quinta-feira, 20 de maio de 2021

DIREITO APLICADO - IX

A declaração dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança, como peça jurídica fundamental do estado, brotou da necessidade dos governados de se protegerem contra os abusos dos governantes. Inicialmente, declarados em documentos autônomos, como os da Virgínia (1776) e da França (1789), os direitos humanos foram, posteriormente, incorporados às constituições escritas de países europeus e americanos. Do alto da sua sabedoria, Montesquieu, em 1748, afirmava que a liberdade só era possível em estados moderados onde não houvesse abuso de poder. Advertia: temos, porém, a experiência eterna de que todo o homem que tem em mãos o poder é sempre levado a abusar (...). Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder refreie o poder. 
O filósofo recomendava a técnica da distribuição de competências entre distintos órgãos do governo que, segundo ele, funcionava bem na Inglaterra (século XVIII). Os direitos individuais e coletivos declarados na Constituição funcionam como freios aos excessos praticados pelos governantes. O poder dos governados refreia o poder dos governantes. A eficácia desse controle depende do caráter do povo, da sua capacidade e disposição para se organizar e reagir eficazmente contra os abusos dos governantes. No sistema de freios e contrapesos, os órgãos do poder político (legislativo, executivo e judiciário) controlam-se mutuamente e, de modo harmônico e independente, exercem a soberania do estado. 
Sob o influxo das ideias socialistas na Europa do século XIX e das práticas socialistas do século XX, as constituições de países liberais, sem abdicarem do desenvolvimento industrial, da liberdade de contratar e comerciar e do direito de herdar, incluíram a ordem social e a ordem econômica ao lado da ordem política. As constituições do México (1917) e da Alemanha (1919) foram pioneiras. 
No Brasil, as constituições posteriores à revolução de 1930, instituíram a tríplice ordem: política, econômica e social. O legislador constituinte de 1987/1988 procurou conciliar dogmas socialistas e dogmas capitalistas na linha das constituições brasileiras de 1934 e 1946. Esse hibridismo implica a equivalência capital e trabalho como forças produtivas nacionais, ameniza a luta de classes interna, reflete o caráter conciliador do legislador constituinte. À igualdade formal do liberalismo, ele acrescentou a igualdade material do socialismo; confrontou o direito de propriedade com a necessidade geral, a utilidade pública e o interesse social. O sistema constitucional brasileiro ficou assim estruturado: [1] máximas: dignidade da pessoa humana, independência do Brasil, segurança nacional, supremacia da Constituição [2] princípios: republicano, democrático, federativo, separação dos poderes, segurança jurídica, equivalência capital e trabalho [3] ideias: justiça, paz, liberdade, igualdade, fraternidade.
Dessa arquitetura política e jurídica emanam os deveres constitucionais dos governantes: [1] Resolver as equações (A) vida x propriedade = segurança jurídica (B) liberdade x igualdade = justiça social (C) vida + liberdade + igualdade + propriedade = bem comum. [2] Manter o foco no interesse nacional. [3] Distanciar-se das extremas direita e esquerda, sem hostilidade. [4] Promover: (i) o equilíbrio entre capital e trabalho (ii) o bem de todos os brasileiros: da esquerda e da direita, pobres, remediados e ricos, negros, mestiços, indígenas e brancos. [5] Posicionar-se efetivamente contra preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade. Na área federal, sob a égide da Constituição de 1988, o governo que melhor cumpriu tais deveres foi o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
Justiça, na definição dos estoicos, é virtude moral, impulso firme e consciente para o bem. Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus = onde não há justiça não pode haver direito (Cícero). Os romanos usavam o vocábulo “aequitas” com distintos significados: [1] abrandamento do direito escrito quando o rigor da lei – dura lex sed lex – fere o senso de justiça no caso concreto [2] exame criterioso: (i) das consequências do julgamento (ii) das circunstâncias pessoais dos envolvidos (iii) dos reflexos no meio social [3] princípio supremo do direito natural e do ideal de justiça. Como frisou Hans Kelsen, a ideia de justiça ocupa o centro da filosofia moral de Platão. Essa ideia também compõe a doutrina cristã. 
Igualdade, proporcionalidade e razoabilidade integram a ideia de justiça. Considera-se [1] legítimo, o governo reconhecido como justo e honesto [2] legal, o governo compatível com a ordem jurídica. Legitimidade deflui da filosofia moral. Legalidade deflui da ciência do direito. Relações [1] contratuais, supõem paridade, livre e equitativa estipulação das cláusulas [2] comerciais, supõem justa proporção entre ganhos e perdas, entre fortaleza do comerciante e fragilidade do consumidor [3] sociais, supõem justa distribuição da riqueza, proporcional à necessidade e ao merecimento das pessoas. Tais relações são problemáticas porque dependem do nível de consciência e de honradez das pessoas nelas envolvidas. A mediação evita peleja e possibilita solução consensual. Sem acordo, recorre-se ao judiciário. Os juízes colocam medida nos interesses em jogo. A justiça orgânica do estado funciona por provocação (i) dos interessados, na esfera cível (ii) do agente do ministério público, na esfera penal. Em casos especiais, o funcionamento da justiça criminal depende da iniciativa privada como, por exemplo, nos crimes contra a honra (injúria, difamação, calúnia) ou contra a liberdade sexual (estupro, rapto, sedução de menores). 


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