sábado, 20 de junho de 2015

PRAXE PERVERSA



O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão do dia 18/06/2015, aprovou a lista tríplice apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para preenchimento de uma vaga de ministro da corte eleitoral destinada à classe dos advogados. O ministro Marco Aurélio pediu prazo para se pronunciar tendo em vista que um candidato funcionava como advogado de um dos acusados no processo criminal conhecido como Lava-Jato [que apura corrupção e outros crimes praticados na Petrobrás]. O ministro Gilmar Mendes, atual vice-presidente do TSE, protestou dizendo que não se há de confundir a pessoa do advogado com a pessoa do cliente. A ministra Carmen Lúcia, com a sua sensata e bem fundamentada argumentação, apoiou as razões do ministro Marco Aurélio. O ministro Dias Toffoli, atual presidente do TSE, posicionou-se contra o adiamento da votação. Disse que não faria outra lista e que bastava aos ministros aprovar ou reprovar qualquer dos nomes apresentados. O plenário decidiu pela votação imediata. Dois advogados obtiveram 11 votos cada um; o terceiro obteve 9 votos. A lista será enviada ao Palácio do Planalto para a Presidente da República escolher e nomear o novo ministro. O questionamento durante a votação enseja algumas reflexões.

1. Notamos que a lista dos candidatos já veio pronta do TSE quando devia ser elaborada pelo STF, consoante parte final, do inciso II, do artigo 119, da Constituição Federal. O presidente do STF justificou a violação do preceito constitucional afirmando ser praxe a elaboração da lista pelo TSE. Praxe significa costume, prática geral, habitual e antiga. No âmbito do direito, a praxe ou costume gera norma com efeitos jurídicos ainda que não seja posta por escrito pelo Estado. A praxe somente é aplicável quando a lei for omissa. Assim dispõe a lei de introdução às normas do direito brasileiro. Praxe contra legem não deve ser admitida pelos juízes e tribunais. No caso acima referido, a praxe contraria a Lei Magna, cuja guarda compete ao STF. Evidente a inconstitucionalidade da praxe de a lista ser elaborada por ministros do TSE ao invés de sê-lo por ministros do STF. No caso em tela, a impugnação de um só ministro era suficiente para recusar a lista apresentada pelo TSE e se proceder à elaboração da lista pelo próprio STF em obediência ao comando constitucional. Desse modo, a Constituição não seria violada por seu próprio guardião. Dever precípuo do guardião é o de proteger o que lhe foi confiado. Na ausência de guerra, urgência alguma justifica o abandono dos princípios e das normas constitucionais.

2. Nos termos do preceito constitucional acima citado, o STF deve indicar os nomes dos candidatos em lista sextupla. No entanto, outro tribunal, o TSE, elaborou lista tríplice. Por mais este ângulo, a decisão do STF de abonar essa espúria lista fere a Constituição. Pouco importa se o preenchimento será de uma ou de duas vagas. A operação aritmética de reduzir a indicação pela metade quando se trata de uma só vaga fere a letra e o espírito da norma constitucional que exige expressamente seis nomes. Cuida-se de uma prerrogativa do Presidente da República: o seu campo de escolha. A redução desse campo pelo STF é inconstitucional. De fato, a escolha pelo Presidente fica limitada a três nomes. Após a escolha, sobrarão dois nomes que constarão da próxima lista à qual se acrescentará mais um nome. Para preencher a próxima vaga, o Presidente só poderá escolher um dos três nomes da nova lista, e assim por diante. Em suma: nunca lhe serão apresentados os seis nomes exigidos pela Constituição. A Presidente da República tem o direito de solicitar ao STF a inclusão de mais três nomes na lista que lhe foi apresentada. 

3. Os advogados indicados devem ter notável saber jurídico e idoneidade moral, conforme norma constitucional acima citada. Houve um nome da lista que mereceu a reserva dos ministros Marco Aurélio e Carmen Lúcia. Evidente que não se confunde a pessoa do advogado com a pessoa do cliente. Nenhum dos ministros afirmou o contrário. Todavia, a atuação do advogado não se desliga da causa que defende no momento da indicação ao cargo de juiz de um tribunal superior, mormente quando esse cargo permite o exercício concomitante da advocacia. A causa repercute na sociedade sem divisão entre patrono e cliente. Para a sociedade – embora não para os profissionais do direito – até prova em contrário o advogado está defendendo um criminoso. Segundo a opinião pública, ainda que injusta, só defende corrupto quem é corrupto. Essa imagem não pode ser transportada para o juiz de um tribunal judiciário, principalmente quando a nação está sob aguda crise moral. Vem a calhar a célebre definição do filósofo espanhol Ortega y Gasset: eu sou eu e as minhas circunstâncias. O indivíduo está imerso nas múltiplas relações sociais, políticas e econômicas da sociedade em que vive e a sua imagem delas não se desagrega. Lição da experiência: o “bom” advogado, mormente quando bem remunerado, mesmo sabendo que o seu cliente é culpado, tudo faz para inocentá-lo. Realmente, esse advogado é bom para o cliente, mas não para a sociedade. Por outro lado, ao saber que o seu cliente é culpado, o “mau” advogado não insiste na inocência, mas tudo faz para: (1) evitar o excesso da pena; (2) obter os benefícios legais negados ou omitidos pela autoridade pública; (3) tornar eficazes as garantias constitucionais. Esse advogado é mau para o cliente, mas bom para a sociedade.    

4. O STF e o TSE não se mostram tão zelosos no que tange à outra praxe: a do primeiro, para eleger os seus três ministros ao TSE; a do segundo, para eleger os seus presidente e vice-presidente. Conforme essa praxe, que visa ao rodízio dos ministros, os juízes são eleitos na ordem da antiguidade decrescente: o mais antigo para presidente, o imediato para vice e o terceiro para vogal. O ministro Joaquim Barbosa, mais antigo, foi eleito presidente do TSE e o ministro Ricardo Lewandowski, mais novo, vice. No período seguinte, o ministro Ricardo Lewandowski foi eleito presidente e a ministra Carmen Lúcia, vice. Depois, a ministra Carmem Lúcia foi eleita presidente e o ministro Dias Toffoli, vice. A seguir, o ministro Dias Toffoli foi eleito presidente e o ministro Luiz Fux... Opa! Acidente de percurso. A praxe foi rompida. Fora da seqüência regular ditada pela praxe, o eleito para vice foi Gilmar Mendes! Provavelmente, ele será o presidente do TSE nas eleições de 2018, contará com os ministros por ele escolhidos, sob as bênçãos do PSDB. Luiz Fux, atualmente vogal, talvez seja eleito para cargo de direção oportunamente, depois que Gilmar cumprir a sua missão evangelizadora.

5. Das manobras aqui mencionadas exala um fedor que nos faz cismar se esses tribunais são a cúpula ou a cópula do Judiciário.   

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