O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão do dia
18/06/2015, aprovou a lista tríplice apresentada pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), para preenchimento de uma vaga de ministro da corte eleitoral
destinada à classe dos advogados. O ministro Marco Aurélio pediu prazo para se
pronunciar tendo em vista que um candidato funcionava como advogado de um dos
acusados no processo criminal conhecido como Lava-Jato [que apura corrupção e outros crimes praticados na
Petrobrás]. O ministro Gilmar Mendes, atual vice-presidente do TSE, protestou
dizendo que não se há de confundir a pessoa do advogado com a pessoa do
cliente. A ministra Carmen Lúcia, com a sua sensata e bem fundamentada argumentação,
apoiou as razões do ministro Marco Aurélio. O ministro Dias Toffoli, atual
presidente do TSE, posicionou-se contra o adiamento da votação. Disse que não
faria outra lista e que bastava aos ministros aprovar ou reprovar qualquer dos
nomes apresentados. O plenário decidiu pela votação imediata. Dois advogados
obtiveram 11 votos cada um; o terceiro obteve 9 votos. A lista será enviada ao
Palácio do Planalto para a Presidente da República escolher e nomear o novo
ministro. O questionamento durante a votação enseja algumas reflexões.
1. Notamos que a lista dos
candidatos já veio pronta do TSE quando devia ser elaborada pelo STF, consoante
parte final, do inciso II, do artigo 119, da Constituição Federal. O presidente
do STF justificou a violação do preceito constitucional afirmando ser praxe a
elaboração da lista pelo TSE. Praxe
significa costume, prática geral, habitual e antiga. No âmbito do direito, a
praxe ou costume gera norma com efeitos jurídicos ainda que não seja posta por
escrito pelo Estado. A praxe somente é aplicável quando a lei for omissa. Assim
dispõe a lei de introdução às normas do direito brasileiro. Praxe contra legem não deve ser admitida pelos
juízes e tribunais. No caso acima referido, a praxe contraria a Lei Magna, cuja
guarda compete ao STF. Evidente a inconstitucionalidade da praxe de a lista ser
elaborada por ministros do TSE ao invés de sê-lo por ministros do STF. No caso
em tela, a impugnação de um só ministro era suficiente para recusar a lista
apresentada pelo TSE e se proceder à elaboração da lista pelo próprio STF em
obediência ao comando constitucional. Desse modo, a Constituição não seria
violada por seu próprio guardião. Dever precípuo do guardião é o de proteger o
que lhe foi confiado. Na ausência de guerra, urgência alguma justifica o
abandono dos princípios e das normas constitucionais.
2. Nos termos do preceito
constitucional acima citado, o STF deve indicar os nomes dos candidatos em
lista sextupla. No entanto, outro tribunal, o TSE, elaborou lista tríplice. Por
mais este ângulo, a decisão do STF de abonar essa espúria lista fere a
Constituição. Pouco importa se o preenchimento será de uma ou de duas vagas. A
operação aritmética de reduzir a indicação pela metade quando se trata de uma
só vaga fere a letra e o espírito da norma constitucional que exige expressamente
seis nomes. Cuida-se de uma prerrogativa do Presidente da República: o seu
campo de escolha. A redução desse campo pelo STF é inconstitucional. De fato, a
escolha pelo Presidente fica limitada a três nomes. Após a escolha, sobrarão dois
nomes que constarão da próxima lista à qual se acrescentará mais um nome. Para
preencher a próxima vaga, o Presidente só poderá escolher um dos três nomes da
nova lista, e assim por diante. Em suma: nunca lhe serão apresentados os seis
nomes exigidos pela Constituição. A Presidente da República tem o direito de
solicitar ao STF a inclusão de mais três nomes na lista que lhe foi
apresentada.
3. Os advogados indicados devem
ter notável saber jurídico e idoneidade moral, conforme norma constitucional acima
citada. Houve um nome da lista que mereceu a reserva dos ministros Marco
Aurélio e Carmen Lúcia. Evidente que não se confunde a pessoa do advogado com a
pessoa do cliente. Nenhum dos ministros afirmou o contrário. Todavia, a atuação
do advogado não se desliga da causa que defende no momento da indicação ao
cargo de juiz de um tribunal superior, mormente quando esse cargo permite o exercício
concomitante da advocacia. A causa repercute na sociedade sem divisão entre
patrono e cliente. Para a sociedade – embora não para os profissionais do
direito – até prova em contrário o advogado está defendendo um criminoso. Segundo
a opinião pública, ainda que injusta, só defende corrupto quem é corrupto. Essa
imagem não pode ser transportada para o juiz de um tribunal judiciário, principalmente
quando a nação está sob aguda crise moral. Vem a calhar a célebre definição do
filósofo espanhol Ortega y Gasset: eu sou
eu e as minhas circunstâncias. O indivíduo está imerso nas múltiplas
relações sociais, políticas e econômicas da sociedade em que vive e a sua
imagem delas não se desagrega. Lição da experiência: o “bom” advogado, mormente
quando bem remunerado, mesmo sabendo que o seu cliente é culpado, tudo faz para
inocentá-lo. Realmente, esse advogado é bom para o cliente, mas não para a
sociedade. Por outro lado, ao saber que o seu cliente é culpado, o “mau”
advogado não insiste na inocência, mas tudo faz para: (1) evitar o excesso da
pena; (2) obter os benefícios legais negados ou omitidos pela autoridade
pública; (3) tornar eficazes as garantias constitucionais. Esse advogado é mau
para o cliente, mas bom para a sociedade.
4. O STF e o TSE não se mostram
tão zelosos no que tange à outra praxe: a do primeiro, para eleger os seus três
ministros ao TSE; a do segundo, para eleger os seus presidente e vice-presidente.
Conforme essa praxe, que visa ao rodízio dos ministros, os juízes são eleitos na
ordem da antiguidade decrescente: o mais antigo para presidente, o imediato
para vice e o terceiro para vogal. O ministro Joaquim Barbosa, mais antigo, foi
eleito presidente do TSE e o ministro Ricardo Lewandowski, mais novo, vice. No
período seguinte, o ministro Ricardo Lewandowski foi eleito presidente e a
ministra Carmen Lúcia, vice. Depois, a ministra Carmem Lúcia foi eleita presidente
e o ministro Dias Toffoli, vice. A seguir, o ministro Dias Toffoli foi eleito presidente
e o ministro Luiz Fux... Opa! Acidente de percurso. A praxe foi rompida. Fora
da seqüência regular ditada pela praxe, o eleito para vice foi Gilmar Mendes!
Provavelmente, ele será o presidente do TSE nas eleições de 2018, contará com
os ministros por ele escolhidos, sob as bênçãos do PSDB. Luiz Fux, atualmente
vogal, talvez seja eleito para cargo de direção oportunamente, depois que
Gilmar cumprir a sua missão evangelizadora.
5. Das manobras aqui mencionadas
exala um fedor que nos faz cismar se esses tribunais são a cúpula ou a cópula
do Judiciário.
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