quinta-feira, 29 de abril de 2021

DIREITO APLICADO - IV

Nos períodos autocráticos vividos por estados modernos, o direito constitucional perde potência; nos períodos democráticos, adquire. Esse movimento pendular tem acontecido na experiência política da nação brasileira. Atualmente, as sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF) são transmitidas através de canal de televisão. Críticas sobre a conduta e as decisões dos ministros veiculam nas ruas, nos meios de comunicação social, na administração pública, nos ambientes forense e acadêmico. Essa exposição ao público deixou os ministros vulneráveis, sujeitos à republicana fiscalização, mas, também, a inadmissível patrulhamento. Petições de impeachment contra alguns deles foram apresentadas ao Senado Federal, na última década, em quantidade jamais vista na história da república, a indicar focos de insatisfação com a escolha e o desempenho desses ministros.

Os presidentes e os senadores da república posteriores à ditadura militar, negligenciaram a escolha e a sabatina dos candidatos ao cargo de ministro do STF. Isto contribuiu para a decadência do tribunal. O desempenho dos ministros tem sido sofrível e verborrágico. Votos, quiçá trabalho dos assessores, com dezenas e até centenas de laudas. Cansativas horas de leitura e repetições, quando poucas páginas seriam suficientes. Discurso oral redundante. Deficiente capacidade de síntese. Sedução pelos holofotes. Vaidade, diria Salomão, rei dos hebreus. Aflição para exibir notável saber exigido pela Constituição, que lhes sobra nas citações e lhes falta nas decisões. Até parece que o STF tem poucos processos para examinar e por isto as sessões plenárias têm que ser esticadas: um só processo por semana, de modo que os ministros não fiquem sem o que fazer durante o mês. Alguns ministros movem-se conforme a direção da biruta, como se estivessem numa assembleia política dividida entre partidários do governo e opositores ao governo; outros, como se estivessem numa competição de ganhos e perdas.

Pedidos de impeachment apresentados ao Senado contra alguns ministros do STF poderiam ser evitados se eles fossem submetidos ao controle disciplinar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Todavia, quando presidido pelo ministro Cézar Peluso, o STF, julgando em causa própria, “interpretou restritivamente” o § 4º, do artigo 103-B, da Constituição da República, misturou função jurisdicional com função administrativa na fundamentação e se colocou fora da jurisdição administrativa, financeira e disciplinar do CNJ, como se os ministros estivessem fora e acima do poder judiciário e do estatuto da magistratura. Atitude semelhante à dos oficiais superiores das forças armadas que pretendem estar acima dos três poderes da república. Esse tipo de interpretação falaciosa, fora da letra e do espírito da Constituição, generalizou-se no STF. Daí, a insatisfação e a reação dos jurisdicionados como jamais se viu nos séculos anteriores, inclusive com ofensas e graves ameaças aos ministros.  

A experiência é a grande mestra dos humanos e processo natural de aprendizagem. Em 1974, houve encontro da magistratura do Estado da Guanabara presidido por dois processualistas, sendo um desembargador e outro procurador do estado, com o propósito de familiarizar os juízes com o código de processo civil recém publicado (1973). Questionei a novidade do procedimento sumaríssimo afirmando: (i) que o objetivo de celeridade máxima não se ajustava à realidade forense (ii) que o volume crescente das demandas faria o procedimento ordinário mais célere do que o sumaríssimo. Citei o exemplo da reclamação no direito processual do trabalho vista como santo remédio para a celeridade na solução dos dissídios trabalhistas. Em pouco tempo, as juntas de conciliação e julgamento estavam abarrotadas e o processo civil mostrava-se mais rápido do que o processo trabalhista.

O procurador replicou com ironia, talvez pelo meu sotaque, mirando-me como se eu fosse um provinciano forasteiro. Ele e o desembargador haviam participado do projeto do novo código, fato por mim desconhecido. Portanto, não percebi que ele estava a lamber a cria, como se diz lá no Sul, ou seja, a cuidar do seu bebê. Cometi a imprudência de mostrar que as fraldas estavam sujas.  Às vezes, a experiência supera a teoria. O urbano procurador, 43 anos de idade, cultura livresca e acadêmica, que viria a se destacar entre os corifeus do direito processual civil, nunca fora juiz e nem advogara no interior do estado. Eu, 35 anos de idade, cultura enraizada na experiência, formação jurídica e filosófica, advogara em duas capitais (Curitiba e São Paulo) e fora juiz em comarcas do interior do Estado do Paraná, portanto, testemunha ocular da realidade social e forense daquela região do país. A minha crítica foi construtiva, sem intenção alguma de melindrar o expositor. Estávamos ali para nos familiarizar com o novo instrumento processual a fim de prestar a tutela jurisdicional a contento. Pelo menos, assim eu pensava, embora os ventos democráticos ainda não soprassem no Brasil. Decorrido algum tempo, verificou-se que o procedimento sumaríssimo ficara complicado e lento e também se prestava à chicana. Para atenuar o fiasco, o legislador mudou o nome do instituto de sumaríssimo para sumário (lei 9.245/1995). O legislador de 2015 foi mais sensato: silenciou sobre esse tipo de procedimento. Na parte especial do novo código ele reservou o primeiro livro ao processo de conhecimento com um título para o procedimento comum e outro título para os procedimentos especiais. Menos mal!     

 

 

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