quinta-feira, 3 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XIII

A ideia de justiça, central no direito, ocupa considerável lugar na vida das pessoas. A criança pode não saber definir justiça, porém, sente o que é – e o que não é – justo. Ela sente que não é justo: (i) o pai bater na mãe (ii) o amiguinho lhe arrebatar o brinquedo (iii) ficar sem presente enquanto outras crianças ganham presentes no Natal (iv) ser castigada pela professora enquanto o colega que lhe desviou a atenção durante a aula ficou impune (v) a zombaria por ser gorda, vesga, quieta, retraída. Parcela da população cristã acredita que a providência divina inclui a justiça retributiva, ou, que o talião é a forma imediata de justiça. Platão suscita dúvida ao ver a prosperidade dos homens maus, injustos, ímpios, que atingiram idade avançada desfrutando grande respeito. Diz que (i) a essência da justiça só pode ser conhecida na alma e por meio da alma (ii) o governo da razão nada mais é do que o governo do bem imanente à razão (iii) o bem deve ser recompensado com o bem e o mal castigado com o mal (iv) aqueles que por natureza são maus e incuráveis em sua alma devem ser mortos. 
“Cada um pode cuidar de apenas um dos negócios relativos ao estado, ou seja, daquele para o qual, por natureza, se encontre mais habilitado. Justiça é cada um fazer a sua parte, sem imiscuir-se em todas as coisas possíveis. Justiça consiste em cada um ter e fazer o que lhe cabe. Entre homens de natureza desigual a igualdade faz-se desigualdade se não se mantém entre eles a relação correta”. [Hans Kelsen].
Essa doutrina corresponde ao cerne filosófico do princípio da separação dos poderes no estado e da divisão do trabalho na sociedade e tem como premissa maior a desigualdade natural entre os humanos. No Brasil, só a minoria da população satisfaz vocação pessoal. Para obter meios de sobreviver, a maioria tem que fazer, de modo formal ou informal, o que se lhe apresenta acessível e oportuno, inclusive mendigar e furtar. Na selvageria da competição urbana, justiça e felicidade são quimeras. O sentido dessas duas palavras revela-se apenas na solidão mística. 
Segundo Kelsen (i) a ideia de justiça é ilusória, mas, a crença nela evita o desespero (ii) o direito positivo funda-se na oposição bem x mal e na justiça retributiva: o crime deve ser punido, o dano causado a outrem deve ser indenizado. Ante essa opinião, convém ponderar: justiça é relação proporcional entre pessoas sob a noção do agir em sintonia com o bem. Justiça é fazer o bem (Platão). Entra na categoria de bem tudo o que atende as aspirações e satisfaz as necessidades do indivíduo e da sociedade sem prejudicar direito alheio, sem escandalizar os valores morais vigentes. Justiça implica relação de igualdade e desigualdade em termos proporcionais e funciona como régua ética do comportamento humano. 
No campo da religião, os humanos distinguem virtude e pecado. No campo da moral, o justo e o injusto. No campo do direito, o lícito e o ilícito. Integram esses três campos, as noções de culpa e inocência.  Os humanos controlam o poder de agir uns dos outros, traçam limites às liberdades, ditam regras de conduta pessoal e de organização social. Pelo exercício do poder composto de força física, posse material, energia moral, sistema legal, conhecimento empírico e intelectual, eles garantem a vigência e a eficácia das normas jurídicas. 
Os fenômenos jurídico e político recebem explicações: [I] teológica, fundada na crença em divindade que revela aos humanos dogmas fundamentais e lhes concede poderes [II] metafísica, fundada na capacidade humana de captar ideias, princípios e normas sem auxílio da experiência, com o exclusivo uso da razão pura [III] positiva, fundada na capacidade humana de extrair ideias, princípios e normas da experiência com o exclusivo uso da razão prática.  
A definição de Aristóteles atravessou os séculos: “o homem é um animal político”. Animal, porque espécie desse gênero dos seres vivos. Político, porque essa espécie animal vive social e racionalmente organizada (família, tribo, nação) sobre um território (floresta, campo, cidade). Os fenômenos jurídico e político têm em comum a natureza social, a desigualdade natural, a inteligência e o senso de ordem dos humanos. A vida humana em nível individual e em nível coletivo é governada por leis naturais e leis culturais que determinam os pensamentos, sentimentos, vontades e ações das pessoas.  
No estágio eolítico do desenvolvimento social, os humanoides viviam sob a égide das leis naturais à semelhança dos animais irracionais. No estágio paleolítico, às leis naturais somaram-se regras ditadas pela razão. Esse estágio exibia certas características: gênero homo (homem de Heidelberg e de Neandertal), instrumentos como o machado de pedra lascada, lança, raspador, furador, faca com cabos de osso ou de madeira. No paleolítico superior, novas características: homo sapiens (25.000 a 10.000 a.C.), mais coisas do que no estágio anterior, divisão funcional do trabalho, pintura e escultura rudimentares. No estágio neolítico: [I] Homo sapiens (10.000 a 1.000 a.C.); [II] Produção diversificada, construção de casas e cidades, população numerosa; [III] Desenvolvimento social e econômico; [IV] Os humanos alcançam o grau de civilização (civis = cidade), extenso uso da escrita, as artes, técnicas e ciências evoluem no seio de uma sociedade complexa; [V] Escassa minoria da população tem acesso aos conhecimentos; [VI] Nasce o estado como organização política (polis = cidade): governo autocrático, dinástico, patrimonial, regras estáveis, força armada para manter a ordem interna e defesa externa, jurisdição dentro das suas fronteiras (Egito + Mesopotâmia = 4.000 a.C.). Incas, Maias e Astecas encontravam-se no estágio neolítico quando os primeiros europeus chegaram à América (século XV).


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