quarta-feira, 4 de outubro de 2017

RELATOR

O procurador-geral da república acusou Michel Temer e mais dois comparsas de cometerem os crimes de organização criminosa e obstrução da justiça. A ação penal foi proposta perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em decorrência da prerrogativa constitucional dos denunciados (CR 51, I). Sem o necessário saneamento inicial, o STF enviou a denúncia e seus anexos à Câmara dos Deputados. Em lá chegando, o expediente devia retornar ao STF para aquela inicial tarefa saneadora. A Câmara precisa estar segura de que, na hipótese de autorizar a instauração do processo, a denúncia não será rejeitada pelo STF por vício formal, o que representaria uma capitis deminutio para a instituição parlamentar.
O expediente foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator já designado poderá suscitar questão preliminar sobre aquela omissão do STF e opinar pela devolução dos autos para o referido saneamento e posterior retorno, se for o caso.
Cabe à CCJ verificar o cumprimento das regras procedimentais e, no mérito, opinar sobre a conveniência, na atual conjuntura, de se instaurar o processo criminal contra essas autoridades. Na sessão plenária da Câmara, o parecer da CCJ será acolhido ou rejeitado, dependendo da votação. No primeiro plano da discussão situam-se os prováveis reflexos sociais, econômicos e políticos da instauração do processo criminal.
A Câmara examinará a conveniência de submeter o presidente e os ministros a um processo judicial. Avaliará o contexto nacional e internacional. Auscultará a opinião dos diferentes setores da sociedade. Decidirá se o processo penal é oportuno. Essa atividade entretanto não confere à Câmara competência constitucional para (i) absolver ou condenar os acusados (ii) receber ou rejeitar a denúncia (iii) julgar procedente ou improcedente o pedido da procuradoria geral da república. Toda essa matéria é da competência exclusiva do Poder Judiciário.
O juízo decisório da Câmara é de natureza política. O seu objetivo não é verificar a culpa ou a inocência de indivíduos e sim a presença ou ausência de condições extrajudiciais. A elevada função estatal dos acusados exige considerações que extrapolam a esfera jurídica. Trata-se de um julgamento político que ultrapassa o nível individual. O julgamento jurídico dar-se-á na esfera do Poder Judiciário: (i) imediatamente, se a Câmara autorizar a instauração do processo ou (ii) mediatamente, se não autorizar, hipótese em que os acusados serão processados criminalmente só depois de deixarem os respectivos cargos.   
O relator designado para elaborar o parecer sobre o caso em tela é membro da família mineira dos Andradas, perpétua condômina da Casa Grande tupiniquim, presente na vida pública brasileira desde o Império. O deputado relator integra a tradicional forma de fazer política no Brasil: defesa dos interesses da elite rural e urbana, preservação da oligarquia, do liberalismo econômico e do modelo aristocrático de sociedade. O discurso moralista, a conspiração e o golpe de estado fazem parte dessa tradição. Conforma-se ao perfil desse deputado a sua filiação ao partido da direita (PSDB), cujos membros cultivam ares principescos, roupas bem talhadas, camisas de seda, gravatas de grife, meias e sapatos finos, apresentam-se arrumadinhos, cheirosinhos, riquinhos, ladrõezinhos, cabelos bem cortados, penteados e englostorados (os não calvos).
Na primeira denúncia contra Michel, o relator, cujo passado não o enobrece, também pertencia a esse partido. Isto facilita a previsão. A segunda denúncia terá o mesmo destino da primeira: arquivamento. Todos os trâmites serão percorridos, toda a encenação será repetida, tudo sob os holofotes tão apreciados pelos parlamentares com suas imagens nas telas dos aparelhos de televisão. O fato de bandidos ocuparem o mais alto escalão do estado brasileiro não sensibiliza a Câmara, pois inúmeros deputados também são delinquentes. A amoralidade caracteriza a maioria. 
As declarações do lúcido e octogenário deputado relator também sinalizam para o arquivamento. Ele se declara professor de direito constitucional. Desde a promulgação da Constituição da República de 1988, pululam professores, doutrinadores, copiadores e plagiários nesse ramo do direito público. O deputado diz ainda que agirá com isenção e espírito de justiça, que fará um trabalho técnico, que no caso de dúvida favorecerá o réu conforme regra da Constituição.       
A regra mencionada em português pelo deputado, originalmente escrita em latim, “in dúbio pro reo”, produto da civilização ocidental, não consta da Constituição, salvo se oculta no § 2º, do artigo 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Quiçá, implícita no princípio do devido processo legal, ou na regra sobre absolvição por insuficiência de prova, ou decorra da dúvida metódica de Descartes. Na verdade, cuida-se de um postulado do direito penal de ampla aceitação em países democráticos onde não vingam juízos e tribunais de exceção. 
Com a máxima vênia do eminente jurista, não há falar em réu por enquanto. Só após a citação determinada pelo magistrado e efetivada validamente é que se inaugura a relação processual e o acusado passa a ocupar a posição de réu. Antes disto, possível é falar em denunciado, requerido ou acusado, mas não em réu. Os deputados não examinam processo e sim ação penal que embora submetida à jurisdição do magistrado ainda não foi recebida (no sentido técnico). Falta o juízo de admissibilidade. O processo se instaura só depois de o juiz determinar a citação do acusado. Quanto à relação processual, somente se inaugura se o acusado for citado validamente.
Compete à Câmara decidir se o STF pode dar imediato seguimento à ação penal proposta pela procuradoria geral da república. Se decidir não, a ação será arquivada. Se decidir sim, ao STF caberá então, por sua vez, decidir se recebe (ou não) a denúncia. Se não receber, a ação será arquivada; se receber, instaura-se o processo, o réu é citado e abre-se a instrução processual.
A afirmação do relator de que agirá tecnicamente, com isenção e espírito de justiça, não corresponde à realidade. Esse discurso serve para o relator aparecer bem na fotografia. Na política partidária: (i) tecnicismo é arma do engodo (ii) não há isenção, nem sinceridade (iii) há fingimento, malandragem, hipocrisia, mentira (iv) cada qual puxa a brasa para a sua sardinha. O que se percebe nos atuais parlamentares brasileiros não é o espírito de justiça e sim pragmatismo, oportunismo, desonestidade, traição. Que parlamentarismo se há de criar com gente dessa espécie? Tal sistema dá certo na Inglaterra. O remédio é continuar com o presidencialismo já aceito pelo povo brasileiro em duas consultas públicas.
Acusar Michel e seus asseclas de integrar organização criminosa é pleonasmo. Partidos como o PMDB, PSDB, DEM, PPS, PP, PT, são agremiações quadrilheiras voltadas para a ilicitude administrativa, civil e criminal, sem escrúpulos, autênticas organizações criminosas que buscam a governança municipal, estadual e federal sem preocupação com o bem comum, com o interesse público e com a soberania nacional. Todos se utilizam da roupagem legal para enganar o povo. 

STF x SENADO

Sensata a decisão do Senado Federal (03/10/2017) de adiar a discussão sobre a suspensão do mandato e recolhimento noturno do senador Aécio Neves, determinados pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A matéria está sub judice, em grau de recurso para o plenário do tribunal. Aguardar o entendimento final do STF marcado para a sessão do dia 11/10/2017, foi a solução mais recomendável e sensata porque evitou um precipitado choque entre os dois poderes (Judiciário x Legislativo).
Caso o plenário do STF mantenha a posição da turma, aí então o Senado terá de se impor com fundamento no princípio da independência dos poderes. Norma infraconstitucional (Código de Processo Penal, art. 319, V + VI) não pode se sobrepor a princípio constitucional. A aplicação da norma ordinária há de respeitar as prerrogativas constitucionais dos acusados. A competência do STF para prover medidas cautelares contra parlamentares não afasta o dever de obter a prévia anuência da Câmara ou do Senado. Pouco importa se o parlamentar é Aécio, Décio ou Indalécio. A questão é institucional. Trata-se de controlar o controle, ou seja, estabelecer limites juridicamente justificáveis ao funcionamento do sistema de freios e contrapesos. Tal mecanismo não pode ser ativado a ponto de comprometer a independência e a harmonia entre os poderes da república.       

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