terça-feira, 15 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XVI

As ficções em direito assemelham-se às presunções no que tange à analogia, à falta de fidelidade à realidade e ao cuidado em não contrariar os princípios fundamentais da ordem jurídica. Elas atendem interesses, utilidades e necessidades garantidos pelo legislador. Assim, por exemplo, a lei considera: [I] pessoa o que é coisa: (i) o estado como pessoa jurídica de direito público (ii) a empresa como pessoa jurídica de direito privado [II] filho legítimo quem é legitimado [III] morta, pessoa viva, porém, ausente (fins sucessórios) [IV] bem imóvel coisa móvel (direitos reais, direitos à sucessão aberta, apólices da dívida pública). Presunção e ficção servem de ferramentas à política do direito. 
Na opinião de Celso, jurisconsulto romano, “conhecer a lei não é apenas saber suas palavras, mas, também, a sua força e poder”. Napoleão, general ditador francês, dizia: “Há no mundo só duas coisas: a espada e o espírito. Com o tempo, é sempre o espírito que vence”. Paulo, autonomeado apóstolo, salientou a primazia do espírito sobre a letra: “Agora, mortos para essa Lei que nos mantinha sujeitos, dela nos temos libertado e nosso serviço realiza-se conforme a renovação do Espírito e não mais sob a autoridade envelhecida da letra”. A Lei a que ele se referia era a judaica (Pentateuco) e não a romana (Lex). O Espírito ali mencionado referia-se à força divina da nova lei (Evangelho do Cristo). A envelhecida letra ali citada referia-se à legislação mosaica exposta na primeira parte da Bíblia (Antigo Testamento). Celso falava do intelecto humano; Paulo, da mente divina. Em outro lugar, ao dizer “a lei é boa contanto que se faça dela uso legítimo” Paulo se referia a qualquer lei. [Bíblia. Novo Testamento. Epistolas. Paulo. Romanos 7:6 + Timóteo 1: 8].
Paulo, nascido Saulo de Tarso, judeu fariseu, oficial da milicia judia caçadora de cristãos, desertor, bandeou-se para o grupo dos apóstolos e outorgou a si próprio o título de apóstolo sem ter conhecido Jesus. Para superar essa dificuldade, ele inventou a audição da voz de Jesus vinda do céu no caminho de Damasco. Esperto, só mencionou a voz, porque se mencionasse a imagem, teria que descrevê-la aos apóstolos da primeira hora (os que conviveram com Jesus) e isto complicaria a sua fantasia. Falsidades desse tipo abundam na Bíblia. Aliás, de verdade histórica, a Bíblia, nos dois testamentos, tem quase nada; quase tudo são "contos da carochinha", como disse Eisntein. Os seus 73 livros contêm literatura romântica, pia e doutrinária. A unidade de todos eles tem como fio condutor as crenças: (i) na existência de um único deus e de um providencial espírito santo (ii) na aliança de deus com os homens, pacto que jamais existiu. Tais crenças brotam da imaginação fiduciária e da esperteza de alfabetizados líderes judeus da época em que a humanidade já atingira o grau de civilização (500 a.C.). 
Inteligente, sagaz, alfabetizado, conhecedor das escrituras sagradas dos hebreus, apóstolo da segunda hora, Paulo disputava com Pedro, apóstolo da primeira hora, pescador inculto, analfabeto, a liderança do grupo cristão. Primeiro a elaborar textos cristãos anteriores aos quatro evangelhos, Paulo escreveu 14 epístolas ditando regras de cunho administrativo, moral e religioso; estabeleceu os fundamentos do direito canônico e da igreja católica nos moldes do judaísmo fariseu. Tratou a igreja como sucessora da sinagoga. Organizou as comunidades cristãs com seus bispos, diáconos e fiéis. Difundiu o cristianismo fora das fronteiras da Palestina, no mundo "grego", ou seja, entre povos estrangeiros. No interior da Palestina, a tarefa coube aos apóstolos da primeira hora.    
Nos textos de Paulo e nos Atos dos Apóstolos, nota-se a pretensão do apóstolo de ser visto como um profeta maior do que o mestre Jesus. Do ponto de vista eclesiástico, realmente, ele superou Jesus, Pedro e Tiago ao assentar as bases da instituição religiosa cristã. Jesus distinguiu o reino espiritual do reino secular. Paulo, como bom judeu, aplicou a sua inteligência e sagacidade aos aspectos financeiro e material. A igreja por ele fundada entrou no jogo político e econômico, dominou a Europa na idade média, expandiu-se a outros continentes com as navegações e descobertas marítimas, constituiu riquíssimo estado no século XX (Vaticano). A doutrina original e o sonho de Jesus jazem com ele no sepulcro. A igreja católica reflete a personalidade do seu fundador: paulina farisaica. [Bíblia. Novo Testamento. Atos dos Apóstolos 9: 1/30 + 11: 25/26 + 12: 24 + 13 + 14 a 28]. 
Tal como Sócrates, filósofo grego, Jesus nada deixou por escrito, não fundou igreja alguma, apenas difundiu, na Palestina, a doutrina perene, outrora secreta, que lançava nova luz às escrituras judias. Falava às almas e não aos corpos. O esforço para iluminar espiritualmente e converter o povo judeu custou-lhe a vida. Nasceu, viveu e morreu naquela estreita e inóspita faixa de terra (Palestina). Embora espiritual, a sua missão tinha reflexos (i) sociais, por sua compaixão e solidariedade aos pobres (ii) políticos, por suas ácidas críticas aos poderosos e sua ideia de reino divino e igualitário. Concentrou-se em dois mandamentos que, na opinião dele, resumiam toda a Lei: 
1. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito". Neste, o profeta distingue alma x espírito. 
2. "Amarás teu próximo como (a) ti mesmo". Neste, paira dúvida: “como a ti mesmo” = pluralidade de almas e corpos, ou, “como ti mesmo” = todos como um só corpo e uma só alma? 
Os apóstolos andavam às turras. Jesus os censurou e lhes deu mandamento especial: “Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. Ensinou-os a (i) orar (ii) respeitar as leis (iii) ser mais justo do que os escribas e fariseus (iv) não julgar (v) não jurar (vi) fazer o bem a quem te odeia, maltrata e persegue (vii) promover boas ações em segredo (viii) ajuntar tesouros no céu (ix) não resistir a quem é mau (x) guardar as coisas santas ao invés de atirá-las aos cães e aos porcos. Regra de ouro ditada pelo profeta: "Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles". [Bíblia. Novo Testamento. Mateus 5-6 + 7: 12 + 22: 37/40 + Lucas 6: 20/49 + João 13: 34].

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