas expressões da inteligência e da cultura da nação brasileira. Com tal censurável atitude, ele patenteou a sua boçalidade. Para aumentar o seu desgosto, milhares de pessoas (talvez supere 1 milhão) subscreveram a "cartinha" e inúmeras compareceram aos locais de leitura, ouviram e aplaudiram. Além disto, o texto circulou pela rede de computadores, por jornais impressos e por canais de televisão, para conhecimento geral dos brasileiros e de outros povos.
Manifestar significa externar, desabafar, tornar público o que era privado, expor o que estava oculto, libertar o potencial de alguma coisa (como o átomo, por exemplo). Manifesto significa tanto a ação de manifestar como o seu resultado (explosão, erupção, passeata, comício, documento). A natural liberdade de expressão permite às crianças, aos adolescentes e adultos de ambos os sexos manifestarem seus pensamentos, sentimentos, vontades, desejos, intenções, por diferentes modos (oral, escrito, gestual, birra, direto, simbólico), diferentes lugares (lar, escola, empresa, sindicato, teatro, praça pública) e diferentes veículos de comunicação (jornal, revista, livro, rádio, cinema, televisão, rede de computadores, telefone celular).
Os dois manifestos hoje lidos enaltecem o estado democrático de direito e se posicionam contrários ao regime autocrático de governo. Os sintomas do mal despertaram a consciência do bem e provocaram a reação da sociedade civil. A escuridão em que se encontra a alma brasileira necessita da luz da razão. Os abusos no exercício da autoridade são frequentes. Nação debilitada, cidadania manietada, dignidade humana pisoteada, princípios constitucionais violados. Extremas desigualdades nos campos econômico e social. Milhões de pessoas passando fome. Milhares de pessoas mortas por omissão do governo na pandemia. Explícita discriminação por causa da origem, sexo. cor, raça e orientação sexual das pessoas. Meio ambiente degradado em proveito de grileiros, garimpeiros e fazendeiros e em prejuízo dos povos da floresta. Poderes da república estremecidos pela vocação beligerante e autoritária do chefe de governo. Legislação e jurisdição desvirtuadas. Militarismo e avanço nazifascista. Corrupção nas esferas pública e privada. Orçamentos públicos secretos. Propostas de emendas à Constituição com o imoral propósito de proteger criminosos do colarinho branco.


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