sexta-feira, 18 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XVII

O direito romano dividia-se em público e privado. O direito público disciplinava os negócios de estado (matéria sagrada, sacerdócio, magistratura). Depois da queda do império romano, esse direito de origem imperial pouco interesse despertou na Europa. Perante o estado, o indivíduo era súdito e só podia defender interesse particular; a autoridade decidia ao sabor do vento. Quando o poder do governante foi submetido às leis formuladas pelos representantes do povo, o súdito alçou à categoria de cidadão, tornou-se titular de direitos políticos, adquiriu direito público subjetivo de processar judicialmente o estado, de responsabilizá-lo por ações e omissões nefastas dos agentes políticos e administrativos. À autoridade estatal foi atribuído o dever jurídico de decidir e agir dentro dos parâmetros legais. Se violar esse dever, poderá sofrer sanções, entre as quais, a perda do cargo. 
O direito público moderno adquiriu feição própria com o advento, no século XVIII, do constitucionalismo na América e na Europa: governantes e governados submetidos à Constituição e ao sistema legal; governo manda e burocracia obedece; povo legisla, fiscaliza e controla; liberdades públicas asseguradas. Ramificação: direito constitucional, administrativo, tributário, eleitoral, penal, processual, internacional.  
O direito privado romano tratava das relações entre particulares, dos negócios da sociedade civil, incluindo preceitos do direito natural, do direito civil e do direito das gentes (internacional privado). Esse direito foi um dos alicerces da civilização ocidental. Renasceu no século XII quando encontrados um exemplar do Digesto e outro do Código, ambos do imperador Justiniano. A partir daí inicia-se, na Bolonha, o ensino do direito despregado da retórica e da gramática, prosseguindo no florescimento cultural dos séculos seguintes (humanismo, interesse pelos clássicos da literatura grega e latina), com destaque para as obras de Pothier (França), Grotius (Holanda) e Savigny (Alemanha). Intensificam-se os estudos jurídicos na Europa continental. Na América Latina, predominam o direito romano e o direito canônico. Direito privado: civil, comercial, empresarial, trabalhista. internacional.    
Por meio da interpretação, os humanos buscam o sentido das coisas do mundo cultural, inclusive acontecimentos do passado relativos às pessoas, à sociedade e ao estado. No que concerne à lei escrita, procede-se às análises gramatical, lógica e histórica, caminhos interpretativos que se cruzam. Através deles, busca-se o adequado sentido da lei (mens legis). A via gramatical analisa o veículo do pensamento, ou seja, a palavra na sua literalidade e na sua conformidade aos atos e fatos que a lei disciplina. Da literalidade avança-se para o conceito contido na norma, chega-se aos valores que ela preserva e aos fins a que ela se destina. Sob ângulo lógico e sistemático, examinam-se as proposições da lei e as suas conexões no ordenamento jurídico. Sob ângulo histórico, investigam-se as condições de tempo e lugar em que a lei foi elaborada e as circunstâncias que a motivaram.  
A hermenêutica jurídica trata das diferentes técnicas interpretativas e da relação entre o intérprete e o objeto da interpretação. Segundo Savigny, jurista alemão, interpretar é reconstruir o pensamento contido na lei. Carlos Maximiliano, jurista brasileiro, segue os passos dos jurisconsultos romanos e dos juristas europeus na sua definição dessa disciplina: a hermenêutica jurídica consiste no estudo e na sistematização dos processos aplicáveis à pesquisa do sentido e do alcance das expressões do direito
As técnicas de interpretação utilizadas no direito visam à compreensão da letra e do espírito das normas. [Letra = palavras, frases, períodos, contexto, semântica. Espírito = suporte volitivo, intuitivo e racional]. No trabalho hermenêutico entram elementos históricos e teleológicos. A pesquisa histórica obedece à máxima: para compreender o presente, indispensável conhecer o passado. Trata-se de conhecer a evolução da lei e das instituições sociais no tempo (antigo, medieval, moderno, contemporâneo) e no espaço (Roma, Europa, América, Brasil). A pesquisa teleológica indaga os fins a que a lei se destina, a ratio juris que conduz à adequada e integral compreensão da norma jurídica.       
No Brasil, juízes do piso, do mezanino e da cúpula do edifício da justiça introduziram a chicana (trapaça) na prestação da tutela jurisdicional sob pretexto de interpretar a Constituição e as leis. Confundem política do direito com política partidária. Carregada de intencionalidades, a capa do magistrado cobre a norma e o fato objetos da interpretação. Esse proceder desprimoroso foi publicamente notado nas operações denominadas “mensalão” e “lava-jato”: interpretações capciosas e raciocínios sibilinos, servilismo a interesses estrangeiros em detrimento do interesse nacional, interesses particulares em detrimento do interesse público, togas exibindo cores ideológicas partidárias desafiando expressa vedação constitucional. 
A parcialidade e a malícia, além de imorais e antijurídicas, ensejam decisões contraditórias. Exemplo: Em 2019, ministro do Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que na sentença de pronúncia (processo penal) não se admite a aplicação da cláusula “in dúbio pro societate”. Em 2021, o mesmo ministro decidiu no sentido contrário: a sentença de pronúncia admite a cláusula “in dubio pro societate”. O ministro “apequenou-se”? Arrependeu-se? Amadureceu? Foi camarada? [ARE 1.067.382/2019 + RHC 192.846/2021].       
A independência e a imparcialidade dos magistrados garantem tutela jurisdicional prestada com decência, honestidade e justiça. Atividade judicante sem alicerce nesses princípios desmoraliza os juízes e os tribunais, para vergonha e desespero da nação.    

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