quinta-feira, 24 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XIX

Jurisdição, no sentido amplo, significa “ato de dizer o direito”. Reserva-se a prática desse ato a pessoa legal e profissionalmente autorizada. O direito pode ser dito pelas pessoas no que concerne aos seus privados interesses (i) no sistema da mediação (ii) no sistema da arbitragem. Sem integrar órgão judiciário, firme na sua autoridade empírica, científica e filosófica, o jurisconsulto interpreta o direito positivo em nível doutrinário e, quando solicitado, opina em nível prático e apresenta soluções casuísticas providas de força moral (desprovidas de coercibilidade). O legislador formaliza direitos e deveres visando a determinados fins, presta tutela jurisdicional no processo de impeachment do chefe de governo, investiga atos e fatos que podem tipificar crimes e irregularidades, julga com base em prova documental e pericial a legalidade das contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos. Autoridades administrativas conhecem, processam e decidem à luz do direito, petições de diferentes conteúdos e propósitos.   
As jurisdições dos órgãos legislativo e executivo são autônomas nos casos e procedimentos nos quais a Constituição atribui competência privativa. As decisões ali proferidas têm força jurídica, porém, se ocorrer inconstitucionalidade, entra em cena a jurisdição judiciária, desde que provocada (CR 102, I). 
Jurisdição judiciária consiste no poder estatal exercido pelos juízes e tribunais no devido processo jurídico para resolver controvérsias, declarar o direito, interpretar e aplicar as normas constitucionais e infraconstitucionais nos casos que lhes são distribuídos. A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito (CR 5º, XXXV). [Outrora, o direito subjetivo revelava-se no processo judicial (actio em Roma, due process of law na Inglaterra]
Para ser movimentada, a jurisdição judiciária depende da provocação dos interessados. Sem ação não há jurisdição. Sem autor não há processo. Quanto à extensão [I] no estado unitário, a jurisdição judiciária é una e simples por todo o território [II] no estado composto, a jurisdição judiciária divide-se em (i) federal, abrange o território nacional (ii) estadual, abrange só o território do estado federado. Quanto à matéria, a jurisdição judiciária bifurca-se em civil e penal e se classifica em (i) geral, relativa à justiça não ramificada (ii) especial, relativa à justiça ramificada (trabalhista, eleitoral, militar). Quanto aos graus, a jurisdição judiciária compreende: [I] o primeiro, no qual a lide é resolvida inicialmente, seja por juiz singular, seja por tribunal (competência originária) [II] o segundo, no qual a decisão inicial (sentença ou acórdão) é examinada na instância superior por órgão colegiado (competência recursal ordinária) [III] o terceiro, quando a decisão do segundo é examinada por tribunal superior (competência recursal especial) [IV] o quarto, quando a decisão do terceiro é examinada por tribunal supremo (competência recursal extraordinária).
Essa gradação garante aos jurisdicionados o reexame da lide em prol da certeza e segurança jurídicas. Decisão monocrática em segundo grau é anomalia, pois, fere a garantia do duplo grau de jurisdição e a própria razão de existirem tribunais de justiça. O jurisdicionado já viu o seu caso examinado por um só juiz no primeiro grau. Mediante recurso cabível, pretende ver o seu caso examinado e decidido em conjunto por três ou mais juízes nos superiores graus de jurisdição. Trata-se da garantia constitucional do devido processo jurídico.   
A competência legal atribuída aos juízes e tribunais define-se como medida da jurisdição, limites à atividade judicante traçados pela Constituição. Quando o interesse em jogo for exclusivamente particular e civil, as pessoas podem escolher o foro para as suas demandas (competência relativa de base territorial). Fazem-no, geralmente, no contrato que celebram. Quando há interesse público (como nas esferas criminal, família, trabalhista) as pessoas nada podem dispor a esse respeito (competência absoluta de base territorial). 
O juiz tem o dever de reconhecer o foro. A escolha de juiz pelas partes induz à desconfiança e à suspeição. O juiz da causa é aquele que a lei indica (juiz natural). Se houver pluralidade de juízes com as mesmas atribuições na mesma comarca, conhecerá da ação aquele sorteado pelo mecanismo oficial da distribuição. O juiz que primeiro despachar a petição inicial ficará prevento em relação a outras ações conexas. Reputam-se conexas duas ou mais ações que tenham a mesma causa de pedir e/ou o mesmo objeto. Nessa hipótese, as ações serão reunidas num só juízo para evitar decisões conflitantes. Se duas ou mais ações coincidirem na autoria e na causa de pedir, mas o objeto de uma for mais amplo do que o das outras, a mais ampla encampa as demais no mesmo juízo (continência). 
A Constituição veda: [I] juízo de exceção (como o da vara federal de Curitiba/PR, no caso apelidado “lava-jato”) [II] tribunal de exceção (como o federal de Porto Alegre/RS que deu ilegal e abusiva cobertura ao caso). A independência e a imparcialidade dos juízes são vitais para a confiável, segura e válida prestação da tutela jurisdicional. Nas hipóteses de impedimento ou suspeição, os juízes têm o dever moral e jurídico de se afastar do processo. Por outro lado, ao juiz é defeso delegar as suas atribuições ou eximir-se de julgar quando competente para o caso. No julgamento, o juiz aplicará a lei. Se faltar preceito legal, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. 


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