terça-feira, 2 de janeiro de 2018

DRÁGEAS

HUMANIDADE.
Pensar, crer, falar, rir, são características do animal humano. Entre a célula animal e a comunidade humana há semelhança. Além da matéria (membrana plasmática, citoplasma, cromossomos, ribossomos, mitocôndrias) a célula tem energia e inteligência para realizar a sua função, ou seja, está provida de substrato espiritual lato sensu. Na comunidade humana também há substrato espiritual: conjunto das ideias, crenças, aspirações e normas. Este substrato intelectual, volitivo, emocional e normativo das coisas humanas configura a cultura de um povo. O substrato espiritual forma intrínseca unidade com o suporte material (coisas, pessoas, instituições). No mundo da natureza, criado por deus, as leis são estáveis; no mundo da cultura, criado pelos humanos, as leis são instáveis.

CORRUPÇÃO.
Dá-se o nome de corrupção ao processo natural da degradação física. Da corrupção do ferro resulta ferrugem. Da corrupção do organismo resulta envelhecimento e morte. Ontem, bela e vistosa flor; hoje, vegetal apodrecido. Esse processo ocorre também na esfera moral do organismo social. Em linhas gerais, da corrupção do governo autocrático resulta aristocracia; da corrupção do governo aristocrático resulta oligarquia; da corrupção do governo oligárquico resulta democracia; da corrupção do governo democrático resulta demagogia; da corrupção do governo demagógico resulta autocracia; e assim prossegue esse movimento circular. A nação marcha em ciclos: progresso + retrocesso + progresso + retrocesso + ... (ad contínuo). Essa marcha reflete o movimento universal: expansão + contração + expansão + contração +... (ad eterno). Regras morais e jurídicas são respeitadas por uns, violadas por outros e às vezes caem em desuso. Embora de vigência mais estável do que as regras, os princípios morais e jurídicos mudam de posição hierárquica entre si conforme a época (+ justiça – utilidade; + utilidade – justiça). Há na comunidade humana intervalos de transição, espanto, desconfiança, indefinição, ódio, dissolução. Perde-se o rumo. Faltam parâmetro e horizonte. No mundo da natureza e no mundo da cultura tudo flui. Na civilização, há retorno à barbárie. A história dos povos registra os retrocessos. Na paz, há retorno à guerra. Na evolução progressista, há involução conservadora. Na virtude, há retorno ao vício. Na liberdade, há retorno à inquisição. No estado democrático, há retorno à autocracia. Na justiça legal, há retorno à justiça de exceção.        

GOVERNO.
Cabe ao governo administrar o país e, nesse mister, legislar, executar as leis, distribuir justiça. Os governantes (legisladores, chefes de estado, magistrados) têm virtudes e vícios. Honestidade e coragem são as virtudes mais ausentes no Brasil, onde os governantes atendem menos o interesse público e muito mais os interesses privados (seus e alheios, sejam de indivíduo, de corporação ou de classe). Todos têm preocupações domésticas com os cônjuges, filhos, serviçais, manutenção da casa. A tarefa do chefe de estado, por exemplo, não se limita a desabotoar o sutiã, abrir ou fechar o zíper do vestido da primeira-dama. Preocupa-se também com a segurança pessoal, de modo que ao sair às compras, ao ginecologista, ao dentista, ao salão de beleza, a primeira-dama esteja acompanhada do primo Ricardo ou do tenente Souza, ambos bem apessoados, fortes, praticantes de artes marciais, prontos para, ao primeiro tiro ou à primeira explosão, abraça-la, deitar sobre ela, protegendo-a com o corpo e com a própria vida, no caso de ataque terrorista ou de assaltantes comuns (como nos filmes americanos). Se a situação exigir, o guardião deve se trancar com a primeira-dama numa dependência de loja, motel ou hotel, o que estiver mais próximo, acalmá-la com delicadeza e aguardar a chegada do reforço. Neste país ninguém está seguro em parte alguma. Para se manter no poder, o chefe de estado deve cumprir dolorosas obrigações, tais como: mudar o modelo constitucional democrático para aristocrático; distribuir dinheiro e benefícios aos senadores e deputados a fim de contar com a maioria no Legislativo; reduzir a presença do estado na economia; vender o patrimônio estratégico e econômico da nação aos países ricos; isentar de tributos os compradores; aumentar o desemprego e a automação; substituir o arcaico sistema trabalhista e previdenciário do século XX pelo moderno, humanista e progressista modelo dos séculos XVIII e XIX. Do povo, deus cuida.    

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