quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O PASSADO PUNÍVEL

A escritora Patrícia Mello, no seu artigo que circulou pelo WhatsApp sobre o livro “Those Who Forget” de Géraldine Schwarz, diz que essa escritora franco-alemã conta que (i) o seu avô, filiado ao partido nazista, adquiriu de um judeu, por preço abaixo do mercado, uma companhia de gás (ii) o judeu tinha urgência de sair da Alemanha nazista (iii) depois da guerra, o judeu exigiu a devolução do que vendera (iv) o seu avô insistiu na licitude ética e jurídica do negócio, mas acabou por indenizar o judeu (v) a sua avó também adquiriu em leilão bens dos quais os judeus tinham sido expropriados (vi) o holocausto tornou-se um elemento definidor na identidade histórica da Alemanha, superando o discreto charme do nazismo proveniente da política do governo alemão voltada para o bem-estar, a justiça social, as donas de casa, a taxa zero de desemprego e a grande oferta de entretenimento. No seu comentário ao livro, Patrícia diz (i) que a Alemanha criticou o seu passado, admitiu a sua culpa e responsabilidade e reconstruiu o ethos democrático; (ii) que o Brasil também devia cuidar das duas feridas: a escravidão e a ditadura, fazer um acerto de contas com o passado de crimes dos quais os brasileiros foram cúmplices por conformismo, oportunismo, indiferença, cegueira ou medo. O artigo de Patrícia e o livro de Géraldine merecem ponderação diante dos fatos históricos.
Derrotada na guerra de 1914-1918, a Alemanha defrontou-se com inflação avassaladora. Disto, os judeus se aproveitaram para adquirir dos alemães bens móveis e imóveis a preço baixo. Nas chefias do governo em 1933 e do estado em 1934, vigente a Constituição Social Democrática de 1919 (Weimar), Adolf Hitler e o seu partido nacional socialista dos operários alemães, apoiados pelo parlamento, pela elite financeira e pela massa popular, superaram a crise e fizeram da Alemanha a maior potência econômica e militar do planeta. Pelos crimes de que são acusados, a responsabilidade moral é coletiva (governantes + governados) e a responsabilidade jurídica é individual (de quem os praticou). Algumas dessas acusações colidem com o princípio universal de direito penal: nullum crimen nulla poena sine lege
Multidões compareciam aos comícios do Führer. Compartilhavam dos seus sonhos de grandeza; orgulhavam-se da superioridade ariana; aplaudiam o projeto de afirmação nacional e de expansão territorial; testemunhavam o tráfego de trens em direção aos campos de concentração e extermínio. O nazismo era aceito, admirado e respeitado não só pelo povo alemão, mas, também, por outros povos da Europa, da Ásia e da América (inclusive o Brasil). Na ancestralidade de qualquer teuto-francês, ou teuto-brasileiro, encontram-se cidadãos comuns, funcionários públicos, membros do partido e das forças armadas, vinculados à ideologia nazista. Disto, os avós de Géraldine servem de exemplo. Ainda hoje, no Brasil, há nazistas tanto na elite econômica e social como na massa popular.  
O governo nazista iniciou a sua queda com (i) a volúpia dos governantes (ii) o deslumbramento pelo notável êxito alcançado (iii) a ilimitada ambição para dominar todos os povos da Europa continental e insular. Ao atacar a Inglaterra e a Rússia, ao mesmo tempo, o governo nazista assinou o seu atestado de óbito. Os ingleses foram socorridos pelos americanos; os russos usaram potência própria; aliados, eles empurraram os soldados alemães de volta a Berlim. O nazismo, então, passou a ser considerado o lobo mau. No período da pujança, os alemães compravam por baixo preço os bens móveis e imóveis dos judeus que fugiam da Alemanha. Adquiriam os bens mediante tratativas bilaterais entre civis, ou, nos leilões. Após a derrota da Alemanha (1945), os judeus, espertamente, pediram a devolução daqueles bens comprados pelos alemães civis. A esperteza dos judeus está mencionada na insuspeita narrativa do professor Norman G. Finkelstein, judeu estadunidense, no seu livro “A Indústria do Holocausto” (São Paulo, Editora Record, 2001). 
Quanto à escravidão, trata-se de fenômeno social e econômico do mundo civilizado que acontece desde a Antiguidade. Em cada época e em cada cultura, cada povo apresenta a sua justificação. Na terra do pau-brasil, os índios e os negros foram escravizados pelos portugueses para fins mercantis e para trabalhos domésticos (1500 -1825). Nessa época, o Brasil não existia como nação e nem como estado soberano; era colônia portuguesa na América. Como estado soberano, o Brasil nasceu em 1825 ao celebrar a paz com Portugal e findar a guerra da independência. A partir daí, a nação brasileira vai se formando: mazombos + índios e negros ladinos (aculturados) + caboclos + mulatos + cafuzos + imigrantes europeus e asiáticos. Aproximadamente, a escravidão dos negros durou 287 anos sob o governo português (1538-1825) e 63 anos, sob o governo brasileiro (1825-1888). Nos períodos colonial e imperial, a massa popular era passiva, rebanho conduzido primeiro pela nobreza e elite financeira de Portugal e depois, pela nobreza e elite financeira do Brasil. A passividade do povo brasileiro se manteve inclusive diante do golpe militar que substituiu a monarquia pela república (1889). 
Quanto à ditadura, trata-se de forma autocrática de governo republicano praticada desde a Roma antiga. No século XX, essa forma de governo vigorou na Europa e na América (inclusive no Brasil). O poder político é exercido autoritariamente por um indivíduo, ou, por um grupo dominante, sem a participação da massa popular. Liberdade individual e direitos fundamentais vigoram fracamente com eficácia restrita. Na autocracia e na democracia latino-americanas o poder político fascina, embriaga e enriquece todos que o exercem. 

  

  

   



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