segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DEPOIMENTO II

Desde a infância em Ponta Grossa até a juventude em Curitiba, cidades do Estado do Paraná, eu absorvi, além das lições da escola, o saber só de experiência feito proporcionado pela vivência social. A pele morena herdada das duas bisavós indígenas era motivo de brincadeira para crianças e adultos de pele, cabelos e olhos claros que me presenteavam com apelidos, o que era visto por mim como normal e comum. Certa vez, quando eu ainda não completara 10 anos de idade, uma senhora alemã alta e magra dirigiu-me olhar de curiosidade higiênica como se depois fosse esmagar-me com a sola do sapato. Anos mais tarde, já bacharel em direito e com olhar sociológico, associei a conduta daquele povo à herança fascista e nazista recebida dos imigrantes italianos e alemães que se concentraram naquela região (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Verifiquei que o fenômeno ocorria também no Paraguai, Uruguai e Argentina, refúgio de fascistas e nazistas durante e após a segunda guerra mundial (1939-1945). A emigração da Europa para a América do Sul trouxe consigo esse traço cultural. O curioso é que brasileiros sulistas, sem o hábito da reflexão, não percebem a índole fascista e nazista do seu modo de pensar e agir.
Parcela da intelectualidade brasileira conhecia e divulgava obras de doutrinadores italianos e alemães, admirava e apoiava a ação política de Mussolini e Hitler. Adeptos dessa visão de mundo encontram-se nos partidos políticos, empresariado, imprensa, universidade, legislativo, executivo, judiciário, ministério público, aparelho policial, advocacia, associações civis, igrejas, forças armadas. Essa facção, ainda quando atua de modo difuso e inorgânico no Cone Sul da América, ousa atacar sinagogas, agitar as massas populares, praticar golpes de Estado, fazer da democracia um simples arremedo. Essa realidade social explica a conduta de magistrados e procuradores federais que atropelam normas constitucionais e legais para consecução dos seus objetivos políticos e externam a sua idiossincrasia e a sua inconformidade com: (1) a ascensão social e econômica dos trabalhadores urbanos e rurais; (2) a liderança de um nordestino de origem operária e pobre que ocupou com êxito e louvor a presidência da república ofuscando o vaidoso antecessor.
Durante a minha judicatura estadual em varas criminais, cíveis e especializadas, eu notei o excelente preparo moral e intelectual dos promotores e procuradores dos estados do Paraná, Guanabara, Rio de Janeiro (1970 a 1990). Magistratura e ministério público (MP) são instituições dignas e respeitáveis que a Constituição da República prestigia. Ante as recentes e escandalosas operações policiais e judiciais, onde se evidenciou o vergonhoso e inconstitucional conluio entre juiz, acusador e delegado de polícia, vejo que nem todos os membros das citadas instituições estão à altura daquela dignidade e respeitabilidade. A denúncia oferecida pelo MP contra o ex-presidente Luis Inácio e sua esposa, criticada como bizarria dos acusadores que trocaram a objetividade da prova pela subjetividade da convicção pessoal, exemplifica o abuso. Mais do que bizarria, parece desvirtuamento da finalidade essencial do MP, que é a defesa da ordem jurídica e da democracia. Vislumbra-se má-fé e intencional ilegalidade na postulação dos procuradores.
A corrupção na Petrobras (motivo das operações e denúncias) existia nos governos Sarney, Collor, Cardoso e Silva. Afigura-se temerário e anacrônico acusar alguém de “comandante máximo” de um esquema que lhe antecedeu, acéfalo e sem cor partidária. Esse tipo de esquema não tem ideologia, partido, religião, comandante, mas apenas gente corrupta que dele se beneficia. Se suposição (= “convicção sem prova”) basta para acusar, então Fernando Henrique deve ser incluído na denúncia pela compra de apartamentos em Paris e no Brasil com dinheiro proveniente da Petrobras e da venda das empresas estatais durante o seu governo, embora os imóveis estejam em nome de terceiros. Isto sem falar de Aécio Neves & Furnas + aeroporto particular + aeronave com meia tonelada de pasta de cocaína; de José Serra, Alckmin, Temer e outros figurões delinquentes.
Compete ao MP promover ação penal pública. Contudo, à falta de evidência da prática delituosa não se há de criar peça teatral ou fábula, mesmo com apoio tecnológico (powerpoint). Indício não é prova, porém, até mesmo para caracterizar o indício é necessária circunstância conhecida e provada que tenha relação com o fato e que autorize, por indução, a existência de outras circunstâncias. Quanto ao domínio do fato, trata-se de licença hermenêutica para responsabilizar quem, embora não sendo o autor ou o mandante do crime, contribui para a atividade criminosa; aqui, também, não basta presunção; imprescindível provar a participação efetiva e o dolo. 
A apuração da materialidade e da autoria dos crimes cabe à polícia judiciária e ao MP; inclui: apreensão de coisas que servirem para esclarecer os fatos; inquirição da vítima, do indiciado e de testemunhas; reconhecimento de pessoas e coisas; acareação; reprodução simulada dos fatos; exame pericial (de corpo de delito ou de outro tipo). Ainda que a prova seja de difícil produção, a sua falta não pode ser suprida com suposição. No processo jurídico penal, o juízo assenta-se na prova, cujo exame requer ciência, prudência e consciência. Quem alega, deve provar. Ao acusador cabe produzir a prova; ao defensor, a contraprova; ao juiz, examina-las e formar convicção fundada na certeza decorrente do fato provado. Para ser admitida pelo juiz, a denúncia deve estar instruída com as provas da existência do crime e do seu autor. Tais provas são aquelas reunidas no inquérito policial ou as que consistem de autônomas e idôneas peças de informação. O juiz pode rejeitar a denúncia quando: (1) o fato narrado não constituir crime; (2) a parte for ilegítima; (3) faltar condição exigida por lei para o exercício da ação penal. Se faltar justa causa, ou se direitos assegurados pela Constituição forem violados, a ação penal pode ser trancada.  
Na instrução processual é produzida prova oral, documental e pericial, além da que consta do inquérito policial ou das peças autônomas. Vítima, acusado, testemunha e perito devem dizer a verdade. Ninguém tem o direito de mentir. Ninguém está obrigado a depor contra si próprio. O acusado tem o direito de calar, porém, se decidir falar, deve dizer a verdade. Confissão é ato personalíssimo de disposição do direito de quem confessa; se isolada dos outros elementos de prova, a confissão é ineficaz. A delação compromete o delator, mas não o delatado e nem se confunde com prova, embora possa servir de auxílio à investigação criminal. Todavia, se o delator estiver preso, a sua palavra não merece fé. A liberdade é essencial ao valor da palavra. 
Os documentos devem ser verdadeiros e adequados ao caso; compreendem: escritos, instrumentos ou papéis, públicos e privados. Ante a prova documental idônea, a prova testemunhal em sentido contrário é inoperante. A escritura lavrada em notas de tabelião é documento dotado de fé pública e faz prova plena. A propriedade imóvel se prova através da escritura pública registrada no Registro de Imóveis (RI). Cabe ao MP provar a fraude que alega existir quando atribui a propriedade do imóvel a quem não consta do RI como proprietário. Enquanto por meio de ação própria não for provada a invalidade do registro e não for promovido o respectivo cancelamento, o adquirente que consta da escritura continua a figurar como legítimo dono do imóvel. A segurança das relações jurídicas e a lei assim o exigem. Compreende-se como bem imóvel o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Dessa compreensão estão excluídos bens móveis e semoventes encontrados no imóvel, tais como: pedalinho, canoa, cavalos, cachorros.  
Na esfera extrajudicial podemos nos convencer de muitas coisas sem nos preocuparmos em juntar provas para convencer também os outros. Todavia, na esfera judicial, o convencimento intuitivo e pessoal nada vale se desprovido de base empírica. Sem prova não há certeza e sem certeza não há convicção e sim mera suposição e a suposição é insuficiente para instaurar processo penal ou sustentar um julgamento válido.     
Constituição Federal: 5º LIX + 127 + 129, I + 144 §§ 1º e 4º.
Código Penal: 100. Código de Processo Penal: 4º + 12 + 23 + 29 + 156 + 197 + 231 + 239.
Código Civil: 79 + 212 + 215 + 1245, §2º.

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