quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CAPITAL x TRABALHO

Desde as antigas civilizações até as modernas, percebe-se uma constante regularidade semelhante a uma lei social: a desigualdade na divisão das tarefas e na distribuição dos bens no âmbito interno da sociedade. Da dinâmica na qual se combinam tarefas e bens no tempo e no espaço resultam cinco grupos: [1] dos que não trabalham e nada têm (vagabundos, párias, mendigos); [2] dos que muito trabalham e nada têm (escravos); [3] dos que muito trabalham e pouco têm (plebeus, pobres); [4] dos que trabalham e têm comodidades e bem-estar (remediados); [5] dos que pouco trabalham e muito têm (nobres, ricos). O patrimônio da camada social formada pela minoria abastada supera muito a soma das posses das demais camadas. Tanto no Oriente como no Ocidente, esse é o quadro social que se verifica historicamente e cuja modificação, no sentido de reduzir as desigualdades, tem sido o propósito de diversas gerações e o motivo de revoluções (exitosas e fracassadas), algumas épicas, como a dos escravos romanos (Spartacus, 73 a.C.), a dos franceses (burgueses + pobres, 1789), a dos brasileiros do Norte (cabanos, 1835) e do Sul (monge + ferroviários, 1912), a dos russos (proletariado, 1917), a dos chineses (1949) e a dos cubanos (1959).  
Essencialmente, a situação continua a mesma nos dias de hoje. Nos países de política e economia liberais, ocorre a migração de integrantes de uma camada social a outra (para cima e para baixo) e se constata melhor qualidade de vida dos integrantes da mesma classe. Com o progresso material, científico e tecnológico, houve melhora geral no padrão de vida dos humanos, embora os benefícios ainda estejam fora do alcance de grande parcela da humanidade. Com o desenvolvimento moral, houve melhora nas relações humanas, disciplinadas por princípios e regras de direito garantidos por instituições estatais, ao ponto de a dignidade da pessoa humana ser erigida em preceito fundamental do estado e o homem considerado a fonte de todos os valores vigentes na sociedade.
O desenvolvimento espiritual não acompanhou os desenvolvimentos material e moral e se encontra no estágio neolítico, entravado por fatores psíquicos e culturais (medo, ignorância, superstição, dogmática religiosa, engodo das escrituras “sagradas”, submissão aos estelionatários da fé). Esse entrave fortalece o polo negativo da natureza demoníaca dos humanos (ódio, ambição, inveja, traição) e os leva a agirem como animais selvagens, à exploração dos fracos pelos fortes, aos conflitos. Homem contra homem, classe contra classe, nação contra nação.
No período em que dominaram a política brasileira (1964/1985), os militares afastaram a ideia socialista de luta de classes e a substituíram pela ideia liberal de cooperação entre empregados e empregadores. Intenção conciliatória e humanista, porém, sem correspondência na realidade histórica. No plano dos fatos, a tensão capital X trabalho permaneceu submersa até emergir com o movimento sindical no ABC paulista. A fundação do partido dos trabalhadores colocou à mostra as vísceras do organismo econômico brasileiro. Os direitos trabalhistas da Era Vargas recuperaram o seu vigor. A Justiça do Trabalho – e não a polícia – decide sobre a legalidade da greve.
Ante a inferioridade social do trabalhador, mormente em épocas de alto índice de desemprego, na dramática realidade social e econômica de capítulos terríveis para a dignidade, a liberdade, a saúde, a sobrevivência da pessoa humana, desde o início da era industrial no século XVIII (1701/1800), a Igreja Católica, com destaque para a encíclica “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII, e setores humanísticos da sociedade europeia, inclusive na seara filosófica, no século XIX (1801/1900), postaram-se na defesa dos operários e das suas famílias. Buscava-se reduzir a desigualdade nas relações de produção econômica mediante a intervenção do estado em favor da parte mais fraca. Isto gerou, além do modelo comunista, o modelo de estado do bem-estar social que se caracteriza por: (i) limitar o liberalismo econômico (ii) disciplinar o contrato de trabalho (iii) estipular obrigações positivas do estado no que concerne à previdência e à assistência sociais, à educação e à cultura. 
A liberdade de contratar com base na autonomia da vontade que caracteriza o direito contratual na esfera civil da sociedade liberal, onde a igualdade das partes é um pressuposto meramente formal, revela-se altamente prejudicial ao trabalhador se aplicada às relações de trabalho. Para garantir uma relação menos desumana, a legislação trabalhista (no Brasil e em outros países) busca equilibrar os pratos da balança mediante princípios e regras. A Justiça do Trabalho é a instituição estatal que garante esse equilíbrio quando se instauram dissídios individuais e coletivos. O volume de dissídios no judiciário brasileiro deve-se menos ao espírito de litigância do trabalhador e muito mais à mentalidade aristocrática e desonesta do empregador. Para reduzir aquele volume, extinguir direitos do trabalhador não é o melhor caminho.
Aos olhos do empresariado brasileiro, o trabalhador é uma coisa, ferramenta, máquina, descartável mesmo quando especializado. Esse empresariado e os seus representantes no Congresso Nacional e no Executivo, sempre viram os direitos dos trabalhadores como uma carga pesada, indesejável e injusta. A garantia do trabalhador é vista como afronta ao poder absoluto do dono do capital.       
Servindo-se das ideias liberais dos séculos passados, o atual governo brasileiro pretende mudar os princípios e regras que orientam as relações trabalhistas. O Brasil vive um período de instabilidade política. O presidente não tem aprovação da maioria do povo. Ele é um dos líderes da organização criminosa que tomou conta dos destinos do país. Na cúpula dessa organização, expostos ou ocultos, estão ministros, senadores, deputados, magistrados, empresários. Esse fato mostra – e a sensatez aconselha – que nenhuma reforma convém ser realizada nesse período até as próximas eleições quando, então, restaurar-se-á a democracia e se obterá relativa estabilidade política. O mesmo se diga da alienação do patrimônio nacional econômico e estratégico. O atual governo carece de legitimidade para esse vultoso negócio. Convém aguardar a formação de um governo legítimo a partir do voto popular para, então, traçar os rumos da economia. 

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