quinta-feira, 1 de setembro de 2016

IMPEACHMENT XVII

Epílogo. 

No dia 31/08/2016, encerrou-se o processo de linchamento da Presidente da República Federativa do Brasil. Instituição própria do presidencialismo, o impeachment supõe obediência aos princípios morais e às normas constitucionais e legais. Nada disto se viu na destituição do cargo de Presidente da República da mulher eleita pelo povo. Em termos morais e jurídicos, não houve julgamento e sim linchamento, jogo de cartas marcadas do início ao fim. Desde que os golpistas, a começar pelos derrotados no pleito eleitoral de 2014, conseguiram formar um bloco majoritário no Congresso Nacional, a sorte da Presidente da República estava selada: seria expulsa do cargo mediante procedimentos previstos no ordenamento jurídico, mas sem relação jurídica substancial.
Artificiosamente, os golpistas consideraram crime de responsabilidade práticas administrativas costumeiras que conheciam muito bem, posto que observadas nos governos anteriores: a tomada de empréstimos junto à instituição financeira controlada pela União e abertura de créditos sem autorização específica do Congresso Nacional (embora permitida por lei orçamentária). Ambas as práticas eram aceitas pelos órgãos de fiscalização porque tinham respaldo constitucional e legal. Entretanto, para os fins espúrios daquela malta, revestiram-nas de nova e maliciosa interpretação. Mudaram as regras do jogo durante o jogo. Parcela da população brasileira e da opinião pública internacional percebeu a malandragem.
O público notou as manobras do bloco golpista composto de deputados, senadores, partidos políticos, magistrados, membros do ministério público, advogados, empresários. Emissoras de rádio e televisão, jornais impressos, revistas e a rede de computadores ajudaram a criar o clima favorável ao afastamento da Presidente da República. O Senado Federal, constituído em tribunal parlamentar por força legal, converteu-se de fato em tribunal de exceção colidindo com a norma constitucional que veda esse tipo de justiça (CR 5º, XXXVII).
Na realidade, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) desempenhou o triste papel de presidente de um tribunal de exceção. Nesse tribunal, 50% dos juízes respondem a inquéritos policiais e ações penais por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, fraude em licitações públicas, abuso do poder econômico em campanha eleitoral, falsificação ideológica, peculato, corrupção, entre outros crimes. 
No tribunal parlamentar, a conduta da maioria dos senadores-juízes no curso da instrução processual e do julgamento revelava a farsa, a parcialidade, o desprezo pela justiça, pela verdade e pelo direito. Senadores mostravam ansiedade para participar do histórico acontecimento. Os argumentos da acusação e da defesa, motivados e justificados, convenceram quem já estava convencido. Chuva no molhado. Valeu pelo teatral e circense espetáculo. No plenário, senadores fora dos seus lugares, em pé, andando ou parados, de lado ou de costas para a mesa dos trabalhos, conversando e gesticulando, sem dar atenção aos questionamentos e depoimentos. A prova oral não lhes interessava. Faziam piadas e graças. O rito escolhido, velho como as ordenações do reino, ensejou a redundância e a perda de tempo. Inquirições repetitivas de longa duração sobre fatos pisados e repisados serviram, de um lado, para extenuar os depoentes e, de outro, para tacanhos senadores, juízes parciais e imorais, exibirem-se ao  eleitorado.
Dentre os inúmeros episódios ocorridos nos quais se evidenciaram a suspeição e a falta de idoneidade moral dos senadores-juízes, tome-se como exemplo a homenagem que duas senadoras-juízas prestaram à advogada de acusação em plena sessão de julgamento. A cumplicidade entre o juiz e o acusador patenteou-se. Ainda que merecidas, as homenagens dos juízes da causa a uma das partes não poderiam ser prestadas no curso do processo. As senadoras-juízas praticaram ato explícito de parcialidade e deixaram inequívoca a suspeição de ambas para julgar a acusada. No tribunal de justiça em que se converte o Senado para processar o presidente da república, tal conduta é inadmissível e acarreta a nulidade do julgamento. Ainda que a advogada merecesse a homenagem por seu trabalho em favor do golpe de Estado, o local e o momento eram inadequados. (O nome da advogada lembra a carismática atriz Leila Diniz, revolucionária dos costumes, da liberação feminina, da quebra de tabus, a partir de Ipanema dos anos 60/70, que deu à sua filha o nome Janaina).
As flores ofertadas à advogada foram bem escolhidas: rosas. Essa flor é tema de música e poesia, simboliza beleza, pensamentos elevados, sentimentos de amor, alegria, prazer e contentamento. As senadoras-juízas e a advogada pareciam sentir-se num mar de rosas por acusar e condenar uma inocente.
Edith Piaf tornou famosa a canção vie em rose sobre o contentamento de viver. Cartola, negro compositor brasileiro, falava dessa flor na sua canção: “Queixo-me às rosas / mas que bobagem / as rosas não falam / simplesmente as rosas exalam / o perfume que roubam de ti”.
Na gélida realidade sem poesia, o perfume próprio das rosas misturou-se com o fedor que exalava das senadoras, gerado pela mentira, falsidade, hipocrisia, traição, inveja e ódio. Presentes estavam a frustração de Marta Suplicy por não ser escolhida para suceder Luis Inácio na presidência da república e a frustração de Ana Amélia pela derrota do seu candidato Aécio Neves. Amélia que não é aquela mulher de verdade, musa de Ataulfo Alves, negro compositor brasileiro, mas sim a branca mulher da mentira, do ódio, do revanchismo, da inteligência curta como os seus louros cabelos, musa dos caudilhos dos pampas.
Além da poesia e da música, a rosa frequenta o simbolismo religioso e místico. O seu desabrochar, a sua beleza e o seu perfume significam a pureza da alma, a ascensão do espírito humano rumo à iluminação e ao mundo divino. A cruz significa o corpo humano com a sua experiência sensorial, a sua dor, o seu sofrimento e a sabedoria dos instintos. A rosa no centro da cruz simboliza a alma, a sabedoria divina no coração humano. A cruz rosada é o símbolo místico de uma fraternidade de homens e mulheres dedicados ao estudo e aplicação das leis naturais com o propósito de desenvolver as potencialidades de cada indivíduo e propiciar um modo de vida harmonioso, de boa saúde, paz e felicidade.
Esgotada a instância parlamentar, será iniciada a instância judiciária para resolver a controvérsia jurídica em seus aspectos formais e materiais, principalmente no que concerne à suspeição dos juízes-senadores e à tipificação penal dos fatos objeto da denúncia. Se o STF decidir que os fatos não tipificam crime de responsabilidade, ou que não ficou caracterizada a conduta dolosa, o processo de impeachment será anulado e a acusada recuperará o seu cargo. Para evitar danos irreparáveis, idas e vindas, o tribunal judiciário poderá suspender liminarmente os efeitos da decisão do tribunal parlamentar e manter o status quo ante como medida de cautela. 

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