quinta-feira, 6 de maio de 2021

DIREITO APLICADO - V

Direito visto como fenômeno jurídico e poder visto como fenômeno político, são coetâneos na vida social da humanidade. O termo direito tem vários significados: oposto a esquerdo, reto, íntegro, honrado, aprumado, certo, justo, equitativo.  No vocabulário jurídico: (i) poder de alguém de agir amparado na lei ou no costume (ii) conjunto das leis úteis e necessárias que a todos obrigam, regem a vida relacional dos humanos e organizam a sociedade e o estado. Na linguagem do direito, o termo jus é usual e constante. Paulo, jurisconsulto romano, informa que esse termo vem do sânscrito: ju (iu) que significa raiz, liga, junção. Os romanos usaram-no para significar direito: jus est ars boni et aequi = direito é a arte do bom e do equitativo. Nesta definição está implicado o aspecto normativo das artes (regras da ação), o aspecto útil (o bom) e o fundamento moral (o justo). Especificando essa definição, Ulpiano, jurisconsulto romano, assim se expressa: Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere = os preceitos de direito são estes: viver honestamente, não lesar o outro, dar a cada um o seu. Em sintonia com esses preceitos, o citado jurisconsulto assim define o direito: est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere = direito é a constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o seu. 
Jus também é empregado com os significados de direito subjetivo, de direito objetivo, de lei e de justiça. Direito subjetivo é o poder de agir da pessoa amparado na lei ou no costume (facultas agendi). Esse direito outrora absoluto, tornou-se relativo na idade moderna pelo reconhecimento da mútua dependência de todos no meio social. Os humanos interagem formando nexos de interdependência. A propriedade particular assumiu função social. Modera-se o exercício do direito subjetivo. Respeita-se o bem alheio. O abuso no exercício do direito tipifica ilícito civil e penal. João pode fazer no seu imóvel o que lhe aprouver, desde que não prejudique o direito de Maria, sua bela vizinha. Direito objetivo é o conjunto de normas de vigência necessária e de obediência obrigatória na sociedade e no estado (norma agendi). 
Lei é a disposição normativa que disciplina a conduta das pessoas e organiza as instituições sociais. “Loi n´est pas autre chose qu´une ordination de la raison en vue du bien commun, établie par celui qui a la charge de la communauté, et promulguée (Thomás D´Aquino) = Lei outra coisa não é senão uma ordenação da razão visando ao bem comum estabelecida e promulgada por quem representa a comunidade. No seu tratado sobre as leis contido na Suma Teológica, D´Aquino menciona duas fontes: a divina (lei eterna + lei natural) e a humana.
Na origem da sociedade, nem o inferno de Hobbes e nem o paraíso de Rousseau. Ódio, divergência, competição, rebeldia, conflito, revolução, guerra, sempre houve, assim como, os intervalos de paz e amizade. Diversificam-se as armas, aumenta-se o potencial de destruir, ferir e matar no decorrer dos séculos. Apesar da amizade, da paz, do amor e do propósito de eternizá-los, o frequente desacordo mostrou a necessidade de regras disciplinadoras da conduta de todos (indivíduos, tribos, nações, estados) o que realmente aconteceu, primeiro por via dos costumes, depois também por via das leis escritas. No progresso dos povos, essas regras configuraram o direito civil (relações das pessoas entre si), o direito político (relações entre governantes e governados) e o direito das gentes (relações privadas entre nacionais e estrangeiros e públicas entre nações). Ao conjunto de todas essas relações, Montesquieu denominou espírito das leis, título da sua obra de notável influência na civilização ocidental. 
A tripartição do poder político no estado como remédio para evitar o despotismo, teoria elaborada por Montesquieu, continua atual, adotada por inúmeros países democráticos. As leis, disse o barão, não devem servir apenas para manter o governante no poder, mas, também, para garantir a liberdade do povo. O poder político não deve se concentrar nas mãos de um só indivíduo. [O filósofo estava descontente com o absolutismo do rei francês que fortalecera a realeza e enfraquecera a nobreza]. Ao elaborar a sua teoria, Montesquieu inspirou-se no sistema constitucional da Inglaterra, embora neste país não existisse – como ainda não existe – rigorosa separação dos poderes, salvo no que tange à independência judicial. O rei britânico (ou rainha) representa o estado, mas não governa. O parlamento legisla (câmaras) e governa (gabinete). 
O legislador constituinte norte-americano foi quem colocou em prática essa teoria ao organizar o estado federal mediante a união dos estados independentes sob a mesma Constituição (1787): distribuiu o poder político por três órgãos distintos, independentes e harmônicos entre si: o legislativo, o executivo e o judiciário. Tal modelo foi copiado por inúmeros países americanos e europeus. Essa importação sem que houvesse base social e histórica adequada e propícia gerou dezenas de republiquetas depois que as nações latino-americanas romperam seus laços de dependência política com as metrópoles. O presidencialismo brotado do citado modelo degenerou em caudilhismo e ditaduras civis e militares. Depois da independência, povo que foi colonizado não se livra facilmente das raízes culturais plantadas pela metrópole colonizadora e que insuflam complexo de inferioridade e hábito simiesco. Essa experiência mostra a necessidade de cada povo encontrar a organização política e jurídica que combine com o seu temperamento, com as suas aspirações, com a sua imagem de mundo. 

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