quarta-feira, 26 de maio de 2021

DIREITO APLICADO - XI

Durante longo período da história da civilização o poder foi exercido de modo personalizado, concentrado nas mãos do chefe (faraó, rei, czar). Na civilização ocidental essa realidade mudou quando a autoridade absoluta do soberano e a sua irresponsabilidade foram questionadas. Através de doutrinas libertárias, expostas por clérigos e leigos, o povo tomou consciência: (i) da sua importância como produtor de riquezas e sustentáculo do estado (ii) do seu direito natural de decidir sobre o seu destino e de estabelecer as regras pelas quais o poder político deve ser exercido (iii) de que os bens do estado não integram o patrimônio privado do governante e sim o patrimônio da nação (iv) da obrigação do governante de prestar contas da sua administração e informar o estado em que se encontram o patrimônio público e as finanças públicas, como e onde foi aplicado o dinheiro dos tributos. Além do chefe de governo, está obrigada a prestar contas qualquer pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais o estado  responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária. No Brasil, há disposição constitucional expressa a esse respeito. [CR 70 + 84, XI].
O processo jurídico para apurar responsabilidade penal, civil, administrativa e política compõe-se de uma série legal e logicamente ordenada de procedimentos que inclui a produção da prova oral, documental e pericial para demonstrar a autoria e a materialidade de ilicitudes e amparar decisões da autoridade estatal. Na república democrática, o governo é fiscalizado e controlado pelo povo sob o tríplice aspecto: legalidade, legitimidade e economicidade. O controle político cabe ao órgão de representação popular: Congresso Nacional. Essa competência deriva da função moderadora própria do sistema de freios e contrapesos e é exercida através das comissões permanentes e temporárias com auxílio do tribunal de contas. [CR 71]. 
Além dos fatos da área contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, ficam sujeitos à fiscalização e controle os atos: (i) de gestão administrativa do governo (ii) das autoridades do alto escalão da república que tipifiquem crime de responsabilidade. Portanto, essa competência inclui a investigação de atos que possam tipificar ilícitos políticos, administrativos, civis e criminais. Para esse tipo de investigação, o Poder Legislativo cria comissão temporária e especial de inquérito (CPI). A condenação ou absolvição de pessoas está fora das atribuições da CPI. Trata-se de inquérito e não de processo judicial. Destina-se a investigar o fato central e ramificações, visando a municiar o Congresso Nacional para o desempenho das suas funções. O que for apurado no inquérito parlamentar poderá ser encaminhado ao Ministério Público que dará prioridade aos procedimentos a serem adotados. O relatório da CPI e a resolução que o aprovar serão encaminhados às demais autoridades para providências cabíveis nas suas respectivas áreas. Da cópia de peças do inquérito parlamentar devem ser excluídas as protegidas pelo sigilo, em respeito à garantia constitucional. [CR 5º, X, XII, LX]. 
A autoridade legislativa perante a qual o inquérito teve seus trâmites deve ser informada dos desdobramentos das suas conclusões. As autoridades que receberem a resolução do Legislativo que aprovou o relatório da CPI têm o prazo de 30 dias para informar ao órgão remetente as providências adotadas, ou justificar omissão. Se algum processo for instaurado em virtude dessas conclusões, a autoridade que o presidir deverá comunicar, semestralmente até a conclusão, à autoridade legislativa, a fase em que se encontra. [Lei 10.001/2000].  
A CPI pode ser criada por iniciativa da minoria parlamentar (1/3) o que reflete o princípio democrático. A composição acolhe a representação proporcional dos partidos. Aparentemente, isso atende ao princípio democrático, porém, a busca da verdade dos fatos fica ameaçada. A maioria, quando favorável ao governo, pode manipular o ritmo e o rumo dos trabalhos. O interesse público ficaria melhor resguardado se a situação e a oposição tivessem o mesmo número de lugares na CPI.  As deliberações são tomadas pela maioria dos votos como convém à democracia. [CR 58, 1º/3º + 47].
Os poderes da CPI, equivalentes aos poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, constam de lei ordinária e de norma regimental. No exercício das suas atribuições a CPI pode: [I] determinar diligências necessárias, inclusive oitiva de parlamentares e incumbir qualquer dos seus membros de realizar sindicâncias e diligências [II] convocar ministros de estado [III] tomar o depoimento de qualquer autoridade [IV] interrogar indiciados [V] inquirir testemunhas com o compromisso de dizer a verdade sob pena de falso testemunho e prisão em flagrante, ressalvado o direito de não incriminar a si própria [VI] requisitar de repartições públicas e autárquicas informações, documentos, serviços, servidor público, inclusive policiais [VII] transportar-se aos lugares onde for necessária ou conveniente a sua presença.
Na hipótese de ausência injustificada da testemunha, a sua intimação e condução serão solicitadas ao juiz criminal. [Lei 1.579/52]. A dispensa do compromisso legal de dizer a verdade não afasta o dever moral de veracidade como virtude humana. Há direito ao silêncio. Não há direito de mentir. Há tolerância com a mentira brejeira ou caridosa. A autoridade avaliará o que ficou explícito na linguagem e o que ficou implícito no silêncio. Ninguém está obrigado a se incriminar. Por isso, os indiciados ficam dispensados do compromisso legal. Quando interrogados, têm o direito de calar, porém, se falarem, têm o dever de dizer a verdade. A confiabilidade dessa prova é baixa. Isto não significa que todo depoimento pessoal seja inidôneo e sim que deve ser recebido com reserva e aferido com outros elementos de prova. 

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