sexta-feira, 23 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA II

Na sessão plenária de 22/03/2018, sem repetir as baixarias e as ofensas ao decoro ocorridas na sessão do dia anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do habeas corpus preventivo (HCp) impetrado em favor de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse julgamento será paradigmático. Orientará a solução dos casos semelhantes em todo o território nacional. O relator, ministro Edson Fachin, estava com o processo desde fevereiro sem leva-lo a julgamento pela Turma ou pelo Plenário do STF. Demora injustificável, pois se trata de garantia constitucional da liberdade dos cidadãos brasileiros que exige tratamento especial, atencioso e célere. A má vontade e a indisposição desse ministro de lidar com os direitos do réu evidenciam-se na sua ambígua e indigesta atuação na Turma e no Plenário. Além dele, outros ministros também permitiram que a antipatia pessoal pelo réu e por seu partido político influísse nos seus votos. Não se lhes escapou, todavia, o entendimento do fato de a prisão impedir a candidatura do réu à presidência da república. Por outro lado, ministros que não morrem de amores pelo réu e tampouco por seu partido, superaram a antipatia e atuaram de modo imparcial, sobranceiro, sereno e independente, como convém a juízes que honram a toga e respeitam o estado democrático de direito. A maioria dos componentes do tribunal admitiu a ação de HCp e concedeu salvo-conduto ao réu.       
Na questão preliminar, os 4 ministros vencidos entendiam inadmissível a impetração do HCp, posto haver recurso processual tanto da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como da decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF4). Segundo tais votos, em havendo recurso ordinário, não cabe habeas corpus. Em sentido contrário, votaram 7 ministros, citaram precedentes do próprio STF, entenderam admissível habeas corpus mesmo quando cabíveis outras modalidades de recursos processuais. Lembraram que, nos termos da lei processual, a ordem judicial de habeas corpus pode ser expedida até de ofício (sem pedido da parte interessada).      
Encerrado o exame dessa questão preliminar, o ministro Fachin, com o seu enfadonho, afetado e provinciano modo de falar e escrever, relatou o feito. A seguir, o advogado impetrante ocupou a tribuna e discursou no teatral estilo antigo, preocupado em exibir cultura geral e dotes retóricos, sem a objetividade exigida no mundo atual. A procuradora-geral da república, de modo elegante, austero, claro, direto e objetivo, opinou pela denegação da ordem. Esgotado o tempo regimental, o relator pediu para expor o seu voto antes de a sessão ser encerrada. Houve discordância. A presidente colocou o assunto em votação. A maioria decidiu pela suspensão do julgamento até o dia 04/04/2018, ocasião em que o relator fará a leitura do seu voto.
Resolvida a questão regimental, o advogado impetrante requereu fosse obstada a expedição do mandado de prisão até o final do julgamento do HCp. A presidente colocou o assunto em votação. O requerimento foi aprovado por maioria (6 x 5). A presidente determinou a imediata expedição do salvo-conduto. Destarte, ainda que o TRF4 rejeite, parcial ou totalmente, os embargos de declaração com efeito infringente oferecidos pelo réu e, assim, mantenha a sentença condenatória de primeiro grau, o mandado de prisão não poderá ser expedido. O juiz da execução deverá aguardar a decisão final do STF. Até lá, o réu continuará em liberdade e poderá prosseguir com a caravana lulista ouvindo o ladrar da matilha sulista.
Nessa questão técnica da tutela de urgência, os ministros vencidos (Carmen Lúcia, Fux, Barroso, Fachin e Moraes) apegaram-se ao formalismo excessivo e equivocado, o que é imperdoável em juiz de suprema corte. A questão reclamava decisão unânime. Em julgamento estava um habeas corpus do qual dependia a liberdade do réu. A sessão foi suspensa por motivo alheio à vontade e à iniciativa do réu. A liberdade do réu estava ameaçada por iminente expedição de mandado de prisão decorrente de sentença penal condenatória confirmada em segundo grau de jurisdição, cuja execução está sub judice (questionada no STJ e no STF). Via de regra, para executar os seus decretos, os juízes e tribunais de inferior jurisdição devem aguardar as decisões dos tribunais de superior jurisdição sobre o caso concreto em andamento na esfera recursal.  
A situação jurídica está indefinida. A decisão do STF de 2016 que permitiu a execução da pena após o encerramento do segundo grau de jurisdição foi impugnada no devido processo legal mediante ações judiciais questionando a constitucionalidade. O HCp resulta dessa indefinição do espaço da presunção de inocência. O que prevalecerá: (i) a letra e o espírito da norma constitucional que condiciona o reconhecimento da culpa ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou (ii) o acórdão do STF que afasta esse condicionamento? Cabe ao STF resolver essa pendência em nome da segurança jurídica e do princípio da supremacia da Constituição. Enquanto isto, há de se preservar a liberdade. In dubio pro reo. O réu não pode ser prejudicado e preso antecipadamente. Os votos vencedores (Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber) ajustam-se à lógica, ao bom senso, à ideia e ao sentimento de justiça.      
O mérito do HCp será apreciado na primeira quarta-feira de abril. A noticiada ausência do ministro Gilmar Mendes não impedirá a regularidade dos trabalhos. Considerando a normal extensão dos votos e as costumeiras discussões e interrupções nos casos de maior impacto social, o julgamento será concluído provavelmente na segunda semana de abril. A primeira metade da sessão de quarta-feira (04/04/2018) será ocupada pela leitura e discussão do voto do relator (Fachin). A segunda metade (após o intervalo para o lanche) será ocupada pela leitura e discussão dos votos dos ministros Moraes e Barroso. Na quinta-feira (05/04/2018) serão lidos e discutidos os votos dos ministros Rosa Weber, Luíz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Na quarta-feira da semana seguinte (11/04/2018) será a vez dos votos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carmen Lúcia. Então, a presidente proclamará o resultado final.

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