sexta-feira, 30 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA IV

A humana justiça envenenou Sócrates, crucificou Jesus, queimou Giordano Bruno e Joana D´Arc, esquartejou Tiradentes, asfixiou Olga Benário, torturou e depôs Dilma Rousseff. Longe de ser divina, a justiça humana é deplorável.     
A justiça, como instituição estatal, é a função do poder do estado de zelar pela ordem vigente na sociedade através de um corpo especial de funcionários (policiais, fiscais e juízes). Outrora território masculino, hoje essa instituição é composta de homens e mulheres com seus feitos e defeitos, virtudes e vícios. 
Na sua atividade judicante, os juízes têm a tarefa de interpretar as leis e aplica-las aos casos concretos de modo imparcial e honesto (esfera do dever ser). Entretanto, na análise dos fatos e na interpretação e aplicação do direito positivo (esfera do ser), ocorrem distorções, manobras cerebrinas, direcionamentos segundo a vontade e o capricho dos magistrados. Na concretude histórica dos fatos, a imparcialidade e a honestidade cedem diante das pressões internas e externas. Os juízes decidem conforme a maré, por simpatia a um partido político, por adesão a uma ideologia, para atender súplicas de parentes e amigos, para obter alguma vantagem para si ou para outrem, além dos estímulos carnais. 
No Brasil, há juízes que se comportam como autênticos barnabés de toga, pensam mais em seus direitos e prerrogativas do que no cumprimento dos seus deveres. Reclamam do seu subsídio que, no contexto nacional, é mais do que satisfatório. Aumentam-no através de subterfúgios, como o imoral e vergonhoso auxílio-moradia. Rigorosos no cumprimento do horário regimental no que tange ao intervalo para o lanche e ao encerramento do expediente, mas frouxos no que tange ao início das audiências e das sessões. Seus negócios, suas palestras muito bem remuneradas, suas aulas em faculdades e cursinhos, seus compromissos dentro e fora do país, prevalecem sobre o dever funcional de comparecer às sessões, nelas permanecer e de julgar cada ação judicial sem solução de continuidade. Há também os bandidos togados referidos pela ministra Eliane Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, então corregedora. Quando descobertos, esses bandidos logo se aposentam com subsídios integrais.  
Na esfera penal, a vertente jurídica da humana e estatal justiça move-se a partir de uma notícia criminis. Mediante procedimentos éticos e legais, a autoridade pública (policial, fiscal) investiga e busca provas da existência e da autoria de atos ilícitos. Na vertente política, a autoridade pública escolhe a pessoa a ser processada, forja provas e enredos, constrói aparente legalidade, tudo no premeditado propósito de condenar o sujeito da escolha, prendê-lo, afastá-lo das funções públicas ou impedi-lo de acessá-las. Na primeira vertente, há perseguição legítima. Na segunda, há perseguição ilegítima da qual serve de exemplo o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As agressões com porretes, chicotes, pedras e outros objetos, contra homens e mulheres que participavam dos comícios do ex-presidente e os tiros contra a sua caravana no Sul do Brasil, com a complacência do aparelho policial, exibem ao país e ao mundo a face nazifascista de parcela da população brasileira residente naquela região. O nazismo e o fascismo (1920/1940) ainda vivem na América e na Europa. Ressurgiram das cinzas da segunda guerra mundial (1939/1945). Basta um sopro na brasa encoberta para a fogueira reacender.   
Os representantes da extrema direita nas operações do tipo lava-jato recorrem aos jornais, revistas, emissoras de televisão, redes sociais, para acirrar os ânimos, defender as suas arbitrariedades, ilegalidades e o projeto de hegemonia política do seu grupo. Mandam atrevidos recados aos juízes da suprema corte. “Espero que eles decidam bem”, diz o inquisidor curitibano. Ele e seus asseclas esperam que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) endossem as inconstitucionalidades por eles praticadas. Quando não atendidos, vociferam, censuram, ameaçam, agridem.
O ministro Edson Fachin, do STF e da República de Curitiba, relator dos casos oriundos da operação lava-jato, veio a público denunciar ameaças que ele e sua família estariam sofrendo. Ainda não está claro o tipo das ameaças e o modus operandi dos ofensores. Será um contraponto da direita às agressões das quais a esquerda tem sido alvo? Ameaças em abstrato ao ministro da direita e em concreto ao político da esquerda?  Fachin é contrário: [1] à concessão do habeas corpus preventivo a Luiz Inácio Lula da Silva [2] à extensão da inocência presumida até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A sua primeira posição poderia suscitar a revolta dos partidários do ex-presidente e deles partirem as ameaças de que fala o ministro. A sua segunda posição poderia suscitar a revolta dos corruptos do centro e da direita que desejam: (i) ver seus nomes fora da operação lava-jato (ii) encerrar as investigações (iii) esgotar os recursos processuais antes da prisão, caso sejam processados criminalmente. Desse grupo partiriam as supostas ameaças referidas pelo ministro.
O provinciano inquisidor curitibano e seus comparsas pretendem que o Congresso Nacional vote com urgência Emenda à Constituição (EC) modificadora do inciso LVII, do artigo 5º, de modo a recuar o espaço da presunção de inocência para o segundo grau de jurisdição e permitir a imediata prisão do condenado, independente do trânsito em julgado. A pretensão é descabida e só o desespero explica o seu referendo por juristas (juízes, procuradores, parlamentares). O dispositivo em tela é cláusula pétrea que não pode ser objeto de EC. Requer assembleia constituinte para modifica-lo. Como se isto não bastasse, há intervenção federal em andamento até final de dezembro/2018, o que impede mudança no texto constitucional (CR 60, §§ 1º + 4º, IV).   
Ameaça está na moda. O inquisidor curitibano dela se queixou sem nada provar (nada aconteceu, alarme falso). As ameaças ao ministro Gilmar Mendes são notórias. O ministro Marco Aurélio referiu-se a constrangimento por ele sofrido. Por diferentes motivos, as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Fux e Moraes são alvos de comentários desairosos. Tudo sem ofensas físicas.
De toda essa atual realidade, verifica-se que o nível ético e profissional da justiça brasileira deixa muito a desejar. Talvez, sirva de impulso a um futuro aperfeiçoamento. Quem sabe? Para o bem da nação, que assim seja!     

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