segunda-feira, 17 de maio de 2021

DIREITO APLICADO - VIII

O estado, instituição humana gerada pela civilização ao organizar o poder político na cidade (sociedade civil) compõe-se (i) materialmente, do território, do povo e do governo (ii) formalmente, dos princípios e normas que reúnem esses elementos em uma unidade política soberana. Em conjunto: (i) tais elementos caracterizam a constituição material do estado (ii) os princípios e normas caracterizam a constituição formal do estado. O estado moderno deita raízes nas cidades da Grécia clássica (Atenas, Esparta). A partir do século XVIII (1701-1800), na América e na Europa continental, a constituição do estado assume forma escrita e sistemática, regula a oposição autoridade x liberdade e plasma a feição política da sociedade civil. 
No sentido dinâmico, constituição significa a ação de constituir, organizar, estabelecer. Na seara política, ao detentor do poder constituinte (rei, imperador, presidente, ditador, grupo oligárquico, assembleia popular) cabe configurar o estado. No sentido estático, constituição significa o resultado da ação de constituir, a estrutura do ser, a organização concluída. Política e juridicamente, constituição significa a lei magna resultante do exercício do poder constituinte, sistema formado pelos nexos entre princípios e normas (i) que integram os direitos individuais e coletivos (ii) que distribuem competências entre diferentes órgãos do governo (legislativo, executivo, judiciário). Nesse contexto, poder constituinte significa aptidão do seu titular para elaborar e colocar em vigor de modo eficaz e permanente a lei magna, constituição jurídica do estado.  
A Constituição tem origem: [I] autocrática, quando elaborada e posta em vigor pelo individuo ou grupo que detém o poder constituinte sem a participação do povo; recebe o apelido de “carta” porque expedida unilateralmente, à revelia dos destinatários; [II] democrática, quando elaborada e posta em vigor pelos representantes do povo reunidos em assembleia constituinte. Depois da independência política, o Brasil regeu-se (i) pelas cartas de 1824, 1937, 1967 e 1969 (leis orgânicas fundamentais outorgadas à nação)  (ii) pelas constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988 (leis orgânicas fundamentais elaboradas por assembleias constituintes). 
Nos períodos democráticos, vigora o princípio da supremacia da Constituição. Devem-lhe submissão: (i) as leis e os atos dos agentes políticos e administrativos (ii) as instituições civis, militares e religiosas (iii) o povo. A forma e a matéria das leis não podem discrepar dos cânones constitucionais. No poder jurisdicional dos juízes e tribunais inclui-se o exame da constitucionalidade dos atos normativos do legislativo e do executivo. Leis elaboradas por órgão incompetente, ou em desacordo com o processo legislativo ou cuja matéria contraria disposições constitucionais, são consideradas inexistentes em decorrência do vício de inconstitucionalidade, porém, os seus efeitos podem ser modulados para atender razões práticas moralmente aceitáveis. Entretanto, se a inconstitucionalidade for premeditada para alguém obter vantagem indevida, a modulação beneficiará a malandragem em detrimento da equidade, o que é inaceitável. 
Thomas D´Aquino, frei dominicano da idade média, cita a opinião de Modestino, jurisconsulto romano [adotada por estados modernos como EUA, Inglaterra]: o fim da lei humana é a utilidade dos homens. Essa utilidade, contudo, deve curvar-se ante valores éticos (justiça, verdade, honestidade, juridicidade). Certamente por isto, o frei acrescenta: a lei humana deve ser ordenada ao bem comum da cidade. Quando isto não acontece, o povo pode, por via pacífica ou pela força, insurgir-se contra a lei viciada. A resistência à opressão é direito do povo integrado à civilização ocidental desde as declarações americana e francesa do século XVIII. 
No Brasil, o controle da constitucionalidade das leis se faz por dois caminhos: o político e o jurisdicional. O político acontece no processo legislativo em dois momentos: [1] antes de o projeto ser promulgado como lei, submetido (i) ao exame da comissão de constituição e justiça das casas legislativas (ii) ao veto do presidente da república [2] depois de o projeto ter se convertido em lei, mediante votação de nova lei que revogue a anterior. O controle jurisdicional se faz no devido processo jurídico sobre lei promulgada. Há controle difuso feito por juízes e tribunais no curso das ações judiciais, quando a constitucionalidade da lei é questionada de modo incidental. Há controle concentrado quando tal questionamento é objeto principal de ação direta proposta perante os tribunais. A propositura das ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade relativas à Constituição Federal é reservada ao presidente da república, às mesas do senado, da câmara dos deputados e das assembleias legislativas, aos governadores, ao procurador-geral da república, ao conselho federal da ordem dos advogados, a partido político com representação no congresso nacional, a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.    
As constituições dos estados federal e estadual, tendo em vista o seu caráter estrutural, são estáveis, mas não imutáveis; podem ser reformadas pelo legislador ordinário. No Brasil, o processo de reforma tem rito especial, trâmites pelo Congresso Nacional e se instaura por iniciativa do chefe de governo, dos membros do legislativo federal ou dos legislativos estaduais. Veda-se emenda à Constituição em situações anômalas (intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio) ou quando a proposta de reforma tende a abolir a forma federativa de estado, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, o voto direto, secreto, universal e periódico. [CR 60, §4º]. 


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